Entenda como funciona o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)
Geralmente identificada na infância, condição neurobiológica pode acompanhar o paciente por toda a vida
Processar informações, controlar impulsos e manter o foco. Esses normalmente são os principais desafios de quem lida com o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), condição que afeta o neurodesenvolvimento e resulta em prejuízos biopsicossociais, podendo vir acompanhado de comorbidades, como a ansiedade e a depressão, entre outras.
Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), cerca de dois milhões de pessoas no país são acometidas pelo transtorno. Apesar de não ter um exame específico para identificá-lo, pode ser constatado por meio de diagnóstico clínico feito de forma interdisciplinar, envolvendo diversos profissionais de saúde. Segundo especialistas, o tratamento precoce é fundamental para que o paciente tenha uma vida saudável e produtiva.
Definição e classificação
Em definição proposta pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), documento idealizado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), o TDAH é um transtorno de neurodesenvolvimento.
Ele é caracterizado por um padrão persistente de desatenção e/ou impulsividade/hiperatividade que interfere no funcionamento e/ou desenvolvimento do ser humano. Pode ser classificado em três subtipos:
- Apresentação predominantemente desatenta;
- Apresentação predominante hiperativa/impulsiva;
- Apresentação combinada (desatenção, hiperatividade e impulsividade).
Sintomas
Embora os principais sintomas do TDAH sejam desatenção, hiperatividade e impulsividade, há outros indícios que podem auxiliar na hipótese diagnóstica. PhD em Neurociências e Cognição e docente do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz —, Andréa Quesada explica como isso funciona no cérebro.
Baixa tolerância à frustração e dificuldade em se concentrar e processar informações são alguns dos sintomas do TDAH (Foto: Getty Images)
“Em termos biológicos, há evidências de redução da atividade e do volume do lobo frontal, atraso na maturação cortical no sentido póstero-anterior, déficits de dopamina e presenças de ondas lentas nas regiões anteriores do cérebro”, relata. Em termos psicológicos, a professora cita também:
- prejuízos na memória operacional e na velocidade de processamento,
- problemas emocionais,
- oscilação de humor,
- irritabilidade,
- baixa tolerância à frustração,
- procrastinação,
- dificuldades em finalizar projetos,
- baixa auto-estima.
“Geralmente, as pessoas com TDAH são mais intensas, têm dificuldades de controlar suas emoções (são frequentemente conhecidas como ‘pavio curto’) e podem apresentar maior susceptibilidade ao uso de drogas. Algumas são extremamente inteligentes, com QI acima da média”, acrescenta a pesquisadora.
Diagnóstico e tratamento
Não existe um exame único e conclusivo que assevere a ocorrência do TDAH. Sendo um diagnóstico clínico, ferramentas auxiliares corroboram para o diagnóstico diferencial e a identificação do transtorno, como avaliação neuropsicológica, exames sensoriais, potencial evocado (P300) e exames de neuroimagem, além de eletroencefalograma (EEG).
“Tanto a psicologia como a medicina já divergiram muito no passado sobre o TDAH. Hoje, com os achados das neurociências, essa divergência está menor e tem-se buscado, cada vez mais, um trabalho integrado e interdisciplinar, tanto para o diagnóstico como para o tratamento” — Andréa Quesada, docente do curso de Psicologia da Unifor e PhD em Neurociências e Cognição
Nesse sentido, o diagnóstico deve ser feito de modo interdisciplinar, envolvendo diversos profissionais da área da saúde, entre neurologistas, psiquiatras, psicólogos e fonoaudiólogos. “Cada vez mais neurologistas e psiquiatras, antes de fecharem o diagnóstico de TDAH, têm encaminhado seus pacientes para avaliação neuropsicológica, ferramenta auxiliar importantíssima”, frisa Andréa.
Uma vez diagnosticado o transtorno, a indicação é de que o tratamento siga a visão biopsicossocial, ou seja, aconteça por meio de uma abordagem multidisciplinar que compreenda as dimensões biológica, psicológica e social do indivíduo.
