Beber e dirigir: uma escolha sem volta

 

Terça-Feira 05 de Fevereiro de 2019 15:26
Por Yasmim Rodrigues

Você já bebeu e dirigiu alguma vez nos últimos anos? De acordo com uma pesquisa realizada no Instituto Dr. José Frota (IJF), em Fortaleza, e publicada no último Relatório Anual de Segurança Viária (2017), 47% dos entrevistados, afirmaram já ter dirigido após ingerir bebida alcoólica. E quando a análise é entre as vítimas de acidentes de trânsito, 19,8% admitiram ter bebido antes do acidente, o que sugere a gravidade do problema. O resultado é bem próximo de um outro levantamento da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Governo Federal, que identificou que 24,3% dos motoristas em todo país reconhecem dirigir mesmo após ter consumido álcool.

“Acho que as pessoas acreditam muito na impunidade ou também que ingerir pequenas doses não trará problemas, porém, a lei é de tolerância zero” afirma o gerente de operação e fiscalização da Autarquia Municipal de Trânsito (AMC), Disraeli Brasil. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um condutor que desrespeita a lei com um copo de cerveja, por exemplo, tem três vezes mais chance de morrer em um acidente do que um condutor sóbrio.

Ainda de acordo com a OMS, na maioria das vezes, há um perfil comum entre os infratores que bebem e dirigem em todo o mundo: são homens entre 18 e 24 anos, de classe econômica menos favorecida, solteiros ou divorciados, com baixo nível de escolaridade e baixa auto-estima. Mas as infrações à lei são comuns também em outros grupos da sociedade - assim como as consequências.

Para combater o problema países como a Austrália, hoje referência no assunto, adotam desde os anos 1970 uma série de medidas para reduzir os acidentes causados por alcoolemia. Ao longo de 30 anos foram implementadas campanhas de conscientização e as leis foram endurecidas. O resultado foi uma redução de 50% nos acidentes, além da alteração da visão da sociedade sobre o ato de beber e dirigir - que hoje é considerado um comportamento “irresponsável”.

Impacto familiar

O álcool provoca sonolência, altera a visão e a audição, além de causar perda de reflexos e alteração da capacidade de raciocínio - por isso, o consumo dessa substância antes de conduzir é considerado um fator de risco que pode provocar graves acidentes, comuns em hospitais. “Fechei a pizzaria e acho que dormi[na moto], porque eu só lembro de ter entrado na rua.” conta o pizzaiolo Maurício Ferreira, de 23 anos. Ele conta que bebeu antes de pilotar a própria moto e logo depois bateu em um poste e quebrou o braço, fêmur e a clavícula. “Eu tinha dois empregos, nenhum dos dois me deu suporte… agora eu estou sem trabalhar e eu tenho um filho. Graças a Deus minha família está me ajudando”.

Maurício teve sorte. De acordo com um estudo realizado pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) o álcool, além de comprometer as capacidades cognitivas, também reduz as chances de sobrevivência. Quanto mais a pessoa tiver bebido, maior sua chance de morrer; um mesmo impacto causa mais ferimentos numa pessoa que ingeriu álcool, segundo a instituição.

Relatos do mesmo gênero são bem fartos no IJF, referência em traumatologia no Ceará. Na maca ao lado de Maurício, a diarista Rosângela Silveira acompanha o filho, Renan Silveira de 18 anos, que sofreu um acidente de moto após ter bebido. Com o impacto contra um poste ele quebrou o fêmur, além de exibir vários outros ferimentos: “Ligaram para a minha sobrinha, ela começou a chorar e eu fiquei desesperada. Faz 17 dias que ele está [internado] aqui”, conta a mãe do jovem. Ela também revelou que a renda da família ficou prejudicada depois do acidente, já que ela teve de parar de trabalhar para cuidar do filho.

Os acidentes de trânsito, geralmente, acarretam diversos tipos de traumas e consequências para as famílias, para além dos ferimentos - ou até da perda de um ente querido. “Às vezes é um pai ou um garoto de 17 ou 18 anos que fica acamado e com sequelas… a família, muitas vezes, não tem condições [financeiras] de dar uma assistência e fora a questão psicológica [o acidente] mexe com a família inteira”, explica Luciene Miranda de Andrade, coordenadora do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do IJF.

Consequências de beber e dirigir

Em 2008 foi implementada no Brasil pela primeira vez a popularmente chamada “Lei seca” que proíbe o consumo de álcool por motoristas e motociclistas. Mesmo com a proibição, muitos condutores acreditam que exista uma pequena tolerância na leitura do aparelho do bafômetro e arriscam beber e dirigir. É nesses casos que eles comprometem a própria segurança e das outras pessoas no trânsito. Mesmo em pequenas quantidades, o álcool é capaz de comprometer a capacidade psicomotora e a consciência dos motoristas.“Nenhuma quantidade de álcool no sangue é segura”, alerta o gerente de operações e fiscalização da AMC, Disraeli Brasil.

Entre as penalidades para quem infringir a lei neste caso está a multa no valor de R$ 2.934,70, a apreensão do veículo, a suspensão do direito de dirigir por um ano ou até a detenção de 3 meses a 6 anos.

Em 2018 a Prefeitura de Fortaleza lançou, com o apoio da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global e parceiros internacionais, a campanha educativa “Nunca Beba e Dirija”. O objetivo foi o de conscientizar condutores dos riscos envolvidos neste caso, e o de lembrar que a prevenção é a melhor forma de combater os acidentes de trânsito.

O Relatório Anual de Segurança Viária (2017), publicado pela Prefeitura de Fortaleza também mostra que apenas na capital cearense, em 2017, foram registrados 20.309 acidentes de trânsito e 256 perderam a vida em acidentes que poderiam ter sido evitados - sendo parte provocado pela associação entre o álcool e a direção. O número total de acidentes caiu 26% com relação ao ano anterior, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido para reverter esse drama.