A vida é bela

Narciso cedo lhe guiou o traço. De tal forma que a beleza das formas e o próprio conceito do que é belo roubaram a atenção do arquiteto Rodrigo Porto, 37, ainda na infância. Ele conta que não tinha mais do que 10 anos de idade quando se tornou assíduo leitor da revista Arquitetura e Construção, graças ao estímulo de um pai que percebia, entusiasmado, a notória e precoce habilidade do filho para desenhar plantas baixas com precisão e talento inexplicáveis. Profético e afetivo a um só tempo, o gesto paterno está na memória de quem acabou se tornando estudante e professor do Curso de Arquitetura da Universidade de Fortaleza, instituição ligada à Fundação Edson Queiroz.
 
A escolha pela docência, diga-se de passagem, é outra influência que o filho do professor Adones de Oliveira, decano do Curso de Engenharia de Produção da Unifor, não nega. “Meu pai é formado em Engenharia Mecânica pela Unifor e foi coordenador do Curso de Engenharia de Produção por 16 anos, além de ter trabalhado para outras empresas do Grupo Edson Queiroz. Ou seja, ele conhecia a estrutura e solidez da universidade, como também seu corpo docente, e, para completar, sempre valorizou a formação acadêmica, cobrando dos filhos não só a graduação como o ingresso numa pós-graduação. Dizia: escolha a especialização, seja onde for, que darei um jeito de bancar. E foi assim que, logo ao sair da graduação, fui para Natal e emendei com o mestrado Conforto Ambiental na UFRN para depois cursar o doutorado em Arquitetura de Museus, pela Mackenzie. Nesse ínterim, houve uma pós em iluminação arquitetônica na Pensilvânia, Estados Unidos, e um curso em Harvard na área de gestão de negócios, na Business School. O resultado é que, aos 25 anos, passei na seleção para professor da Unifor e permaneço lecionando até hoje, feliz e grato por ter tido estímulo e inspiração paternos”, vibra Rodrigo.
       
Na Unifor, o arquiteto e professor Rodrigo Porto ainda se deparou com um improvável amigo que teria idade para ser seu pai e se tornou outro incentivador de crucial importância. O encontro se deu quando ele arregaçou as mangas para criar a pós-graduação em arquitetura de interiores e, diante da positiva repercussão do trabalho, acabou notado por ninguém menos do que o chanceler Airton Queiroz (1946-2017), um também expert e aficionado pelo belo artístico, que encontrou no jovem arquiteto conhecedor de História da Arte o profissional ideal para organizar e cuidar de perto dos espaços expositivos e coleções de obras de arte da instituição. Assim é que, por afinidade imediata e gostos estéticos afins, Rodrigo foi levado a conciliar a docência com o cargo de arquiteto da Fundação Edson Queiroz, função que exerce até hoje.

“Depois do falecimento do Dr. Airton, estou mais focado nos projetos expográficos das exposições que passam pelo Espaço Cultural da Unifor. Mas antes também fazia as vezes de um assessor especial que, aos poucos, conquistou sua confiança a ponto de assumir não só os projetos arquitetônicos institucionais como demandas ligadas ao seu acervo particular. Portanto, fui alguém treinado e autorizado por ele para dar opiniões e decidir sobre a disposição das obras no prédio da Reitoria e na própria casa da família, além de acompanhá-lo em quase todas as viagens que fazia como um dos maiores colecionadores de arte do Brasil. Ele sabia do meu gosto por viagens e visitas a museus do mundo todo, hábito que trago também desde criança, já que em minha família temos artistas e o turismo cultural sempre foi   algo naturalmente vivenciado”, rememora Rodrigo.
 
Inesquecível, a parceria resultou em simbiose. “Todos os anos, Dr. Airton conferia de perto os maiores eventos de arte de São Paulo e Rio. E nossa visita se dava justo no dia reservado aos seletos colecionadores do país. Ele me proporcionou esse acesso privilegiado e me levou a conhecer quem faz o mercado das artes. Fui apresentado a curadores, diretores de museus, grandes colecionadores e artistas, que sem ele, jamais teria acessado”, reconhece Rodrigo. De museu em museu, a maratona alimentava uma paixão comum. “Posso afirmar, de cátedra, que Dr. Airton era um conhecedor profundo das artes, inclusive da arte contemporânea, além de colecionador inveterado, do tipo que não cansava de correr atrás da obra que iria completar a coleção. Ele via um novo trabalho e me perguntava: 'temos quantos quadros desse artista?'. E eu respondia: 'dois'. E tinha que dizer também onde estavam localizados. Ou seja, eu tinha todo aquele banco de dados na minha cabeça porque cada informação era decisiva para uma possível nova aquisição”, recupera.
 
