Francisco Gomes: restaurando histórias e preservando memórias
O Sou+Unifor continua uma série de perfis para contar um pouco da história de quem faz a Universidade de Fortaleza. Nesta edição, vamos conhecer mais detalhes da vida do encarregado de restauração da Vice-Reitoria de Extensão (VIREX), Francisco Gomes do Nascimento, conhecido como Gomes. Boa leitura!
PERFIL
Francisco Gomes do
Nascimento, 63 anos
Conhecido na Unifor como
“Gomes”.
Restaurador desde os 11 anos.
Encarregado de
restauração da Vice-Reitoria de Extensão (VIREX) e colaborador da
Unifor desde 1988.
Gomes nasceu em Ipueiras, cidade do
interior do Ceará, a cerca de 300 quilômetros da capital. Começou
sua jornada na encadernação, restauração e conservação aos 11 anos,
quando se mudou para Fortaleza. Desde então, tem se dedicado com
paixão a essa área.
“Cheguei em Fortaleza em 1973 para trabalhar numa encadernadora. Nesse tempo, uma criança de 11 anos já podia trabalhar. Então eu comecei a atuar na encadernadora Florencio, fazendo livros e capas de livros. Só nessa encadernadora eu trabalhei por 14 anos. Depois, fui para a tipografia Progresso, onde trabalhei com gravação a ouro, que é feita em capas de livros, e continuei na mesma linha de encadernação. Aí, em 1988, eu entrei na Unifor quando surgiu uma vaga de auxiliar de encadernação, com indicação do professor Francisco Roberto da Silva, da Gráfica Unifor, e da dona Nair Castro, da Divisão de Assuntos Financeiros”, conta Gomes.
Em seus 37 anos de trabalho para a Universidade de Fortaleza, o restaurador atuou em diversas áreas e colaborou com vários setores da instituição. Ele começou encadernando livros para a Biblioteca, que, em suas palavras, “estava muito carente na época, com obras danificadas e cobertas por fita adesiva”.
Durante esse período, Gomes teve a oportunidade de trabalhar com o professor Francisco Roberto e com a bibliotecária Leonilha Lessa, atual gerente da biblioteca. Após alguns anos, ele foi “emprestado” para colaborar com o então chanceler Airton Queiroz, filho de Edson Queiroz, na Reitoria, onde tratou de acervos importantes - como a coleção de Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977), fundador do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e criador da Bienal Internacional de São Paulo. Além disso, o restaurador também atuou e ainda atua no cuidado do acervo bibliográfico da escritora cearense Rachel de Queiroz, que está em exposição na Biblioteca Central da Unifor.
“Com o tempo, comecei a fazer restauração nos livros. Sempre fiz cursos pela Unifor para me aprimorar: em São Paulo, na Associação dos Restauradores; na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro; e nesse período que eu trabalhava ainda com o Francisco Roberto, da Gráfica Unifor”, explica o especialista.
Gomes durante o processo de restauração de página
Após sua passagem pela Biblioteca, Reitoria e Gráfica, Gomes atualmente restaura no Bloco W, onde lidera uma equipe de confiança composta por Jerlane de Souza Fontinele, Francisco Rogério de Sousa Guedes e Luis Gerônimo Pereira.
“A gente ficou esse período todo, até hoje, focado mais em restauração. Isso não quer dizer que a gente não faz demandas da Biblioteca, mas elas reduziram com o tempo. Tem uma frase que digo sempre para minha equipe: “é melhor conservar do que restaurar, porque a conservação é bem barata e a restauração é bem cara”, ressalta.
Apaixonado
O colaborador confessa que, desde muito jovem, é apaixonado por livros e tudo que os envolve. Todo esse processo, que pode parecer complexo para leigos — e de fato é — foi o que o trouxe para a capital e o que o mantém aqui após todos esses anos. Ele se dedica a explicar esse universo para aqueles que têm interesse em compreender o amplo mundo dos livros, especialmente em uma área que demanda cada vez mais especialistas:
“O processo de restauração de um livro consiste em, primeiro, o volume passar pela higienização, para retirar a sujidade, mofo e/ou fungo. Depois, analisamos a acidez. Às vezes o livro fica com tanta acidez que o papel se desmancha. Quando essa acidez pega toda a folha da obra é mais complicado, porque nós temos que começar o processo de laminação (técnica de acabamento gráfico necessário para proteger e aumentar a durabilidade do material impresso) e o de reafibração do papel (processo utilizado para restaurar ou melhorar as fibras de um papel, tornando-o mais resistente e adequado para reutilização)”, pontua.
