Doe de Coração: sabia que seu cadastro pode salvar vidas?

seg, 1 setembro 2025 10:24

Doe de Coração: sabia que seu cadastro pode salvar vidas?

Neste ano, a campanha Doe de Coração, promovida pela Fundação Edson Queiroz, abraça o tema da doação de medula óssea e, mais uma vez, conscientiza sobre a importância de fortalecer uma corrente de solidariedade que salva e transforma vidas por meio da doação de órgãos e tecidos


A jornalista Marina Alves, egressa da Unifor, recebeu um transplante de medula óssea após descobrir compatibilidade com uma irmã que não sabia que tinha (Foto: Ares Soares)
A jornalista Marina Alves, egressa da Unifor, recebeu um transplante de medula óssea após descobrir compatibilidade com uma irmã que não sabia que tinha (Foto: Ares Soares)

Era junho de 2018. André Tôrres vivia seu melhor momento profissional na área de vendas quando começou a sentir uma febre persistente e dores de cabeça. Para ele, perder um dia de trabalho significava prejuízo, então ficou protelando, controlando sintomas e trabalhando. Já fazia mais de dez dias que ele percebia esses sinais quando decidiu, enfim, ir ao hospital.

“Confesso que eu imaginava que era uma virose que estava persistente”, conta. O médico pediu alguns exames de sangue e decidiu interná-lo. “O médico clínico não quis se responsabilizar tanto em dar detalhes, ele só disse que muito possivelmente eu tinha doença no sangue e que o ideal era me internar para que os exames fossem feitos de forma mais rápida, que era um quadro que talvez fosse já um estado grave”, diz. Quando uma médica hematologista avaliou os exames e o paciente, veio o diagnóstico: leucemia.

André duvidou. “Na hora, eu disse que não tinha, porque fiquei assustado, e foi a primeira coisa que eu aprendi: a notícia ruim também, infelizmente, pode bater na sua porta”, lembra. Ele precisaria de um transplante de medula, mas seus dois irmãos fizeram o teste e não foram compatíveis.

“E aí, quando não se encontra um doador na família, vai-se buscar um doador voluntário no banco de dados de doadores de medula óssea aqui no Brasil, conhecido como o REDOME [Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea]. Foi aí que começou a minha mudança de chave durante o tratamento”, diz André.

Ele sentiu que a saída era virar protagonista do próprio tratamento. “Imagina saber que as chances de encontrar um doador de medula aqui no Brasil é de 1 para cada 100 mil cadastros. Isso tudo era um choque”, admite. A família dele sabia que não poderia ficar esperando e iniciou, com a ajuda de amigos, uma grande corrente de solidariedade em busca de um doador compatível.

Nas redes sociais, familiares e amigos contavam a história de André em busca de um doador de medula. Ele ganhava forças junto à ajuda que vinha da sua rede de apoio. A comemoração do primeiro ano do filho Davi aconteceu no hospital, e André sabia que precisava lutar e perseverar para vê-lo crescer.

A esposa dele, então, passou a participar de campanhas de doação de sangue. Um dia, despretensiosamente, colocou a placa “Caçador de Medula” próxima ao filho. A imagem da criança viralizou, e eles aproveitaram para disseminar mais informações sobre o transplante de medula, animando as pessoas a se converterem em doadoras.

Há seis anos, André conseguiu fazer o seu transplante graças a uma doadora dos Estados Unidos, mas nunca abandonou a corrente de solidariedade que salvou sua vida. Na internet, criou a página Caçadores de Medula, que tem 25,7 mil seguidores no Instagram e propaga que “a jornada contra o câncer pode ser leve”. Estimular a doação de órgãos e tecidos virou um propósito de vida para ele.

“O que nasceu inicialmente por uma causa pessoal, para aumentar o número de cadastros e, consequentemente, as minhas chances, também estava dando chance para outros pacientes”, afirma André. Ele diz ter entendido que a dor deveria virar algo maior que o tratamento do câncer. “É impossível hoje separar o André dos Caçadores de Medula e da causa da doação de órgãos e tecidos”, acrescenta.

Ele aproveita a visibilidade que conquistou com sua história para levar esperança para muitos pacientes e familiares. “Os pacientes que estão nesse processo, o que conforta mais eles é conhecer outras pessoas que já passaram pelo que estão passando e [que agora] estão super bem. Sei que tem essa responsabilidade, eu sei que tem essa importância”, declara.

