CSE Informa | Reprodutibilidade técnica e autoria: os limites da produção individual com o uso da IA
seg, 7 julho 2025 17:08
CSE Informa | Reprodutibilidade técnica e autoria: os limites da produção individual com o uso da IA
Entenda o debate sobre a utilização de inteligência artificial e sua influência no processo produtivo acadêmico e artístico

Por: Aliria Aiara Duarte
Conselho Superior de Editoração (CSE)
Os debates sobre o uso da inteligência artificial (IA) estão cada vez mais frequentes. Com isso, o uso de novas tecnologias na sociedade e, consequentemente, no modo de vermos e lidarmos com o mundo também mudam. De fato, a IA facilita e acelera muitos processos, como elencar e selecionar informações, responder questões lógicas, resumir, traduzir etc. A lista das possibilidades de tarefas é longa.
No entanto, qual o limite desse uso como ferramenta de apoio à produção autoral? A autoria, seja ela da área que for, é um assunto sensível, pois envolve ego, inspirações, estudos, processos criativos e o próprio caos. Criar algo é um processo árduo, tanto de desenvolvimento do produto quanto de transformação daquele que o realiza.
O assunto sobre a reprodutibilidade técnica foi um dos assuntos abordados pelo filósofo alemão Walter Benjamin. A partir de uma reflexão sobre a experiência da modernidade e da análise da obra de arte desenvolvida a partir da reprodutibilidade técnica, Benjamin abordou o uso da criação da fotografia, que também assustou as pessoas do século XIX, como invenção revolucionária.
Muitos achavam que a fotografia iria substituir o desenho, a pintura e os artistas como um todo. No entanto, o que aconteceu foi uma popularização da arte, com a produção de imagens em um tempo menor e o acesso e obtenção dessa arte por outras classes sociais que não apenas a alta sociedade.
Reprodutibilidade técnica da fotografia na modernidade Vs. Uso de IA
Mesmo que a fotografia tenha amedrontado as pessoas de sua época, a 8ª arte não pode acontecer sem o fator humano. O olhar daquele que fotografa é mais importante para a criação do que o próprio aparelho em si — sem desmerecer as evoluções tecnológicas. Por isso que o fotógrafo também ganhou merecidamente a alcunha de artista.
É pelos olhos do artista/autor que é possível criar um cenário ou momento únicos para uma fotografia capaz de expressar diversas emoções. A melhor câmera na mão de um amador pode não resultar na melhor foto. Não se trata apenas do objeto da câmera, mas do olhar por trás dela.
Obra “A Menina Afegã”, disponível no Museu da Fotografia de Fortaleza (Foto: Steve McCurry)
Um exemplo disso é o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, que registrou verdadeiras obras de arte em situações que muitos não seriam capazes de ver. Observar a beleza no cotidiano, na rotina, ou fazer um registro do trabalho árduo como uma linguagem política: para ambas situações, é necessário um conhecimento de mundo que vai além de catalogação e modificação de imagens a partir de um banco de imagens. É necessário sensibilidade.
No âmbito do uso da inteligência artificial, ela deve sim nos auxiliar em nossas produções, mas nunca ser uma substituta na autoria. O poder criativo é humano, e a ordem para a IA parte de um desejo nosso. Desse modo a autoria deve ser nossa.
Algum tempo atrás, viralizou nas redes sociais o uso de inteligência artificial na produção de diversas ilustrações no “estilo Studio Ghibli”. De fato, a IA consegue facilmente copiar — mas não criar — uma imagem a partir desse estilo. No entanto, essas produções não têm a mesma representatividade e importância que uma obra verdadeira de Hayao Miyazaki, um dos artistas por trás do estúdio de animação japonês.
Isso ocorre porque sua obra é mundialmente conhecida por ser feita à mão, em um processo de animação que exige tempo, cuidado e dedicação. Sua importância está, dentre outros aspectos, na produção artesanal feita por seres humanos, e não por uma máquina. Trata-se de uma construção narrativa de anos, que lhe conferiu a fama merecida.
O filme “A Viagem de Chihiro”, dirigido por Hayao Miyazaki, ganhou o Oscar de Melhor Animação em 2003 (Imagem: Studio Ghibli)
E qual o lugar do uso de IA na autoria acadêmica?
A ética na produção deve ser clara, com materiais, processos e resultados originais exemplificados pelo autor. Não há como a IA produzir nada, pois ela trabalha a partir de um banco de dados, com imagens e informações fornecidas por nós, humanos. A ela não se pode pedir responsabilidade de criação de nada, trata-se de uma ferramenta para facilitar a vida e os trabalhos de quem produz e pesquisa.
Desse modo, ao invés de pedir uma “falsa criação” de algo, podemos sabiamente utilizá-la ao nosso favor. Mas como? Aqui vão alguns exemplos:
- Para produções acadêmicas: utilize-a para fazer resumos de artigos, fichamentos de partes importantes do texto, exemplificação dos problemas de escrita (onde estão os pontos fracos), sumarização, explicação de conceitos segundo a produção de determinado autor.
- Para produções nas artes: utilize-a para explicações sobre sombra e luz, círculo cromático, comparação entre correntes artísticas, como impressionismo e expressionismo, por exemplo.
- Para produções na fotografia: utilize-a para exemplificar as melhores composições e enquadramentos.
- Para produções no campo das exatas: utilize-a para produção de contas, equações, quantificações etc.
O uso da inteligência artificial é um fato consolidado e representa um caminho sem volta. Cabe a nós saber como utilizá-la da melhor forma possível, sem, no entanto, abrirmos mão da satisfação que vem da autoria de algo verdadeiramente nosso.