O processo de reafibramento do papel utiliza materiais importados do Japão. “Realizamos esse processo quando o papel está danificado, se desmanchando ou apresentando muita acidez. Quando pego um papel que se desintegra, aplicamos um sistema de restauração. Além disso, também restauramos livros encadernados em couro.”
Ele destaca que o processo de restauração varia de acordo com o local e as preferências do restaurador. Na Unifor, por exemplo, quando um livro de couro está danificado, o restauro é realizado utilizando o próprio couro, preenchendo as áreas danificadas com raspas de couro misturadas a outros materiais que funcionam como uma espécie de cola.
Gomes substituindo uma folha do interior da capa
Nos 37 anos de trabalho na universidade, o especialista lidou com uma ampla gama de situações, desde livros com pequenos furos, folhas amassadas, até casos mais graves, em que uma obra havia perdido metade da capa. Ele explica que o tempo necessário para a restauração depende muito da gravidade do dano, podendo levar de uma semana a seis meses.
“Eu não posso completar uma capa danificada, a não ser que o dono da obra diga assim: “faz outro dourado aqui’ porque esse livro pode perder o seu valor. Nesse processo, você pode pegar em uma restauração que dura 30 dias ou mais ou uma restauração que vai ser rápida, porque o local é pequeno e não tem muito estrago na obra”, pontua.
Durante seus anos de experiência na profissão, Gomes aprendeu que, em muitos trabalhos, existe uma margem de erro. No entanto, no caso do restaurador, essa margem é praticamente inexistente. “O restaurador precisa ser o mais preciso possível”, enfatiza.
Arte
“Acho que já nasci com esse dom”, reflete Gomes sobre sua trajetória. No início de sua carreira, chegou a enfrentar algumas dúvidas, mas sempre teve a certeza de que alguém precisaria de seus serviços no futuro. Por isso, dedicou-se todos esses anos em aprender tudo o que era possível sobre sua área e a se especializar cada vez mais. Sua experiência o levou a lecionar sobre restauração, conservação e encadernação em diversas oficinas na Unifor, além de participar de rodas de conversa na Bienal do Livro de Fortaleza.
Além de restaurador, ele é um atleta dedicado, incorporando o exercício físico em sua rotina diária. Durante o horário de almoço, o funcionário aproveita para participar do programa Movimente-se e, ao longo da semana, frequenta a academia de dois a três dias. “Quando chego em casa, vou treinar e participo de corridas de rua”, conta ele.
Essa experiência despertou nele uma verdadeira paixão pelo esporte. Recentemente, ele comemorou uma conquista significativa, ao obter o segundo lugar (categoria Funcionários) na 30ª Corrida Unifor/2024. Gomes já fez outros pódios em corridas fora da capital cearense, como em Quixadá e Itaitinga.
Apesar de todos os amores em sua vida, os livros sempre ocuparam o primeiro lugar no coração de Gomes. Ele ressalta a importância de seu ateliê em casa, onde dedica seu tempo a essa paixão. “Quando não estou na Unifor ou treinando, estou no meu ateliê. Eu já nasci com isso; desde jovem, trabalhava com livros em casa”, conta.
Hoje, seu ateliê é um espaço vibrante de criatividade e dedicação, onde ele se ocupa com diversos projetos. “Não tenho folga. Quando tenho um tempo livre, é para trabalhar em meus projetos”, afirma. Essa dedicação aprimora suas habilidades e alimenta seu profundo amor pela restauração, permitindo que ele continue aprendendo e expandindo seu conhecimento a cada dia. Para Gomes, a restauração é mais que um processo; é um refúgio onde sua paixão se transforma em arte.
Texto: Clara Soeiro
Fotos: Duda Barroso