O mais efetivo, segundo a literatura, é a combinação de medicamentos, psicoterapia e exercício físico. “Contudo, algumas pessoas, como as que têm problemas cardíacos, não podem fazer uso de medicamentos para TDAH, como o metilfenidato. Nesse caso, o tratamento deve ser feito com psicoterapia e exercício físico”, pontua a docente.
O transtorno e seus desafios
Quando crianças, pessoas com TDAH são frequentemente vítimas de estigmas e bullying. Na escola, a hiperatividade, a dificuldade de concentração e a baixa autoestima podem levar a notas baixas. Além disso, é comum que os pais recebam queixas dos professores quanto aos filhos “conversarem demais” e “atrapalharem as aulas”.
Notas baixas, bullying, dificuldade de concentração e impulsividade são alguns dos desafios enfrentados por crianças em idade escolar (Foto: Getty Images)
Durante toda a vida, os pacientes podem ter dificuldade de lidar com frustrações e controlar emoções, irritando-se facilmente. “Uns entram em hiperfoco, esquecendo-se de atividades básicas, como beber água e alimentar-se. Apresentam, também, dificuldades em manter relacionamentos, sejam de amizades ou amorosos”, observa Andréa.
A procrastinação de atividades e a tendência a vícios também são desafios presentes na vida de quem tem TDAH. Andréa aponta ainda risco de suicídio maior para quem apresenta o transtorno. “Isso reforça fortemente a necessidade de se realizar psicoeducação com a família para que os membros desse grupo possam auxiliar no tratamento”, enfatiza a psicóloga.
Combinação entre genes e ambiente
Após receber o diagnóstico dos filhos, alguns pais se submetem a avaliação e constatam a presença do transtorno em si próprios. Isso acontece porque o TDAH é um transtorno genético-ambiental — mais genético do que ambiental, com uma estimativa de 90%. Ou seja, a condição pode ser transmitida pelos genes, contudo, o ambiente tem papel relevante na manifestação, podendo até mesmo silenciar a condição.
Muitas pessoas descobrem o TDAH já na vida adulta (Foto: Getty Images)
Essa contribuição do ambiente na manifestação do TDAH tem levantado dúvidas sobre a possibilidade de o contexto moderno — repleto de estímulos visuais, excesso de informações e tecnologia — ser um fator gerador do transtorno. Andréa explica que há uma relação entre transtorno e ambiente, mas ela não pode ser entendida como a causa do TDAH.
“Uma sociedade hiperacelerada e marcada por incertezas e fatores estressantes não causará o TDAH, mas pode ser um fator de risco (gatilho) para a manifestação dessa condição”, analisa Andréa.
Viver bem é possível
Em busca de uma vida saudável, pessoas com TDAH devem procurar tratamento efetivo, que consiste na combinação de psicoterapia, exercício físico e medicamentos. Neurologistas e/ou psiquiatras devem avaliar caso a caso para verificar se há indicação ou restrições no uso de fármacos.
Atividades como meditar, ouvir músicas, tocar instrumentos e manter uma rotina também geram efetivos positivos (Foto: Getty Images)
Além disso, é importante estimular funções executivas e velocidade de processamento. Em outras palavras, o ritmo com que o cérebro recebe informações e as processa, seja por meio de estímulos visuais ou auditivos.
Andréa Quesada enumera dicas que facilitam o aprendizado e a vida no ambiente acadêmico para quem tem TDAH. Para estimular a aprendizagem do paciente, indica-se o uso de estímulos visuais, como lembretes, listas e agendas. Segundo a psicóloga, o indivíduo deve ter mais tempo para realizar avaliações.
Ela ressalta a importância de utilizar metodologias ativas, emoções positivas e associações com experiências de vida, bem como atividades pautadas nos interesses dos indivíduos. “A pessoa com TDAH precisa vivenciar, experienciar e aprofundar para aprender. A aprendizagem deve ser significativa”, destaca.