ter, 13 setembro 2022 10:18
Entrevista Nota 10: Eliana Barbosa e o papel do diálogo no fortalecimento dos transplantes no Ceará
Coordenadora da Central de Transplantes do Estado do Ceará, a médica nefrologista fala sobre o cenário atual e a importância de conscientizar a população sobre a doação de órgãos e tecidos
A médica nefrologista Eliana Barbosa é coordenadora da Central de Transplantes do Estado do Ceará e mestre em Clínica Médica na área de nefrologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). No último dia 5 de setembro, ela palestrou na cerimônia de abertura da 20ª edição do movimento Doe de Coração, da Fundação Edson Queiroz (FEQ), na Universidade de Fortaleza.
Em 1999, Eliana assumiu a coordenadoria de transplantes da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Passaram-se mais de duas décadas e, nesse período, ela atravessou a crise da pandemia da Covid-19. Na gestão de cobertura estadual, precisou fortalecer, com transparência e segurança, o diálogo com profissionais, pacientes e unidades de saúde nas questões relacionadas à doação e ao transplante de órgãos e tecidos.
Em tempos de grandes desafios, essa conversa e o desempenho de iniciativas como a Doe de Coração tornaram possível manter as captações: Os transplantes não pararam e o setor segue otimista em um cenário de recuperação. Em termos de doadores efetivos por milhão da população entre os estados brasileiros, no primeiro semestre de 2022, o Ceará está na 3ª posição com uma taxa de 24,9 doadores efetivos. Bem acima da média nacional (15,4), segundo o Registro Brasileiro de Transplantes (RBT).
Em 2021, Eliana Barbosa foi uma das profissionais homenageadas na Doe de Coração. Nesta semana, ela fala à Entrevista Nota 10 sobre a importância dessa iniciativa da Fundação Edson Queiroz, a recuperação dos transplantes no Ceará e, especialmente, a conscientização das pessoas sobre a doação de órgãos e tecidos.
Confira na íntegra a seguir.
Entrevista Nota 10 – Seu interesse no setor de transplantes de órgãos e tecidos surgiu antes da residência em nefrologia. O que a incentivou a ingressar na área e dedicar-se à ela até hoje?
Eliana Barbosa – Além da sensibilidade para o sofrimento dos pacientes renais crônicos, que tive contato durante a minha graduação e foi intensificado durante as minhas duas residências – clínica médica e nefrologia –, vi a importância do transplante como melhor tratamento para muitos deles. Trata-se de uma área mágica e sedutora, que te leva para o mistério fascinante da vida, da morte, do ato de doar e receber, de ser doador e receptor. Durante toda essa minha trajetória, pude contar, e conto, com as experiências e o conhecimento de grandes mestres que me incentivam a dedicar mais e mais o meu trabalho nessa área. E não posso deixar de expressar que o contato com as famílias doadoras me transforma em um ser mais humano.
Entrevista Nota 10 – Nesses quase 30 anos atuando diretamente na saúde pública, qual conquista você considera a mais importante na área de transplantes de órgãos e tecidos?
Eliana Barbosa – O Ceará realizando quase todos os tipos de transplantes, não sendo necessário nenhum cearense se deslocar para outro Estado.
Entrevista Nota 10 – A pandemia de covid-19 trouxe inúmeros desafios, um deles foi o de manter a realização dos transplantes. Passado esse período mais crítico, como você avalia o atual cenário do nosso estado?
Eliana Barbosa – A pandemia da covid-19 só mostrou que o Sistema Estadual de Transplante do Ceará está consolidado, pois, mesmo no período mais crítico, conseguimos manter o programa de transplante ativo. O cenário atual é de recuperação, de forma mais significativa nas taxas de doação do que nas de transplante, com a perspectiva de retornarmos às taxas de doação e transplante próximas daquelas de 2019 (níveis pré-pandemia).
Entrevista Nota 10 – Das barreiras enfrentadas para a realização de transplantes de órgãos e tecidos, a recusa da família ainda é uma das principais?
Eliana Barbosa – No Brasil, e também no Ceará, uma das principais causas de não efetivação das doações de órgãos e tecidos é a negativa familiar elevada. É importante destacar que essa taxa se deve à desinformação sobre o processo de doação e transplante, mas principalmente pela falta de um acolhimento adequado e de uma comunicação qualificada no momento de dor e perda de um ente querido dessa família.
Entrevista Nota 10 – Quais são as outras causas para a não-concretização da doação de órgãos de potenciais doadores?
Eliana Barbosa – Temos ainda como desafios na doação, além de diminuir a negativa familiar, aumentar a taxa de identificação de pacientes em morte encefálica, diminuir a taxa de parada cardíaca antes e depois da autorização familiar e melhorar o aproveitamento dos órgãos doados.
Entrevista Nota 10 – Com a pandemia da covid-19, isso se agravou mais?
Eliana Barbosa – Com a pandemia, aumentou a taxa de contraindicação médica, pois o doador com RT-PCR [positivo] para Covid-19 era uma contraindicação absoluta.
Entrevista Nota 10 – Você avalia que as pessoas ainda sentem medo de declararem que são doadoras de órgãos de tecido? Por que?
Eliana Barbosa – A maioria das pessoas, quando questionadas sobre sua opinião a respeito da doação de órgãos, se manifesta favorável a doar tanto órgãos próprios quanto de familiares. Mas um percentual considerável dessas pessoas se nega a doar quando é chegado o momento da tomada de decisão. Certamente não há uma única razão, mas um dos fatores que mais influenciam é o fato de que a doação de órgãos e tecidos se dá, inevitavelmente, no pior momento da vida de uma pessoa: quando acaba de perder um ente querido. O impacto emocional que a morte produz e a irreversibilidade do fato dificultam o processamento e a assimilação de informações. Daí a importância de um grande esforço educacional em formar profissionais em comunicação em situações de crise.
Entrevista Nota 10 – Através da campanha Doe de Coração, a Fundação Edson Queiroz se dedica desde 2003 a mobilizar a sociedade sobre a importância de doar órgãos e tecidos. Na sua opinião, quais impactos o movimento tem gerado em prol dos transplantes no Ceará?
Eliana Barbosa – A campanha Doe de Coração resulta em muitos impactos: contribui para melhorar os índices de doação, otimizando o cenário dos transplantes de órgãos e tecidos e contribuindo para que, hoje, o Ceará seja referência nacional; quebra a barreira do preconceito e reduz a desinformação em grande parte da população; renasce a esperança nos pacientes que aguardam na fila por um transplante e também nos seus familiares.
Entrevista Nota 10 – Que mensagem você gostaria de deixar para as pessoas que ainda têm dúvidas para declararem-se doadoras de órgãos e tecidos?
Eliana Barbosa – Muitos desconhecem a triste realidade de milhares de pessoas que todos os anos contraem doenças, cujo único tratamento é um transplante e que, em função disso, ficam à espera de um doador que muitas vezes não aparece. O drama da espera também adoece um círculo grande de pessoas da família. O transplante é imprevisível e qualquer um de nós pode vir a precisar. Converse com sua família e amigos sobre seu desejo de ser doador e deixe claro que eles, seus familiares, devem autorizar a doação de órgãos. Incentive-os a fazerem o mesmo.