Um xeque-mate que exigia responsabilidade mútua. “Depois de muitas perguntas, de pesar e medir, Dr. Airton dizia: ‘o acervo da Fundação precisa ter essa obra!’. Tudo porque ele sabia diferenciar bem o acervo particular do institucional. Pessoalmente, só comprava o que de fato gostava. Mas para o Espaço Cultural da Unifor tinha em mente a perspectiva da História da Arte, ou seja, as representações dos diversos períodos históricos e os artistas que estavam em destaque no momento. Era um senso aguçado e responsável diante do papel cultural de uma instituição de ensino, pesquisa e extensão. Levava isso muito a sério. E eu também aprendi a levar, dada a confiança que depositou em mim para a organização e exposição desses acervos”, admite Rodrigo.

O aprendiz não reclama do rigor de um superior reconhecidamente exigente e até austero no ambiente de trabalho. “Dr. Airton dava conta de tudo, em detalhes: da disposição das obras, se aquele quadro tinha ficado bom naquela sala, se estava torto, se a altura estava correta. Aprendi a admirar tamanho preciosismo. E a valorizar cada vez mais a relação de admiração mútua, confiança e amizade que construímos. Inclusive posso dizer que ele também se tornou um amigo-confidente, um arguto conselheiro em momentos de conflitos íntimos. Nunca senti o peso da diferença de idade entre nós, talvez porque nossa troca de repertórios era da ordem do sensível: gostávamos os dois de arte, de viagens, da boa comida e da boa bebida. De Antônio Bandeira a Lygia Clark. Uma amizade que se mantém viva em mim por ainda estar ligada à minha história familiar: tenho pai e irmã professores da Unifor como eu; além de minha mãe e meu irmão, também graduados nessa mesma universidade. Ou seja, trata-se de uma só família com belas experiências de vida compartilhadas”, enaltece.

Do pó de giz à corrida pelo futuro 

Sem sequer intuir, Marília Porto, 33, nutriu a docência desde a infância. Influência confessa do pai sim. O professor e ex-coordenador do Curso de Engenharia de Produção da Unifor, Adones de Oliveira, cultivou o hábito de levar os filhos ainda crianças para a Unifor e, mesmo quando dava aulas à noite, era comum acolher a visita das crias. “Nos dias de prova lembro que entrava na sala de aula e ficava ali sentadinha perto da lousa, desenhando com giz rosa e amarelo... Era o tempo do giz ainda... Eu adorava aquele ambiente e sempre pedia para ir de novo. Tanto que mamãe ia buscar papai no trabalho e acabava levando a gente. Era terminar a aula dele e irmos direto comer sanduíche lá na Top’s. Uma espera com gosto de recompensa. E assim fui me envolvendo afetivamente com a Unifor desde muito menina, sabendo que eu iria, quando adulta, estudar ali”, revela a nutricionista graduada na Universidade de Fortaleza.

Do pó de giz aos ultra-assépticos laboratórios de última geração. A estudante que se tornou docente também mergulhou fundo, como o pai, na pesquisa acadêmica. E foi emendando graduação com mestrado e doutorado que ela passou a se dedicar à Nutrição Clínica, com foco voltado aos estudos da alergia alimentar em crianças. De tão inovador, o método desenvolvido rendeu-lhe uma patente internacional. E assim é que, não à toa, Marília Porto hoje coordena um grupo de estudos na Unifor que publica artigos e executa pesquisas em torno dessa especialidade. Com a pandemia da Covid-19 e frente a uma licença-maternidade, os encontros entre a professora e seus alunos foram pausados ao longo de 2020. Mas ela não vê a hora de voltar a exercer a docência como o pai a ensinou. “Tenho um exemplo em casa de total disponibilidade e atenção para com os alunos. Meu pai é aquele tipo que atende às solicitações e tira dúvidas até aos domingos, se preciso. É o mestre, o educador, querido porque sabe pacientemente ensinar e tornar fácil o que parece difícil”, elogia a filha.
  
