seg, 30 junho 2025 17:18
Pesquisa Unifor: estudo viabiliza medicamento à base de cacto para o tratamento de feridas na pele
Desenvolvida pelo farmacêutico Igor Gomes, o trabalho formulou um gel creme de toque seco capaz de agir de forma cicatrizante para feridas cutâneas

Doenças autoimunes, como dermatites e psoríase, podem causar sérias lesões e alta desidratação na pele, sendo vermelhidão, coceira, bolhas e úlceras algumas das reações adversas. Isso ocorre quando o sistema imunológico funciona de forma incorreta, considerando os próprios tecidos do organismo como elementos estranhos e produzindo células imunológicas, que vigiam e atacam determinadas células ou tecidos do organismo.
Pensando nesse quadro, a Universidade de Fortaleza (Unifor), instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz, impulsiona estudos que buscam trazer qualidade de vida para pessoas que sofrem com condições dermatológicas. Um exemplo disso é a pesquisa “Desenvolvimento de gel creme de toque seco com ação hidratante, anti-inflamatória e cicatrizante para feridas cutâneas”.
Desenvolvida no Laboratório de Prospecção de Fármacos e Desenvolvimento de Medicamentos da Unifor, a pesquisa utiliza uma espécie de cacto muito presente no semiárido nordestino, a palma forrageira (Nopalea cochenillifera). Extratos da planta servem como um novo produto farmacêutico de uso tópico, apresentando leveza e sofisticação ao aplicar na pele. O produto “enxuga” bem ao realizar o cisalhamento em lesões ou pele desidratada.
À frente do trabalho, o farmacêutico e pesquisador Igor Gomes conta que o principal objetivo do projeto é não só beneficiar a população acometida por doenças autoimunes, mas também qualquer tipo de feridas, queimaduras e entre outras condições dermatológicas. Ele acrescenta que a palma forrageira é comumente utilizada como alimento para o gado na estiagem por apresentar alta concentração de água, proteína e fibra.
“Esse estudo traz a possibilidade de um tratamento mais acessível, com um menor custo, [maior] segurança e efetividade. Além disso, vai potencializar o cuidado farmacêutico que muitas pessoas necessitam.” — Igor Gomes, farmacêutico e pesquisador
Além de Igor, que é egresso do curso de Farmácia da Unifor, o projeto teve a participação e orientação de Renato Moreira, Angelo Roncalli e Ana Cristina Moreira, todos docentes da mesma graduação. Houve ainda a ajuda de Fabiana Pereira, também professora do curso, que auxiliou a equipe com os testes fitoquímicos.
Como a pesquisa foi desenvolvida?
A pesquisa foi produzida durante toda a graduação de Igor, que contou com uma bolsa de iniciação científica concedida pela Unifor. “Isso foi o que me motivou ainda mais. E com toda certeza, esse apoio financeiro foi valioso para um garoto vindo do interior cheio de sonhos a realizar e concluir sua graduação”, comenta o pesquisador.
Ele ressalta que foram três anos de dedicação ao projeto até aprimorar a formulação e que, inclusive, foi seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na Universidade de Fortaleza. O farmacêutico explica que o grupo de pesquisa já trabalha há anos na linha de bioativos naturais com potencial cicatrizante, e que estudar novas substâncias requer muita leitura, base científica e, principalmente, o poder do conhecimento popular.
Igor comenta que a palma forrageira possui em seu interior uma fração mucilaginosa — fibra solúvel que pode formar uma espécie de gel em contato com água — muito parecida com a mucilagem da babosa e que possui evidências com relação a cicatrização. Embora a planta fosse pouco explorada na área biomédica, sendo seu uso maior na pecuária, essa foi a ocasião perfeita de estudar a composição química da fração.
No extrato vegetal, foi descoberta a presença de flavonoides, aos quais se atribui a ação anti-inflamatória, e também a confirmação da presença de uma pectina, relacionada à cicatrização, por meio de infravermelho. Após o reconhecimento da substância, os pesquisadores desenharam a formulação de uso tópico com êxito.
O gel creme para tratar feridas cutâneas desenvolvido pela equipe de Igor Gomes teve o pedido de patente depositado no Conselho Regional de Farmácia do Ceará (Foto: Getty Images)
Importância e benefícios para a sociedade
Segundo Igor, além de possibilitar uma nova terapia farmacológica, frisando segurança e eficácia na utilização em doenças dermatológicas, a pesquisa colabora com o impacto regional, pois a matéria-prima vem da região Nordeste. Isso pode impactar significativamente na vida de muitos agricultores ao se pensar na produção dessa tecnologia em escala industrial.
O estudo químico foi aprofundado para que houvesse a identificação de substâncias importantes na fração mucilaginosa da palma, o que justifica o seu uso em feridas. “Precisamos apresentar o produto a farmacêuticas, de modo que contribuam com a realização de testes necessários em seres humanos, para a regulamentação do produto através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária”, explica o farmacêutico.
Ele acredita que um dos maiores benefícios dessa pesquisa vai além do produto em si: ela representa um modelo de inovação que nasce dentro da Universidade, mas com os olhos voltados para a realidade social e clínica do país.
“Desenvolver uma tecnologia farmacêutica segura, eficaz e acessível, a partir de uma planta típica do semiárido, mostra que é possível fazer ciência com identidade, com propósito e com impacto regional real”, declara Igor.
Unifor e o fomento a pesquisa
O pesquisador afirma que esse projeto trouxe o ensinamento de que a universidade não é só um espaço de formação, mas de transformação. Foi dentro da Unifor que ele teve acesso à orientação científica, à infraestrutura e ao estímulo necessário para tirar uma ideia do papel e transformar em uma proposta concreta de inovação em saúde.
Essa vivência despertou no pesquisador um projeto de vida: seguir contribuindo com a pesquisa científica, com o desenvolvimento de tecnologias farmacêuticas e com a valorização dos ativos regionais. Ele acredita no papel estratégico da Universidade de Fortaleza como ponte entre o saber acadêmico e as necessidades reais da população, especialmente em áreas como a saúde pública, a biotecnologia e o uso racional de recursos naturais.
“Se queremos um Brasil com autonomia científica, precisamos olhar para o que nasce nas universidades do Nordeste, para os projetos que têm a cara do nosso povo e a força do nosso território. Estou muito aberto a colaborar com instituições que compartilham essa visão, como já venho fazendo com dedicação e propósito”, conclui.