seg, 24 abril 2023 09:20
Unifor 50 anos: A Fortaleza da década de 1970
A criação da Universidade de Fortaleza, em 21 de março de 1973, ajudou a popularizar a zona sudeste da capital cearense
Histórias que caminham lado a lado. Assim pode ser descrita a história da capital cearense e da sua Universidade, a Unifor. Para celebrar o aniversário da cidade (13 de abril), o Unifor Notícias Mobile (UNM) desta semana traça paralelos e apresenta a Fortaleza da década de 1970. Confira a seguir!
Aos 297 anos, Fortaleza passou por muitas mudanças desde que começou a se formar, lá em 1654, em torno do forte Nossa Senhora de Assunção, após os holandeses serem expulsos do território pelos portugueses. Com vista privilegiada para o mar, a “Terra da Luz” tornou-se vila em 1726, depois de uma disputa com o município de Aquiraz.
No entanto, Fortaleza viria a ser sede do Ceará apenas em 1923, após um lento e longo processo de expansão e crescimento econômico. A partir das décadas de 1930/40/50, em decorrência dos constantes êxodos rurais, a cidade viveria um boom populacional e a expansão das favelas.
Em seu livro “Fortaleza: uma breve história”, o escritor Airton de Farias relata mudanças que ocorreram para adequar a crescente urbanização: “A cidade, cada vez mais, consolidava-se não só como o grande centro urbano cearense, mas, também, como uma das principais metrópoles do Brasil. Em 1973, foi criada, oficialmente, a Região Metropolitana de Fortaleza para abrigar, nos arredores do município, a imensa população”.
Para se ter ideia dos números, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1950, Fortaleza apresentava 270 mil habitantes; em 1960, passou a ter 518 mil (um aumento de 90%); em 1970, 857 mil residentes (aumento de 63%).
Fortaleza Metrópole
Entre 1950 a 1970, o município já concentrava a sede do governo, os órgãos de justiça, repartições públicas federais, os grandes estabelecimentos comerciais, indústrias, agências bancárias, o principal porto, terminais ferroviários e estradas.
Porém, Fortaleza só tinha uma universidade. Inaugurada em 1955, a Universidade do Ceará, depois chamada de Universidade Federal do Ceará (UFC), era a única opção para quem queria ingressar no ensino superior. Isso representava um déficit educativo para toda uma região, uma vez que muitos cearenses precisavam sair do Estado para cursar uma graduação.
Foi para sanar a enorme carência educacional que Edson Queiroz fundou a Universidade de Fortaleza, em 1973, sendo a primeira instituição particular do Estado. A Universidade Estadual do Ceará (Uece) seria fundada quatro anos depois, em 1977.
A criação da Unifor marca o início da urbanização da zona sudeste de Fortaleza, região onde antes haviam salinas (Foto: Elian Machado/Reprodução: Fortaleza em Fotos)
Ao sair da zona mais central da cidade em direção à Unifor, as pessoas se deparavam com enormes salinas, local onde hoje fica o Shopping Iguatemi Bosque. Na época, só havia montes de sal, que refletiam por vezes a luz solar.
Segundo Lira Neto, na obra “Edson Queiroz: Uma Biografia”, depois da grande curva das salinas — na Avenida Washington Soares —, havia quase sempre pouco trânsito e o campus da Unifor. Lá, era possível ver plaquinhas afixadas nos postes de luz, onde os estudantes se aglomeravam ao fim das aulas. “Aceitamos caronas” e “Seu Zé, me leve”, pediam os estudantes.
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Economia e mudanças territoriais
Segundo Airton de Farias, os principais produtos exportados em Fortaleza na década de 1970 eram algodão em pluma, cera de carnaúba, óleos vegetais, couros e lagostas. A importação trazia produtos industrializados, máquinas, carros, tecidos, ferro, aço, carvão, chumbo, cimento e remédios. “Quanto mais Fortaleza crescia, mais atraía migrantes do interior cearense, que viam, na cidade, alternativas de sobrevivência e de uma vida melhor”.
Sob a gestão do prefeito Vicente Cavalcante Fialho (1971-75), foram iniciadas e inauguradas várias vias, como a Aguanambi, Leste-Oeste (Presidente Castelo Branco), Borges de Melo, Zezé Diogo e o Quarto Anel Viário — interligando os bairros de Parangaba, Boa Vista, Passaré, Castelão e Cajazeiras. Também houve a expansão da Avenida Antônio Sales, facilitando o acesso ao bairro Água Fria, onde encontrava-se a Unifor, e ajudando a popularizar a zona sudeste da cidade.
