Você sabe o que é “Burnout”? Saiba mais sobre este “mal do século”

Em 2010, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han escreveu o livro “Sociedade do Cansaço”. Na obra, o autor discorre sobre a cobrança excessiva em busca de resultados e como, em uma época na qual os indivíduos poderiam trabalhar menos e ganhar mais, os seres humanos aceitam justamente o inverso, tudo em nome de uma “ideologia da positividade” presente na sociedade atual.

Essa ideologia tem como uma de suas consequências o aumento significativo de doenças neuronais, dentre elas o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), e também de síndromes, como a denominada “Burnout”. Essas enfermidades resultam do cansaço excessivo de indivíduos que vivem em função de uma exigência desenfreada de produtividade, desempenho e superação.  

O cenário pós-pandêmico provocou uma maior discussão acerca do burnout, mas é importante pontuar que a palavra é um termo recente para um mal antigo, que se intensificou na Era Digital. De origem inglesa e cunhada em 1974 por Herbert Freudenberger (1926-1999), um psicanalista alemão, a palavra burnout pode ser traduzida como “queimar-se por completo” ou “esgotamento”. 

A partir de janeiro de 2022, a Síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, passou a integrar a Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde como “fenômeno ocupacional”, sendo um resultado do estresse crônico no local de trabalho.

Como identificar

Patrícia Passos, psicóloga e professora-titular do curso de Psicologia, da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, explica que os sintomas de burnout envolvem esgotamento físico e psicológico, sentimento de despersonalização, de frieza em relação aos colegas de trabalho, além de sentimentos de inadequação às tarefas que o indivíduo desenvolve em sua ocupação. 

De acordo com a profissional, a Síndrome passa por uma evolução que pode ser, em muitos casos, silenciosa. Existem quatro estágios: o primeiro é caracterizado pela falta de vontade, de ânimo e de prazer de ir para o trabalho. Já no segundo, começam a se deteriorar os relacionamentos, e a pessoa pode ficar com uma sensação de estar sendo perseguida em seu ambiente profissional. 

O terceiro estágio é marcado pelo surgimento de doenças psicossomáticas, como hipertensão e alergias. “Nesse momento, a tendência é que o indivíduo comece a se automedicar e, em alguns casos, aumente a ingestão de bebidas alcoólicas. O estágio quatro é realmente o estágio de alcoolismo e drogadição, de ideação suicida, de acidentes cardiovasculares, etc”, pontua a docente. 

A psicóloga alerta que, ao atingir o terceiro estágio, o indivíduo deve se afastar de seu trabalho e buscar apoio psicoterápico. Em alguns casos, ele deverá até mesmo ser medicado e ter o acompanhamento de um psiquiatra. 

Sustentabilidade emocional

Com a mudança de categoria do burnout no CID-11, a Síndrome passou a ser relacionada diretamente ao ambiente de trabalho. Essa diferença é necessária, pois, ao ser encaixado como fenômeno ocupacional, as empresas e organizações passam a ser consideradas responsáveis pela saúde física e mental de seus colaboradores. 

No Brasil, uma pesquisa da International Stress Management Association (Isma-BR) calculou que 32% da população economicamente ativa sofria de sintomas de esgotamento profissional. Em um levantamento feito durante a pandemia, o número aumentou, e 44% dos participantes afirmaram que a Covid-19 e o período de isolamento foram agentes ativos no aumento das manifestações de burnout. 

Para que possa haver uma melhora nesse cenário, é fundamental debater sobre a sustentabilidade emocional dos trabalhadores. “Nessa promoção de ‘sustentabilidade emocional’, o profissional tem a parcela de responsabilidade dele, assim como seus gestores e a organização na qual está inserido, porque são vários os agentes estressores”, afirma a psicóloga.

Segundo Passos, algumas atitudes preventivas que as organizações devem adotar podem ser, por exemplo, relativas ao controle do excesso de trabalho e horas extras, assim como proporcionar tempo para que os funcionários realmente descansem. Além disso, oferecer plano de desenvolvimento de carreira e adequar o perfil da pessoa às atividades e funções que ela vai desenvolver também se torna necessário. 

Em relação ao próprio trabalhador, Patrícia frisa a importância de saber equilibrar trabalho e lazer: “É interessante desenvolver e investir no desenvolvimento pessoal. Isso implica ter hobbies, realizar alguma atividade física sistemática, fazer psicoterapia, yoga, meditação e cultivar a rede de apoio e relacionamentos, isso é fundamental. Para a gente se tornar sustentável, precisamos ter, minimamente, um bem-estar, para poder ter disposição para ir ao trabalho”, reforça a professora.

Uma sociedade marcada pela sobrecarga

Ainda que seja necessário aproveitar o tempo livre com atividades que se diferem do trabalho, a docente afirma que fazer um prognóstico em relação ao burnout é complicado, já que o contexto de trabalho atual é muito intensificado. Hoje, o mercado tem exigido profissionais polivalentes, mas, ao mesmo tempo, tem diminuído a quantidade de pessoas na equipe, o que aumenta a sobrecarga aos que ficam, devido a um acúmulo de funções. 

“Uma marca da contemporaneidade é a sobrecarga. Enquanto a gente tiver que conviver com essa sobrecarga de trabalho, com essa intensificação, com a precarização do trabalho, nós vamos estar desenvolvendo esgotamento. Byung-Chul Han diz uma coisa muito interessante: em nome, muitas vezes, de uma ilusória realização profissional, a gente está se auto explorando a ponto do adoecimento e a ponto, às vezes, da própria morte”, reflete a psicóloga. 

Para Patrícia, se a sociedade não repensar a sobrecarga e a forma de trabalho atual, o número de pessoas com esgotamento profissional vai ser cada vez maior. Assim, medidas preventivas e organizacionais com vistas à sustentabilidade emocional do trabalhador se tornam extremamente necessárias no cenário contemporâneo.