André celebra o fato da 23ª edição da Doe de Coração, realizada pela Fundação Edson Queiroz — mantenedora da Universidade de Fortaleza (Unifor) —, abraçar a missão de conscientizar a comunidade acadêmica e a sociedade sobre a importância da doação de medula óssea. “É sensacional. Eu acho que é muito oportuno”, diz. Isso porque a doação de medula pode ser feita em vida e mais de uma vez.

Para o ex-paciente de leucemia, é preciso desmistificar a doação de medula e levar informação para fortalecer a corrente de doação e solidariedade. Ele explica que, quem quiser ser doador, deve ir a um hemocentro para coleta de sangue. A partir daí, é feito um estudo genético e o potencial doador é cadastrado no banco de dados. Se houver alguém compatível, é feita a convocação para efetivar a doação.


“É sensacional que a campanha Doe de Coração levante a bandeira da doação de medula neste ano. Tenho certeza de que vai impactar muita gente e que muitos pacientes serão beneficiados. O impacto disso tudo não pode ser diferente: esperança”André Tôrres, transplantado de medula óssea e embaixador da Doe de Coração 2025

André, que é um dos embaixadores da Doe de Coração em 2025, salienta que doar é um ato de amor e generosidade. “É você transformar a bênção que cai na sua vida, que é a sua saúde, você transbordar para outras pessoas”, diz.

Transformar conhecimento em ação

Neste ano, a campanha Doe de Coração amplia o olhar para o cadastro de doadores de medula óssea, sem deixar de reforçar a importância da doação de órgãos e tecidos.

“A doação de medula ainda é cercada de desconhecimento e mitos, e o objetivo deste ano é informar, desmistificar o processo e incentivar que mais pessoas se cadastrem como doadoras. Ao mesmo tempo, reforçamos a importância da doação de órgãos e tecidos, mostrando que cada gesto de solidariedade pode salvar vidas e transformar histórias”, explica Daniela Monteiro, que coordena o curso de Biomedicina da Unifor e a campanha deste ano.

Daniela conta que, como biomédica e pesquisadora, sempre valorizou a educação em saúde e a conscientização sobre a importância da doação de órgãos, tecidos e medula óssea. “Embora eu não atue diretamente com transplantes, participar de campanhas como a Doe de Coração permite transformar conhecimento em ação e ajuda a formar nossos jovens de forma consciente sobre a importância da doação, estimulando-os a se engajar em atividades de solidariedade e a sensibilizar a sociedade sobre uma causa que salva vidas”, afirma.

Ela diz que liderar a campanha Doe de Coração é uma experiência profundamente transformadora. “Ver os alunos e professores envolvidos e a população tocada por cada atividade renova nosso compromisso com a educação, a saúde e o futuro. É uma honra coordenar uma iniciativa que une ciência, empatia e solidariedade”, declara.

A docente destaca que a campanha busca trazer informação e estimular a doação de órgãos e tecidos. Os alunos da Unifor também são estimulados a se engajar e a transmitir conhecimento, assim como diversas ligas acadêmicas vestem a camisa do projeto, enriquecendo ainda mais esse momento de conscientização.


“A campanha Doe de Coração é uma oportunidade de acesso à informação de qualidade, acolhimento e conscientização. Por meio de ações claras e acessíveis, mostramos que todos podem ser instrumentos de esperança. Cada novo cadastro de medula óssea e cada conversa sobre doação de órgãos representa uma semente de mudança plantada em nossa sociedade”Daniela Monteiro, coordenadora da campanha Doe de Coração 2025

Daniela ressalta que a campanha Doe de Coração já sensibilizou milhares de pessoas, contribuiu para o aumento de doadores e reforçou a importância da educação em saúde.

“Desde sua primeira edição, em 2003, a campanha vem mobilizando a sociedade cearense anualmente, promovendo conscientização, solidariedade e ações concretas que salvam vidas”, afirma. A docente convida todos a se engajar nessa causa. “A ciência salva vidas — e, quando aliada à empatia, salva ainda mais. Doe medula, doe vida, doe de coração!”, encoraja.

Um cadastro que pode salvar vidas

No Estado, o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce) é o órgão responsável pelo cadastro e coleta de medula óssea, bem como pela realização dos testes laboratoriais para a seleção de potenciais doadores.

“A campanha Doe de Coração tem uma relevância fundamental para estimular a doação de medula e conscientizar a sociedade sobre a importância da doação, porque à medida que você leva informação para a população, você reduz os mitos existentes em relação a esse tema e engaja a sociedade para essa causa”, afirma a diretora-geral do Hemoce, Luany Mesquita, que também é  médica hematologista e hemoterapeuta. 

