Entrevista Nota 10 | Wei Luo e o uso da tecnologia na prevenção a deslizamentos de terra

seg, 6 outubro 2025 18:59

Entrevista Nota 10 | Wei Luo e o uso da tecnologia na prevenção a deslizamentos de terra

Cientista e geógrafo chinês esteve na Unifor para ministrar palestra sobre os avanços da aplicação de um algoritmo inovador em definição de bacias hidrográficas e mapeamento de áreas de risco


Mestre em Sistemas de Informação Geográfica e PhD em Ciências da Terra e Planetárias, Wei Luo é membro da equipe de pesquisa que estuda o Invasion Percolation Based Algorithm (Foto: Ares Soares)
Mestre em Sistemas de Informação Geográfica e PhD em Ciências da Terra e Planetárias, Wei Luo é membro da equipe de pesquisa que estuda o Invasion Percolation Based Algorithm (Foto: Ares Soares)

A crise climática tem se agravado e já produz efeitos cada vez mais severos em todo o mundo. Secas intensas e enchentes históricas — como as registradas no Rio Grande do Sul em 2024 — tornam-se mais frequentes, e casos de chuva torrencial acabam elevando o risco de deslizamentos de terra, o que aumenta a insegurança habitacional em zonas urbanas, especialmente em áreas próximas a encostas.

Além das medidas focadas em soluções sociais e ambientais, a tecnologia se destaca como uma grande aliada na mitigação desses efeitos. Um exemplo disso é o Invasion Percolation Based Algorithm (IPBA), um algoritmo inovador para a definição de bacias hidrográficas que tem sido utilizado para otimizar o mapeamento de áreas suscetíveis a deslizamentos.

“Ser capaz de prever e mapear esses eventos (com certa probabilidade) nos ajudará muito a nos preparar para eles e, assim, reduzir o impacto negativo sobre a sociedade humana. Os órgãos governamentais podem usar esses resultados de simulações e de mapeamento para educar o público geral sobre os possíveis riscos e amenizá-los”, explica o cientista e geógrafo chinês Wei Luo.

Professor do Departamento da Terra, Atmosfera e Meio Ambiente da Northern Illinois University (NIU), ele faz parte do time de pesquisadores que desenvolvem estudos com o IPBA. O modelo foi criado a partir dos trabalhos de Ernerson Oliveira, professor do Núcleo de Ciências de Dados e Inteligência Artificial (NCDIA) da Universidade de Fortaleza (Unifor).

No dia 1º de outubro, Wei Luo esteve no campus da Unifor para conhecer a instituição, fortalecer os laços de colaboração científica e ministrar uma palestra sobre os avanços da aplicação do algoritmo.

Mestre em Sistemas de Informação Geográfica e PhD em Ciências da Terra e Planetárias, ele desenvolve pesquisas interdisciplinares, com foco na geomorfologia terrestre e marciana. O cientista coordena projetos financiados pela NASA e esta é a sua primeira visita à América do Sul, o que torna sua palestra ainda mais especial.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, Wei Luo fala sobre o IPBA, a colaboração científica com a Unifor, a importância da geovisualização e a palestra que ministrou no campus da Universidade.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Qual o papel da representação visual de dados geográficos para a compreensão e divulgação de informações relevantes tanto para o público técnico e acadêmico quanto para a população em geral? Como isso afeta o cotidiano e o funcionamento da sociedade hoje?

Wei Luo — A representação visual desempenha um papel importante na compreensão dos problemas de pesquisa e na comunicação dos resultados. Existe um ditado que diz que uma imagem vale mais que mil palavras. A representação visual ajuda a enxergar melhor os problemas e a encontrar melhores soluções. Isso é verdade para vários ramos da ciência, incluindo a geografia física (fisiografia) e a geografia humana. Existe uma subárea da geografia chamada geovisualização, que se dedica em visualizar informações geoespaciais.

Isso também é importante para comunicar as informações ao público em geral e ajuda a sociedade a tomar decisões conscientes. Por exemplo, se o governo quiser implementar uma determinada política pública, a revisualização pode ajudar o público a ver o impacto da política e tomar decisões conscientes sobre apoiar ou não a política por meio do voto. Aqui está um exemplo de uma ilustração premiada sobre a acessibilidade à saúde em Illinois, criada por um dos meus alunos.

Entrevista Nota 10 — Um dos principais problemas urbanos que tem se agravado com a crise climática são os deslizamentos de terra, especialmente os ocorridos em regiões com alta densidade habitacional. Como o mapeamento de áreas de risco pode ajudar a evitar tragédias e orientar ações governamentais de prevenção a esse fenômeno? 

Wei Luo — Estamos enfrentando eventos climáticos mais extremos (como tornados e furacões) e desastres naturais associados (como inundações e deslizamentos de terra) nos últimos anos devido às mudanças climáticas. Historicamente, muitos deslizamentos de terra são provocados por chuvas intensas. As projeções climáticas mostram que podemos esperar chuvas mais extremas nas próximas décadas. Portanto, podemos esperar mais deslizamentos de terra associados a elas.