Já no mandato do governador Adauto Bezerra (1975-78), as condições de saneamento de algumas áreas da capital melhoraram com a construção do interceptor oceânico e emissário submarino, além da ampliação da rede de água e esgoto.
O Centro de Convenções do Ceará foi inaugurado em 1974, na antiga Avenida Perimetral (hoje Avenida Washington Soares, ao lado da Unifor), na gestão do então governador César Cals de Oliveira Filho (Foto: Arquivo Unifor)
No final dos anos 1970, na gestão de Lúcio Alcântara (1979-82) foram construídos os Polos de Lazer, a exemplo daqueles da Barra do Ceará, do Alagadiço e da Praia do Futuro. Ainda ocorreu a urbanização da Avenida Beira-Mar e a construção do Parque Ecológico do Cocó, logo após a desativação das salinas.
Outra grande mudança territorial do período foi a constituição do bairro Meireles. Dada a pequena oferta de terrenos com frente para o mar ou nas proximidades do Meireles e da Beira-Mar, os investidores passaram a migrar para a Praia do Futuro nessa mesma época.
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Moda e vestuário
Mas nem só de expansão e transformação territorial vivia a cidade. A moda local era influenciada pelo cenário internacional. Segundo o mestre em Moda, Cultura e Arte e professor do curso de Design de Moda da Unifor, Ricardo Bessa, a vestimenta era muito mais do que calças bocas de sino. Havia uma forte influência do movimento hippie no início da década, visto em roupas com estampas tye die, jeans desfiados, saias midi e vestidos max.
Já nas roupas masculinas, era possível ver camisas justas e estampas. “No fim da década vamos ter o movimento disco, cheio de vestidos envelope em jersey, brilhos, lantejoulas, tops e shorts. John Travolta marca a moda masculina com o filme ‘Os Embalos de Sábado à Noite’ (1977), em que ele vestia terno de três peças, com camisas de lapelas largas”, relembra.
No âmbito comercial ainda era possível ver influências internacionais, como a inauguração do primeiro shopping de Fortaleza: o Center Um. Entretanto, quem queria seguir as últimas modas na capital cearense, também podia visitar as boutiques: Bagatelle, Casulo e Modinha. É nessa época também que surge Adolfo Aguiar, grande nome na moda feminina, que depois teria sua Maison na Praça Portugal, conta Ricardo.
“No entanto, o centro de Fortaleza era o lugar mais frequentado para comprar roupas. Uma prática muito comum naquele tempo era comprar cortes de tecido nas lojas da praça do Ferreira, como as Lojas Armazéns do Sul e Esplanada, e copiar modelos de revistas nacionais, como Manequim ou Figurino. Ou internacionais trazidas de viagens, que eram feitos nas costureiras, muito populares nos bairros e nas famílias, profissão que hoje está em extinção. Uma modista famosa era dona Edméa Mendes, querida das elegantes da sociedade da época, além de Dona Eliane Macedo. Os homens mais finos faziam ternos com o italiano Domênico, com Osmundo Souza ou Francisco Girão Rabelo” — Ricardo Bessa, mestre em Moda, Cultura e Arte e professor do curso de Design de Moda da Unifor
Os estabelecimentos do centro eram frequentados por todas as classes. As Lojas Brasileiras (Lobras), Pernambucanas, Samasa, Mesbla e Romcy Magazine eram consideradas bastante populares porque vendiam roupas prontas, sem necessidade de contratar costureira.
Já para comprar calçados, havia a Casa Veneza, a Sapataria Belém, a Clark e a Esquisitinha. “Por fim, vimos nascer os talentos de moda autoral como Cacilda Vilela, que já discutia moda fora dos padrões e sustentabilidade, além de Cabeto, que para muitos foi o primeiro estilista de Fortaleza”, conta.
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Pessoal do Ceará
A década de 1970 também marca o destaque nacional da música cearense com o Pessoal do Ceará, termo pelo qual ficou conhecida uma série de jovens artistas locais, dando origem a um dos mais importantes movimentos da música contemporânea do Brasil. Participaram do movimento músicos como Amelinha, Belchior, Fagner, Fausto Nilo, Ednardo, Rodger Rogério e Téti.
Rodger Rogério, Téti e Ednardo em 1973 (Foto: Reprodução/Disconversa)
O marco deste movimento aconteceu em 1972, quando a gravadora Continental lançou o disco “Meu Corpo, Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem”, que introduziu novos compositores cearenses no mercado fonográfico.