Aos 24 anos, o caçula Pedro Porto também faz jus a uma linhagem familiar que literalmente corre atrás de resultados e avanços. Envolto desde a infância com os conhecimentos de mecânica herdados do pai, ele competiu profissionalmente pilotando karts até atingir um pouco mais da maioridade. Para subir aos pódios, chegou a morar em São Paulo, ganhou patrocínio, participou de campeonatos nacionais e sul-americanos pelo Brasil, mas na hora de decidir a carreira profissional, foi na Universidade de Fortaleza que escolheu unir o útil ao que já lhe agradava. “Não tive dúvidas de que o Curso de Engenharia de Produção, mais até do que a Engenharia Mecânica, me abriria um leque de oportunidades não só para atuar no campo do automobilismo, que era o que estava por trás do kart. Como meu pai liderou o projeto daquela matriz curricular, tinha total segurança de que iria sair da graduação com uma formação técnica e teórica multifacetada, ou seja, credenciado para atuar junto aos sistemas produtivos empresariais ou como empreendedor dos meus próprios negócios”, sublinha.

O elogio à qualidade da graduação em Engenharia de Produção também se estende, claro, ao corpo docente do qual o patriarca da família Porto Oliveira até hoje faz parte. “Meus professores – e alguns eu conhecia desde a infância por conta mesmo do meu pai - me ensinaram a pensar, a dominar a lógica para solucionar problemas não só de maneira eficiente como inovadora. Claro que já sabia que seria mais cobrado por meu pai ser meu professor, mas acho que nunca o decepcionei. Minhas notas sempre foram boas e tive o privilégio de ter aulas particulares em casa. Nada disso era sacrifício; ao contrário! Foi uma formação muito prazerosa, eu não deixava de sair nem me divertir. Toda sexta-feira, minha turma reservava uma ou duas quadras do ginásio poliesportivo para bater bola lá. Então só tenho boas lembranças da convivência no campus e da bagagem que trago comigo como profissional”, reconhece o engenheiro de produção que há um ano mora e trabalha em Marco, interior cearense, dedicado ao setor corporativo. 

Namoro firme com a educação

Aos 57 anos, Solange Porto lembra bem do casamento e da gravidez precoce, que vieram colados ao momento do vestibular. “Eu tinha 18, 19 anos quando concorri para Odontologia, mas não cursei porque engravidei. E aí fui criar os filhos, um depois do outro. São três e até os dois primeiros crescerem, decidi ser mãe profissional. Mas quando Pedro, que é o temporão, veio, eu já estava cursando Contabilidade na Unifor, influenciada pelo meu pai, que é contador. E me apaixonei pelo curso, até porque já convivia com os professores da Unifor e frequentava os eventos no campus, já que Adones, meu esposo, fazia parte daquele corpo docente e eu sempre o acompanhava ou ia buscá-lo no trabalho levando as crianças. Foi assim que, mesmo tardiamente, quando passei a ser estudante da graduação, vivi ótimos momentos com ele lá, porque nos encontrávamos nos intervalos das aulas para lanchar juntos. Ele professor, eu aluna, ali, feito um casal de namorados de novo, marcando encontro exatamente como minhas colegas de turma mais moças faziam com seus namorados”, suspira a matriarca da família.

A diferença de idade entre Solange e as “moças” da turma de Contabilidade da Unifor não impediu a solidez das amizades. Até hoje, as amigas de faculdade se encontram e têm um grupo de whatsaap batizado carinhosamente como “As Contadoras”. “Toda sexta-feira saíamos da aula para almoçar juntas. Uma delas tem uma fazenda e às vezes também íamos passar os finais de semana. Então a Unifor sempre foi esse ambiente de muita fraternidade para mim, um valor agregado que considero tão importante quanto a própria formação. Até porque toda a família acabou passando pela Unifor e reforçando esses laços afetivos lá dentro. De repente, meu marido também virou meu professor particular em casa, me ajudando nas provas exatamente como fizemos depois com nossos filhos. Essa troca de conhecimentos afins e complementares entre nós vem de uma mesma universidade, onde também encontramos ancoradouro para nossa formação cultural: o verde do campus, aquela imensa biblioteca, o museu e os acervos de livros e obras de arte da Unifor sempre alimentaram uma tradição familiar tocada pelo saber criativo e sensível ligado às artes”, reforça Solange.
  
