qui, 27 agosto 2020 16:02
Xilogravurista Francisco Delalmeida redesenha marca para a campanha Doe de Coração
Artista conta a história por trás da obra criada para a 18ª edição do movimento.
De riso fácil e alegria exuberante, o xilogravurista Francisco de Almeida emana de sua aura uma vivacidade marcante e acolhedora. As palavras vão surgindo de forma compassada ao explicar a construção de sua obra, criando uma narrativa envolvente que emociona e entretém até o mais apressado dos ouvintes. Para além de imagens, Delalmeida estampa histórias no relevo dos corações.
E é com essa personalidade e talento que o crateuense elaborou sua intervenção artística para a marca da campanha Doe de Coração em 2020. O movimento de conscientização sobre a doação de órgãos e tecidos é realizado anualmente pela Fundação Edson Queiroz e convidou Francisco para redesenhar o tradicional símbolo do coração que faz parte da campanha.
“Eu fiquei muito emocionado pelo convite fabuloso que recebi por conta que, há pouco tempo, minha esposa passou por um procedimento cirúrgico cardíaco. No hospital, conversando com os médicos ao longo de vários dias, fiquei mais perto da sensação do ato doar”, revela o xilogravurista.
“Só eu sei o tamanho que está dentro do meu peito, o meu coração. Eu faço a construção deles [trabalhos] com amor, mas esse tem outro significado. Sua importância eu vou carregar comigo para o resto da vida, foi muito emocionante.”
Francisco Delameida, xilogravurista.
Ao falar sobre seu processo criativo, o artista conta que por vários dias e noites ele ficou imaginando como seria o formato do coração. “Tinha várias ideias de projeto, mas cheguei e entreguei uma folha de papel em branco para que minha esposa rasgasse um coração com as mãos. Fiquei trabalhando tudo em segredo, ela não sabia de nada”, conta Francisco.
Seu redesenho da marca ‒ onde vemos um coração de vermelho suave que abriga um anjo dourado em seu centro e duas pombas brancas em cada lateral ‒ carrega inúmeros significados, mas tem uma mensagem central de que, segundo Francisco, “incentive mais pessoas a doarem de coração”.
Dentro da obra, pulsa uma história
Francisco conta que tem um amigo que recebeu doação: “Ele passou mais de 24 horas com o corpo aberto esperando um órgão e ganhou um de uma menina que havia falecido de maneira trágica. Mas o alimento que essa família [da garota] recebe é a de que ela continua viva dessa forma”. O artista explica que “ficava imaginando a beleza de alguém partir, mas deixar um órgão e ele ficar pulsante dentro do corpo do próximo”.
Além do amigo, o artista menciona que, durante cirurgia de cateterismo de sua esposa, Maria Eugênia, uma doação poderia ser requerida, mas não chegou a ser necessária. A espera pela cirurgia e recuperação de Maria trouxe ainda mais emoções para Delalmeida. Esperando sair do hospital com uma despesa de 68 mil a 100 mil reais, o xilogravurista disse que os gastos haviam “sumido” e que, quando encontraram a conta, ela já havia sido paga.
Segundo ele, “anjos” vieram de todos os lugares: “Trabalho em duas galerias, uma de Fortaleza e outra de São Paulo. Essas duas galerias, junto com um turma ‘danada’, mobilizaram tudo e pagaram a conta. Muitíssimo solidários”.
Delalmeida confessa ter ficado sensibilizado com a história durante a elaboração da marca, além de a ter elencado como sua peça mais especial. “Quando ela [obra] não comporta o prazer e a explosão da emoção, você não sente um contentar dentro da alma. Porém, essa obra, ela me entregou um conforto magnífico ao meu ser. O coração rasgado com os dedos, o coração da própria pessoa que estava rasgando o próprio coração dela”, externa ele.
Sobre o artista
Nascido em Crateús no ano de 1962, Francisco de Almeida é um xilogravurista cearense. Filho de mãe bordadeira e neto de avó rendeira, começou a desenhar desde cedo observando seu pai ourives. Mudou-se para Fortaleza aos 15 anos e estudou xilogravura com Sebastião de Paula, posteriormente frequentando cursos de pintura na Universidade Federal do Ceará e na Universidade de Fortaleza. Participou de exposições nacionais em Fortaleza, Sobral, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre; e outras internacionais na Argentina e na Espanha. No início de 2020, Delalmeida ganhou uma sala especial na 20ª Unifor Plástica, onde expôs não apenas obras conhecidas, mas também trabalhos exclusivos elaborados para a exposição.