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Ter, 26 Março 2024 16:07

Pesquisa Unifor: Estudo analisa rotinas sustentáveis no local de trabalho

 Pesquisadoras avaliaram a rotina de 30 trabalhadores de uma indústria siderúrgica brasileira


Estudo foi publicado na importante revista internacional ‘’Sustainability’’ (Ilustração: Getty Images)
Estudo foi publicado na importante revista internacional ‘’Sustainability’’ (Ilustração: Getty Images)

Desenvolver rotinas sustentáveis no local de trabalho ainda é um desafio significativo para as empresas, devido aos custos potencialmente elevados e à falta de conhecimento aprofundado sobre o tema. No entanto, os benefícios são notáveis: melhoria na reputação organizacional e aumento tangível na produtividade dos funcionários, entre muitos outros.

Diante desse cenário, Márcia Frezza, docente do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, e Karen White, professora da faculdade canadense Vanier College, produziram o artigo “Promovendo rotinas sustentáveis ​​no local de trabalho: O modelo de interdependência de identidade e prática”. 

O objetivo do estudo é avaliar como as interações dinâmicas entre os elementos das práticas (tais como materiais, competências e significados) e os princípios fundamentais da construção de identidade (incluindo autoestima, autoeficácia, distintividade e continuidade) podem afetar as rotinas relacionadas à sustentabilidade no ambiente de trabalho investigado pelas pesquisadoras.

“A pesquisa oferece uma abordagem mais abrangente para entender esse tipo de mudança, incorporando tanto aspectos sócio-práticos quanto individuais. Isso pode ajudar a facilitar as mudanças que tanto precisamos para combater a crise climática”, enfatiza Karen.

Assim, o estudo parte do pressuposto de que as práticas sociais, que envolvem como as pessoas conduzem suas rotinas e adotam comportamentos, são resultado da interação complexa entre fatores sócio-materiais e humanos. Fatores sócio-materiais são elementos que possuem natureza social e material ao mesmo tempo, englobando objetos, tecnologia e aspectos culturais e econômicos.


De modo geral, as empresas já são bastante proficientes no fornecimento de elementos práticos para a promoção de rotinas consideradas desejáveis. As sugestões do nosso estudo se concentraram nas formas como os princípios de identidade contribuem e como a interação destes com os elementos das práticas podem impactar, facilitar e promover o engajamento dos colaboradores com rotinas mais sustentáveis” – Marcia Frezza, pesquisadora e professora da Unifor

Metodologia 

Para obter resultados relevantes, as pesquisadoras contaram com a participação de mais de 30 colaboradores de uma empresa siderúrgica brasileira. Os participantes foram selecionados de forma a abranger uma variedade de fatores, incluindo diferentes períodos de vínculo empregatício na organização, diversas posições hierárquicas e uma gama de funções, englobando áreas como gestão, planejamento, administração, operações e trabalho de escritório.

Além das análises documentais feitas nos materiais disponíveis no site da empresa e das observações diretas realizadas no local de trabalho, a pesquisa também incluiu três grupos focais. Para analisar os dados coletados, adotou-se a metodologia da Análise Temática Reflexiva Dedutiva. A fim de categorizá-los e organizá-los de maneira eficiente, foi utilizado o software Atlas.ti.

Para compreender e identificar os fatores sócio-materiais, o estudo se baseou em teorias sociológicas, particularmente nas Teorias de Práticas Sociais (TPS). Adicionalmente, para explorar aspectos psicológicos, recorreu à Teoria do Processo de Identidade (TPI). Essa abordagem multidisciplinar permitiu uma análise mais abrangente e aprofundada dos elementos que influenciam as rotinas sustentáveis no local de trabalho.

A primeira teoria destaca que toda prática social é composta por elementos materiais, significados e competências indispensáveis para sua construção e execução. Enquanto isso, a segunda descreve a identidade como um processo dinâmico e contínuo de construção e alteração, resultado da interação entre o indivíduo e o contexto social. Nessa complexa relação, a pessoa constantemente constrói e modifica sua identidade.

Assim, foi elaborado o frameworkModelo de Interdependência de Identidade e Prática (IPIM)”, que integra os dois conceitos. Isso permite uma análise e avaliação mais abrangentes das interações entre os fatores humanos, como a construção da identidade, e os aspectos sócio-materiais, tais como os elementos das práticas sociais, que estão envolvidos na promoção de mudanças ou na manutenção de rotinas desejáveis, especialmente as sustentáveis.

Resultados 

Após aplicar a metodologia e analisar as informações coletadas, foi possível concluir que o IPIM propõe que os elementos da prática e os princípios de construção de identidade dos indivíduos influenciam as rotinas do local de trabalho, seja de forma direta ou por meio de sua interação.

Os dados obtidos revelaram também que as percepções dos funcionários sobre a sinceridade, autenticidade e/ou consistência das ações da empresa – muitas vezes comunicadas por meio dos elementos práticos – podem influenciar os princípios de construção da identidade. Isso contribui para facilitar ou dificultar o engajamento dos funcionários na adoção das novas rotinas desejadas.

A existência de canais de comunicação abertos entre gestores e trabalhadores proporciona oportunidades para que os funcionários alcancem satisfação na autoeficácia e autoestima, por meio do reconhecimento de suas contribuições e do valor que agregam à empresa, o que, por sua vez, pode incentivar suas iniciativas.

Esse reconhecimento se mostra ainda mais eficaz quando a organização disponibiliza os equipamentos, conhecimentos e/ou treinamentos necessários para que as sugestões dos colaboradores sejam devidamente integradas às rotinas de trabalho. Além disso, quando essas sugestões são divulgadas para toda a equipe de trabalho, promove-se um ambiente de transparência e valorização mútua.

No entanto, Karen White comenta sobre as dificuldades que a implementação de novas práticas pode gerar: “sabemos que implementar rotinas mais sustentáveis geralmente requer a aquisição de novos equipamentos, aprendizado de processos diferentes, entre outros aspectos. No entanto, às vezes isso não funciona muito bem; há resistência. As pessoas preferem continuar fazendo como sempre fizeram, ou não gostam das novas rotinas, então não estão realmente engajadas nas mudanças”.

Ainda que exista certa resistência por parte dos colaboradores, afetando os resultados esperados, o estudo indicou que as mudanças podem criar tanto ameaças quanto oportunidades para o engajamento dos funcionários. Ao enfrentar a insatisfação com sua identidade profissional, os colaboradores podem se envolver em estratégias que promovam a aceitação e aprimorem as rotinas sustentáveis. 

“Fornecendo de modo estratégico os elementos das práticas, as companhias criam contextos favoráveis para os colaboradores se envolverem na manutenção de rotinas sustentáveis, na adaptação de rotinas que não estão satisfatoriamente sustentáveis, ou na criação de novas rotinas”, destaca Marcia Frezza. 

Publicação Internacional  

O estudo, dada sua relevância para a sociedade contemporânea ao abordar um tema alinhado com as mudanças sociais em curso, foi publicado em janeiro de 2024 na prestigiada revista internacional "Sustainability". O periódico possui um fator de impacto de 3.9 e um CiteScore de 5.8, destacando-se como referência no campo da sustentabilidade, o que enfatiza a importância do trabalho de Marcia e Karen.

O principal objetivo da publicação é incentivar os pesquisadores a compartilharem suas investigações experimentais, computacionais e teóricas em uma ampla gama de disciplinas, incluindo ciências naturais e aplicadas, engenharia, economia, ciências sociais e humanidades.