Em tempo: estudo, leitura e cultura correm nas veias da família Porto geração após geração. Assim é que todos os nove irmãos da matriarca têm nível superior de escolaridade, dividindo-se entre contadores, médicos, arquitetos, sociólogos/antropólogos e escritores. “Meu pai sempre se preocupou em deixar como herança para nós o hábito da leitura e a educação de qualidade. Por isso montou uma biblioteca riquíssima em nossa casa. Ele dizia que conhecimento adquirido ninguém tira de nós, é o nosso tesouro. E eu reforço essa verdade junto aos meus filhos, que me viram não desistir de voltar a estudar e em breve irão me ver cursar uma pós-graduação na Unifor, algo que pretendo buscar tão logo a pandemia da Covid-19 permita um retorno presencial à universidade”, vislumbra Solange.


        
Da turma do Curso de graduação em Engenharia Mecânica do ano de 1978, o hoje engenheiro e professor Adones de Oliveira, 62, também deu exemplo de tenacidade e erudição aos filhos: foram anos a fio exercendo a profissão, tendo inclusive estagiado e trabalhado no Grupo Edson Queiroz, mas sem jamais desistir da universidade. “Me tornei professor efetivo da Unifor em 1991.  Antes, mesmo quando trabalhava viajando à frente da gestão técnica de exportação da holding do Grupo Edson Queiroz, isso após ter integrado outras organizações, sempre atuei como professor-colaborador. Em 2001, concluí o mestrado em Engenharia de Produção e sistemas, na UFSC e acabei deixando a Diretoria Industrial de uma grande empresa para empreender como consultor empresarial e iniciar um doutorado, mas sempre mantendo a docência. Foi quando aceitei o convite para ser coordenador do Curso de Engenharia de Produção da Unifor, papel que abracei até 2016”, relembra o professor que fez valer todos os seus esforços para o reconhecimento do curso e a consequente obtenção da nota máxima (5) na avaliação do MEC/INEP.
 
Afeito a números e fã de resultados, Adones de Oliveira contabiliza: “Quando criamos o Curso de Engenharia de Produção da Unifor tínhamos 39 alunos. Hoje são mais de 700”. Da memória do criador, saltam “criaturas” memoráveis, como o projeto SAE Mini Baja, com ele liderando as equipes de alunos da Engenharia Mecânica e outros cursos do Centro de Ciências Tecnológicas (CCT) na construção dos veículos protótipos que acabariam competindo anualmente em São Paulo e fazendo a diferença entre nada menos do que 80 equipes de diversas universidades nacionais e estrangeiras. “Foi um feito espetacular e um grande incentivo para professores e estudantes envolvidos”, relembra, ainda orgulhoso, o professor. 

E se o assunto é a própria graduação que se tome fôlego. O engenheiro ainda era estudante quando o primogênito Rodrigo nasceu. “Tive que me virar nos 30. Eram 36 créditos, estagiava à tarde na CTC, e trabalhava à noite na Secrel, uma empresa de informática e processamento de dados, entre 22 horas e 4 da madrugada. Tinha 25 anos e já era doido, né? Mas tem mais: ao longo de todo esse percurso, não sei como, fiz especialização em Informática e mestrado em Santa Catarina, viajando e voltando para Fortaleza ao mesmo tempo em que trabalhava no ramo corporativo. E confesso: jamais me senti cansado. Ao contrário: fiz tudo movido a prazer”, diverte-se Adones, certo de que a escolha pela dedicação integral à docência foi seu maior acerto.

Em casa, o professor Adones aplica a “educação realista” que herdou do pai militar, prático e objetivo, mas também de uma mãe com refinado gosto pela leitura, afrescos e boa música, capaz de inocular nos filhos o interesse pelas artes e os esportes. “Fui piloto de moto e carro, além de praticar surf. Quer dizer, sempre fui estimulado a aproveitar a vida, além de estudar muito, chegando ao Colégio Militar. Meu pai trabalhava na Base Aérea e dentro dos aviões eu via as turbinas e os motores como funcionavam. Ele também chegou a trabalhar com automóveis para uma empresa e eu sempre no meio, daí o interesse precoce pela Engenharia Mecânica, uma opção minha que até o desagradou um pouco já que me via seguindo carreira militar. Mas depois vimos os dois que eu estava certo: me preparei muito bem para o mercado na Unifor, sem abrir mão de uma formação teórica e humanista de excelência, que muito cedo nos ensina a validar os estudos na prática”, enfatiza o professor que hoje segue a mesma receita com alunos que valorizam o rol diversificado de experiências que adquiriu no ramo empresarial, ao mesmo tempo em que o disputam nas bancas de TCC pela profundidade das reflexões de viés acadêmico celebradas em sala de aula.