Ser capaz de prever e mapear esses eventos (com certa probabilidade) nos ajudará muito a nos preparar para eles e, assim, reduzir o impacto negativo sobre a sociedade humana. Os órgãos governamentais podem usar esses resultados de projeções e de mapeamentos para educar o público geral sobre os possíveis riscos e amenizá-los.

Entrevista Nota 10 — A tecnologia tem trazido soluções para facilitar e otimizar processos também no campo da geovisualização, como é o caso do Invasion Percolation Based Algorithm (IPBA). Poderia explicar brevemente como funciona essa novidade e de que maneira ela impacta no mapeamento de deslizamentos de terra? 

Wei Luo — O IPBA foi originalmente desenvolvido na física estatística para simular o fluxo de fluidos em meios porosos e foi adaptado para delinear bacias hidrográficas com base em dados topográficos. Esse algoritmo dispensa parâmetros, é robusto e rápido. Nós o adaptamos ainda mais para delinear bacias hidrográficas em Marte e unidades de declive na Terra. As unidades de declive são formadas por linhas de cumes e vales na paisagem natural e são usadas para o mapeamento da suscetibilidade a deslizamentos de terra.

O IPBA pode extrair com mais precisão os limites das unidades de declive que são consistentes com as linhas de cumes e vales do que os métodos tradicionais, aprimorando assim o mapeamento da suscetibilidade a deslizamentos de terra.

Entrevista Nota 10 — Após testar a aplicação do IBPA em relevos de lugares como Taiwan, Itália e até do planeta Marte, que aprendizados poderiam ser adaptados ao nosso contexto de clima tropical e encostas urbanas densas? Como os estudos em solo brasileiro podem promover novas descobertas no uso dessa tecnologia?

Wei Luo — Adaptamos o IPBA para delinear bacias hidrográficas em Marte e extraímos alguns parâmetros morfométricos que podem indicar o clima no Marte primitivo e descobrimos que esses parâmetros são semelhantes aos das zonas áridas da Terra. Isso sugere que o clima inicial de Marte era árido ou com apenas períodos episódicos curtos de chuva. 

Para o trabalho com unidades de declive, estamos atualmente focados em automatizar o processo de delimitação e garantir a precisão dos limites (ou seja, garantir que eles sigam as linhas reais das cristas e vales topográficos). Ainda não começamos realmente a modelagem da suscetibilidade a deslizamentos, mas esperamos que nosso resultado melhore significativamente a modelagem da suscetibilidade.

Isso é muito importante para áreas propensas a riscos de deslizamentos (por exemplo, áreas montanhosas e áreas urbanas populosas sujeitas a chuvas intensas). Com uma modelagem mais precisa da suscetibilidade a deslizamentos, podemos saber quais áreas serão mais propensas a deslizamentos provocados por chuvas e, assim, nos preparar melhor para eles e reduzir seus impactos negativos.

Entrevista Nota 10 — O IPBA surge de uma série de estudos do professor cearense Ernerson Oliveira junto a um diverso time de pesquisadores, que conta com você como membro internacional. Como surgiu essa colaboração entre vocês? Poderia contar um pouco sobre os trabalhos desenvolvidos a partir dessa parceria com a Unifor?

Wei Luo — A colaboração começou há quatro anos, quando eu estava procurando um método para delinear melhor os limites das bacias hidrográficas em Marte. Encontrei o artigo do professor Ernerson Oliveira e entrei em contato com ele. E assim começou nossa colaboração. Ela resultou em dois artigos publicados e um atualmente em revisão. Estamos trabalhando no quarto. É uma ótima colaboração e trabalho em equipe. Meu conhecimento na área do problema de pesquisa e o conhecimento teórico em física estatística e algoritmos computacionais dos professores Ernerson Oliveira e Rilder Pires funcionam muito bem juntos para resolver os problemas que enfrentamos. Gostei bastante da colaboração.

Entrevista Nota 10 — Na última quarta-feira, você esteve no campus da Unifor para ministrar uma palestra sobre  os avanços da aplicação do IPBA. Qual a importância de momentos como esse para expandir o conhecimento para a comunidade acadêmica acadêmica e fortalecer a colaboração científica com a Universidade de Fortaleza?

Wei Luo — Antes desta visita, temos nos reunido online para discutir ideias de pesquisa e resolver problemas, mas reuniões remotas não são a mesma coisa que trabalhar juntos pessoalmente. Nos últimos dias, tivemos muitas discussões e surgiram ótimas ideias novas sobre como prosseguir com nossa pesquisa. Acredito que elas levarão a ótimos resultados, e estou muito animado com elas.

Gosto muito da Unifor. Visitei o escritório internacional e alguns dos centros de pesquisa e tecnologia. As colaborações entre a indústria e a comunidade acadêmica estão trazendo resultados incríveis (como o capacete Elmo desenvolvido durante a Covid). Eu gosto do lindo campus e da atmosfera acadêmica. 

Durante a apresentação, gostei da interação com o público estudantil. Eles fizeram perguntas muito boas e nos inspiraram a pensar mais profundamente e aprofundar nossa pesquisa.

O financiamento da Fundação Edson Queiroz tornou minha jornada possível. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer o apoio deles.