Pesquisas apontam velocidade como principal causa de mortes no trânsito em todo o mundo
Por Yasmim Rodrigues
Ultrapassar o limite de velocidade permitido é apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das principais causas de acidentes do mundo. De acordo com o Relatório de Status Global de Segurança Viária da ONU de 2018, acidentes de trânsito são, hoje, a principal causa de morte de pessoas entre 5 e 29 anos e ainda, que cerca de 1,35 milhão de vidas são perdidas anualmente no trânsito mundial. Apesar de reconhecer a importância dos cuidados com a velocidade, o relatório aponta que não foi feito muito progresso na área. Mas um seleto grupo de cidades estão tomando medidas mudar essa dura realidade e readequar os limites de velocidade em suas vias. A partir de 2022 em países como o Reino Unido, por exemplo, todos os novos carros vendidos devem vir equipados com um dispositivo que impeça que os motoristas excedam o limite de velocidade seguindo as regras de segurança viária da União Europeia.
O limitador de velocidade, conhecido por ISA (Intelligence Speed Assistance), funciona por GPS e câmeras de reconhecimento de sinais que detectam o limite de velocidade do trecho que o veículo está percorrendo, emitindo um sinal para que o carro reduza a velocidade automaticamente. A expectativa é que em 15 anos, o uso do novo dispositivo poupe cerca de 25 mil vidas no trânsito.
Medidas semelhantes às tomadas na Europa são experimentadas em diversas partes do mundo. Em Fortaleza, no ano de 2018 foi implantada uma medida de readequação na Avenida Leste-Oeste, a qual era anteriormente conhecida por ser a avenida em que mais ocorriam acidentes na capital. A redução foi de 60 para 50km/h e, em apenas 6 meses, o número de chamados para acidentes com vítimas reduziu 84%.
Além disso, verificou-se que o número de motoristas que excediam a nova velocidade era apenas de 2%.“Fico feliz em ver ações aqui na cidade com essa preocupação. É fato que a fiscalização e a educação são importantes na redução dos acidentes de trânsito, é um modo de agir de forma preventiva e não depois que o acidente ocorre”, opina o cirurgião vascular do Instituto José Frota (IJF) Gustavo Colares. De acordo com ele, enquanto ainda não houver um nível de consciência satisfatório da população as questões punitivas tem um papel importante “Vejo com preocupação ideias como a retirada de fotossensores, se você não quer ser multado, siga as regras do trânsito”.
Consequências do excesso de Velocidade
De acordo com estudos realizados pelo órgão norte-americano Insurance Institute for Highway Safety nos últimos 20 anos, os aumentos de velocidade custaram cerca de 33 mil vidas em acidentes. Chegando a conclusão que a cada aumento de 8 km/h, cresce-se 4% o número de mortes, se o mesmo cálculo for aplicado apenas para rodovias o número sobe para 8%.
A importância de tamanho cuidado com a velocidade ideal das vias pode ser observada ao analisar-se o dia a dia de grandes hospitais como o IJF, no qual, em 2018, foram internadas 12.965 vítimas de acidentes de trânsito de todo o estado do Ceará. “Acidentes de trânsito são uma questão de saúde pública, a maioria dessas vítimas são pessoas jovens que poderiam estar produzindo, mas estão sendo amparadas pela sociedade”, afirma o cirurgião.
Entre as vítimas atendidas pelo IJF, parte advém de acidentes causados por excesso de velocidade. “Eu estava indo pro trabalho de manhã, já tinha costume de ir a 80 ou 100 km/h. Estava subindo a serra e na curva, não vi que tinha alguém descendo e bati na lateral” o relato é de J.Q, 27 anos, que quebrou três costelas e teve uma fratura exposta na perna. “Se tivesse sido de frente, eu não estaria nem aqui hoje” desabafa. De acordo com a vítima, diversos acidentes já ocorreram na mesma curva, “Lá morre muita gente, dois dias depois do meu teve outro acidente, dessa vez fatal”.
As lesões mais comuns em pacientes acidentados por excesso de velocidade são fraturas de extremidades, com destaque para a fratura tibial, fraturas de bacia e traumatismos cranioencefálicos. Além disso, os médicos chamam atenção para o impacto que os acidentes de trânsito causam não só nos pacientes mas também em suas famílias e na sociedade em geral, “Imagine um paciente aqui meses com uma fratura… não é só ele que vai ficar afetado, toda a rede familiar está comprometida, a questão social de um acidentado de trânsito repercute na sua família e na sociedade, porque ele deixa de ser produtivo” explica Gustavo Colares.
O problema se estende também para os meses que sucedem o momento do acidente, “Após a alta são pacientes que não retornam plenamente para suas casas e nem para suas atividades, a gente vê uma legião de pacientes que ficam em acompanhamento após a alta. Na realidade, não é só o ponto do acidente em si e da primeira resolução, isso é uma coisa que perdura por anos… muitas vezes, a capacidade de retornar a uma vida normal, não só de trabalho, mas também de convívio normal com a família, como poder prover sua família e ter lazer com eles, tudo isso são coisas que, de certa forma, são retirada deles”, alerta a médica hematologista do IJF, Beatriz Pitombeira.
Ainda de acordo com os médicos, medidas que reduzam a velocidade são eficazes, pois com elas é possível não só evitar, como também mitigar a gravidade dos acidentes. “Você reduz a gravidade porque a força cinética que você está jogando no corpo do paciente diminui porque a velocidade é menor, você reduz a distância de frenagem do carro e a chance de evitar o acidente acaba sendo maior”, conclui o cirurgião. Estudos da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Organização Mundial da Saúde (OMS) e do New York City Department Of Transportation apontam que quando um pedestre é atropelado a 60km/h a chance de ser fatal é de 98% enquanto se o acidente ocorrer a 40km/h essa porcentagem cai para 35%. Em resumo, uma redução de apenas 5% na velocidade média pode significar 30% menos acidentes fatais. Por conta de dados como esses, reduzir pela metade o número de veículos dirigindo acima do limite de velocidade é o sexto item do pacote de metas definidas pela ONU para melhorar a segurança viária mundial e deve ser atingido até 2030.