“O nome do LP é uma frase do Augusto Pontes, nosso grande letrista, que foi secretário da cultura e um dos mentores do movimento Massafeira. Inclusive tem um livro chamado ‘1979 — O ano que ressignificou a MPB’, organizado pelo jornalista Célio Albuquerque, com vários artigos abordando álbuns lançados nesta década emblemática para a música brasileira”, destaca a cantora e compositora Mona Gadelha.
A música “Terral”, composição de Ednardo, está no álbum “Meu Corpo, Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem”
Mona explica que aquela década, pós-tropicalismo, estava absorvendo o rock britânico e estadunidense, gênero originário da música negra norte-americana. “O Brasil vivia esse momento prodigioso da música brasileira”, pontua.
Na contramão da boa safra musical havia a ditadura militar, censura e momentos difíceis vividos pelos artistas e intelectuais que buscavam resistir à repressão. Apesar da perseguição, os chamados “anos de chumbo” fomentaram um período musical riquíssimo para o Brasil com o surgimento de grandes nomes: Luiz Melodia, Secos e Molhados, Raul Seixas, os cearenses Ricardo Bezerra e Petrúcio Maia, por exemplo.
“A década de 1970 é um período deslumbrante da música nacional. Logo depois, o rock brasileiro se consolida e lança Rita Lee, que fez enorme sucesso com o disco “Fruto Proibido”, de 1975, um marco na história do rock do Brasil. Ou seja, os anos 1970 se configuram como um período de grande criatividade artística e produção musical inovadora, que nos apresenta novas experiências” — Mona Gadelha, cantora e compositora
O que foi notícia quando a Unifor nasceu?
No dia 21 de março de 1973, o ministro Jarbas Passarinho desembarcou no Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza. Às 16h daquela quarta-feira, ele proferiu a aula inaugural da Universidade de Fortaleza, após a benção das instalações pelo arcebispo da capital, Dom José Delgado. A solenidade contou com a presença do governador César Cals (1971-75) e dos senadores José Sarney e Virgílio Távora.
Edição do dia 21 de março de 1973, do jornal impresso O Povo, traz na primeira página a criação da Universidade de Fortaleza (Imagens: Arquivo O Povo)
“O fato mais importante do dia de hoje em nosso Estado —, sem dúvida, a inauguração dos cursos da Universidade de Fortaleza, idealizada e concentralizada pela Fundação Educacional Edson Queiroz. E a prova disto é que numerosas personalidades brasileiras, lideradas pelo Ministro da Educação, Sr. Jarbas Passarinho, aqui vieram para prestigiar o acontecimento, que adquire assim uma dimensão nacional”, exibia o editorial da terceira página do jornal.
O artigo continua: “O que se tem de reconhecer antes de mais nada é que o elevado número de inscritos no primeiro vestibular efetuado pela UNIFOR mostrou a existência de uma forte demanda. Mais de dois mil candidatos concorreram a esse vestibular, e 1.270 estarão presentes nos cursos que hoje se abrem”.
Naquele dia, também foi destaque o anúncio do pagamento das indenizações dos antigos proprietários das avenidas Leste-Oeste e José Bastos, removidos para que fossem construídas as novas vias de acesso da cidade. O jornal traz em letras garrafais o valor da indenização de “15 milhões de cruzeiros”.
Como marca da crescente expansão da cidade para readequação da população, também há como destaque os inícios dos trabalhos de construção de um canal, denominado de Jacarecanga, próximo à Escola de Aprendizes-Marinheiros do Ceará.
Com ares de ficção científica, o jornal também anunciou a chegada do grupo de oficiais e técnicos do Instituto de Pesquisas Espaciais, do Ministério da Aeronáutica e do Centro de Pesquisas Especiais, da França, para uma visita à Estação de Rastreamento de Satélites do Eusébio.
Unifor 50 anos
A Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, chegou aos 50 anos em 21 de março deste ano. Nesse meio século de existência, a instituição formou mais de 110 mil profissionais de excelência em todas as áreas do conhecimento, contribuindo não só para a formação técnica, mas também humana desses indivíduos.
Ao longo desse período, a Universidade tem acumulado várias experiências exitosas no ensino, na pesquisa e na extensão, com credibilidade e reconhecimento nacional e internacional; a Unifor é atualmente a melhor instituição particular de ensino superior das regiões Norte e Nordeste, segundo o ranking britânico Times Higher Education (THE).