Ela diz que a parceria entre o Hemoce e a campanha Doe de Coração já acontece há anos, mas em razão do tema de 2025 ter como foco a doação de medula óssea, a participação do órgão vai extrapolar a divulgação pelas redes sociais e site para incluir palestras educativas e a presença de uma unidade móvel no campus da Unifor para cadastro de doadores e doação de sangue.

Luany explica que, para realizar o cadastro como possível doador de medula óssea, basta:

  • ter entre 18 e 35 anos,
  • nunca ter tido câncer,
  • portar um documento oficial com foto.

Isso pode ser feito em um dos postos do Hemoce, sejam os postos fixos na Avenida José Bastos ou na Praça das Flores, ou alguma unidade itinerante como a que estará na Unifor na segunda quinzena do mês de setembro.

Após o cadastro, será coletada uma amostra de 5 ml de sangue para a realização da tipagem genética e a inclusão dessas informações no sistema do REDOME, que é o Registro Nacional de Doadores de Medula. Ao encontrar um paciente compatível, essa pessoa será contactada para que seja feita uma análise se a doação é segura tanto para ela quanto para o paciente.

“Por isso, é fundamental que as pessoas que já se cadastraram mantenham seus dados de contato atualizados. Isso pode ser feito no próprio aplicativo do REDOME ou buscando o Hemoce”, explica Luany.


“Esperamos que a campanha Doe de Coração, ao engajar a sociedade e fortalecer as informações sobre esse tema, realmente consiga aumentar o cadastro de medula. Quanto mais pessoas cadastradas, maior a chance de um paciente encontrar alguém compatível e ter a possibilidade de realizar o seu transplante, que em várias doenças é o único tratamento curativo.”Luany Mesquita, diretora-geral do Hemoce

Contar a própria experiência e incentivar novos doadores

Doar órgãos, tecidos e medula é um ato de amor que pode salvar vidas. Graças à solidariedade de uma irmã que a jornalista Marina Alves não sabia que tinha, ela fez um transplante de medula que lhe deu uma nova vida.

Era agosto de 2021 quando Marina passou mal no trabalho. Depois de muitos exames, recebeu um diagnóstico duro: linfoma linfoblástico de células T, um tipo de câncer agressivo que já estava infiltrado no sistema nervoso central. A jornalista iniciou imediatamente as sessões de quimioterapia intravenosa e intratecal. “Depois de três meses de tratamento, recebi a notícia que precisaria de um transplante de medula óssea”, lembra.

As palavras do médico dizendo que ela precisaria encontrar um doador vieram com angústia. “O fato de ser filha única também me preocupou muito. Mas não desanimei. No leito do hospital, iniciei uma campanha pelas redes sociais e contei com a ajuda de muita gente”, relembra.

A mãe de Marina, por exemplo, viajou por vários municípios do Ceará com o Hemoce, cadastrando possíveis doadores no REDOME. “Fizemos um belo trabalho. Tenho muito orgulho disso. Até hoje recebo mensagens de pessoas que entraram no banco durante a minha campanha e foram contatadas para doar. Isso não tem preço”, conta.

Mesmo com toda a mobilização, nenhum doador compatível apareceu para Marina. Mas depois de três meses de procura, a jornalista descobriu uma irmã por parte de pai que era 50% compatível e salvou sua vida. Ela fez o transplante em abril de 2022.

“Depois de passar por tudo isso, sempre  levanto a bandeira da doação, seja de órgãos sólidos, sangue, plaquetas ou medula óssea. Ainda tenho algumas limitações do pós-transplante, mas faço questão de contribuir para campanhas como a Doe de Coração”, afirma Marina, que gosta de conversar com as pessoas e contar a sua experiência. “Percebo que isso inspira e encoraja quem passou ou está passando por um tratamento difícil”, diz.


“A campanha Doe de Coração é importante, necessária e salva vidas. Percebi, durante a minha busca por um doador, que muita gente desconhece o processo de doação. Uma campanha como essa é essencial para esclarecer e ressaltar a importância que um gesto simples pode ter na vida de alguém. A chance de encontrar alguém compatível é de 1 para 100 mil. Então, cada cadastro é muito valioso.”Marina Alves, transplantada de medula óssea e embaixadora da Doe de Coração 2025

Marina, que é egressa do curso de Jornalismo da Unifor, diz que doar é um ato de amor que salva não só um paciente, mas uma família inteira. “E para quem espera o ‘SIM’ de alguém, nunca deixe de acreditar porque milagres existem. Eu sou prova disso!”, encoraja.

Uma nova marca para sensibilizar

Há mais de duas décadas, profissionais de saúde, pessoas que passaram por transplantes e artistas se engajam na campanha Doe de Coração. Desde 2017, a arte da campanha é remodelada anualmente para convidar a sociedade a se informar mais sobre o assunto e conscientizar sobre a importância da doação. Em 2025, Wilson Neto foi o artista responsável por repensar a marca. 

Ele afirma que a participação na campanha é uma oportunidade singular de ver sua obra inserida em um contexto de forte relevância social. “A recriação da marca da campanha a partir de uma de minhas pinturas implicou um exercício de ressignificação gráfica e simbólica, em que símbolos recorrentes da minha mais recente produção — como a representação fragmentada do corpo e a tensão entre o orgânico e o gráfico — foram integrados à campanha da doação de órgãos com uma coerente visão pessoal”, afirma.

Ao longo de sua trajetória, Wilson Neto tem buscado uma visualidade que remeta simultaneamente à anatomia, à semiótica universal e à memória gráfica coletiva. “Ver essa linguagem ser incorporada a uma ação de impacto público reforça não apenas uma das funções da arte, que é dialogar, mas também sua capacidade de contribuir com narrativas de empatia e solidariedade”, acredita.

O artista conta que recebeu o convite com entusiasmo, sobretudo por ter acompanhado edições anteriores em que colegas da cena artística local contribuíram com a identidade da campanha.

“Para mim, participar desse projeto é uma forma significativa de unir minha arte a uma causa tão importante quanto a sensibilização para a doação de  órgãos. Quando me chamaram, senti que era também a oportunidade de ativar minha forma multicamadas de trabalhar — com colagens, bordados, fragmentos de tecido e elementos visuais — dentro de um contexto que pode salvar vidas”, declara.

Wilson explica que propôs, na arte deste ano, uma identidade visual que dialogasse com a profundidade e a emoção da doação. Para isso, utilizou camadas de texturas e formas pictóricas que remetem ao transplante como gesto simbólico de continuidade, transformação e esperança. 

“Esse gesto se aproxima do que venho desenvolvendo na série ‘Comentários’ (2023–presente), em que construo uma cartografia visual de signos e fragmentos cotidianos reorganizados como enigmas lúdicos. Assim como nessa série, quis que a marca da campanha [Doe de Coração] fosse visualmente orgânica, sensível e impactante, abrindo espaço para múltiplas interpretações”, revela.


“A doação de órgãos e tecidos é mais do que um ato médico — é um movimento de amor e continuidade. Acredito que a arte pode ajudar a tocar corações e transformar olhares, justamente porque lida com símbolos abertos, com a possibilidade de múltiplas leituras. Assim como no jogo poético que proponho em minhas pinturas, doar é também um gesto que suspende regras e recria sentidos.”Wilson Neto, artista responsável pela arte da campanha Doe de Coração 2025

Wilson Neto destaca que, quando abrimos espaço para doar, damos vida a quem precisa. “Espero que esta identidade visual ajude a lembrar que doar é, acima de tudo, um ato de humanidade compartilhada”, finaliza.

Conheça as principais ações da campanha Doe de Coração 2025

  • Jornada Científica Doe de Coração: Ciência, Solidariedade e Esperança, nos dias 15 e 16 de setembro.
  • Gravações de podcasts sobre transplante de coração, pulmão, fígado e rim.
  • Participação da Biblioteca da Unifor com o clube do livro, comentando a obra “A guardiã da minha irmã”, da autora Jodi Picoult, com mediação da psicóloga Raquel Moura.
  • Sessões de filmes de conscientização na Videoteca da Unifor, às terças, quartas e sextas, às 10h e 16h, durante todo o mês de setembro.
  • Carreta do Hemoce no campus da Unifor, de 19 a 30 de setembro, das 9h às 20h, para doação de sangue e cadastro de doadores de medula óssea.
  • Ação na Praça das Flores, em 20 de setembro (Dia Internacional do Doador de Medula Óssea), com a participação de todos os 13 cursos do Centro de Ciências da Saúde da Unifor, levando atividades educativas à população.

Serviço

Lançamento da 23ª edição da campanha Doe de Coração
Data: 2 de setembro de 2025
Horário: 9h
Local: Biblioteca Central da Universidade de Fortaleza