Pesquisa Unifor: Estudo inovador com biomoléculas vegetais propõe novo tratamento para feridas diabéticas
seg, 5 maio 2025 13:59
Pesquisa Unifor: Estudo inovador com biomoléculas vegetais propõe novo tratamento para feridas diabéticas
Desenvolvida no Núcleo de Biologia Experimental, a pesquisa procura desenvolver um medicamento à base de compostos naturais para o tratamento de feridas em pacientes diabéticos

No Brasil, estima-se que 43.726 indivíduos com diabetes desenvolvem feridas diabéticas, especialmente úlceras nos pés. Essas lesões ocorrem devido a complicações ocasionadas por danos nos nervos e má circulação sanguínea, resultando em uma difícil cicatrização. Além disso, a circulação deficiente impede o fornecimento adequado de oxigênio e nutrientes às células, aumentando o risco de infecções.
Diante desse problema, a Universidade de Fortaleza (Unifor), mantida pela Fundação Edson Queiroz, foca em estudos científicos na área da saúde que possam desenvolver soluções para pacientes que sofrem com diabetes. Produzida no Núcleo de Biologia Experimental (Nubex), a pesquisa “Biomoléculas da natureza: A nova fronteira no tratamento de feridas diabéticas” é um desses exemplos.
A investigação tem como foco os polissacarídeos vegetais, substância presente em plantas que exercem funções estruturais e farmacológicas relevantes no processo de cicatrização desses machucados. A diretora do Nubex, Cristina Moreira, o docente do curso de Farmácia, Angelo Roncalli, e o pesquisador do Nubex, Felipe Sousa, são os responsáveis pelo trabalho.
Segundo Cristina, a pesquisa tem como principal objetivo enfrentar um desafio de grande relevância médica e social: a dificuldade de cicatrização em feridas complexas, sobretudo aquelas associadas ao diabetes, que frequentemente resultam em lesões crônicas, infecções recorrentes e, em casos graves, risco de amputação.
“Além disso, o grupo [de pesquisadores] estende sua atuação a outros contextos de difícil reparação tecidual, como lesões decorrentes de queimaduras extensas e osteorradionecrose – uma complicação grave que afeta pacientes submetidos à radioterapia para cânceres na região de cabeça e pescoço”, ressalta.
O professor Ângelo diz que, devido à complexidade dessas lesões, atualmente não existe um produto totalmente eficaz para o tratamento de feridas em pacientes diabéticos. Os produtos disponíveis no mercado hoje atuam, em sua maioria, de forma paliativa, buscando minimizar os impactos das complicações associadas, sem promover diretamente a regeneração tecidual.
Ele conta que existem substâncias presentes nas plantas capazes de atuar como arcabouço para um novo produto ou como substância ativa com potencial terapêutico. “O nosso objetivo é desenvolver uma solução inovadora e eficaz, transformando esses compostos naturais em um um medicamento capaz de ser aplicado diretamente sobre a ferida, promovendo e acelerando o processo cicatricial”, declara o pesquisador.
“Em 2023, aproximadamente 28 amputações por dia foram realizadas no Brasil em decorrência de complicações na cicatrização de feridas de membros inferiores em pacientes diabéticos. O desenvolvimento deste produto proporcionará um impacto direto não só aos pacientes, mas a toda estrutura relacionada à prevenção e ao tratamento destas complicações, reduzindo os gastos públicos e o percentual de invalidez provocado por estas complicações” — Ângelo Roncalli, mestre e doutor em Ciências Farmacêuticas e docente do curso de Farmácia da Unifor
Como o novo tratamento pode transformar a vida dos pacientes diabéticos?
Este novo tratamento tem o potencial de transformar a rotina do paciente diabético, pois acelera a cicatrização, minimiza o risco de complicações e reduz o tempo de internação hospitalar e os custos de saúde pública.
Para a professora Cristina, que é mestre e doutora em Bioquímica, os tratamentos desenvolvidos a partir de biomoléculas vegetais extraídas de plantas regionais trazem uma nova perspectiva ao utilizarem ingredientes biocompatíveis, naturais e sustentáveis.
“Esses materiais favorecem uma cicatrização mais rápida, ordenada e eficaz, integrando-se melhor ao tecido humano. Com isso, há uma aceleração do fechamento das lesões, diminuição do tempo de exposição a agentes infecciosos e redução da necessidade de intervenções cirúrgicas invasivas”, comenta a professora.
Feridas em pacientes com diabetes costumam ter uma cicatrização difícil, o que pode resultar em lesões crônicas, infecções recorrentes e, em casos graves, risco de amputação (Foto: Getty Images)
Com maior eficiência e uso de materiais biocompatíveis e de origem natural, o novo medicamento poderá proporcionar ao paciente menos dor, mais conforto e esperança de um tratamento resolutivo. Isso significa mais autonomia, qualidade de vida e chances reais de superar barreiras impostas pelas complicações do diabetes.
Angelo explica que essas feridas impactam profundamente a vida dos diabéticos, restringindo o convívio social, dificultando ou impossibilitando o desempenho de atividades laborais e, em casos mais graves, levando à invalidez. “Dessa forma, o tratamento adequado pode gerar benefícios significativos nos aspectos psicossociais e econômicos da vida desses indivíduos”, diz o pesquisador.
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Os potenciais recursos farmacêuticos das plantas regionais
A investigação e o uso de plantas regionais como fonte de novos recursos farmacêuticos representam uma via altamente estratégica e transformadora para a ciência, a saúde e o desenvolvimento social do Brasil. A flora regional brasileira é uma das mais ricas do mundo, contendo milhares de espécies ainda pouco estudadas e subaproveitadas.
Cristina fala que, ao focalizar a pesquisa nessas plantas, o patrimônio biológico único é valorizado. “Ampliamos as chances de identificar moléculas inovadoras, muitas vezes inéditas em nível mundial, com potencial terapêutico relevante para a nossa população”, declara a docente.
O Brasil se destaca nas pesquisas destinadas à descoberta de fármacos provenientes de plantas, e a região nordeste contribui significativamente com estas pesquisas já há bastante tempo, principalmente no Ceará. Plantas nativas da Caatinga — como a aroeira, o mulungu, a mangaba e o angico — desempenham um papel fundamental na medicina popular.
Já nesta produção científica sobre o novo tratamento para feridas diabéticas, por exemplo, a equipe de pesquisadores do Nubex utiliza a Caesalpinia pulcherrima, conhecida popularmente como flamboyanzinho. Apesar de ser endêmica da América Central, a espécie também ocorre em todo o território brasileiro.
A Caesalpinia pulcherrima é amplamente cultivada nos trópicos como planta ornamental, podendo a cor das pétalas ser laranja, rosa ou amarela (Foto: Getty Images)
Como as plantas são usadas no Nubex?
Docente do Mestrado em Ciências Médicas (PPGCM) e do Doutorado em Biotecnologia da Rede Nordeste em Biotecnologia (RENORBIO), Cristina lidera as etapas de identificação, extração e caracterização das biomoléculas de interesse proveniente dos vegetais.
Ela explica que o trabalho começa pela seleção criteriosa de plantas regionais, com ênfase em espécies do Nordeste brasileiro, considerando seu histórico de uso popular e potenciais propriedades medicinais. Essa etapa valoriza a biodiversidade local e fortalece a bioprospecção como ferramenta estratégica na busca por soluções farmacêuticas adaptadas à realidade da população.
O processo de trabalho com as espécies vegetais funciona da seguinte forma:
- As plantas escolhidas passam por processos de extração refinados em ambiente laboratorial.
- Utilizando técnicas modernas e controladas, os cientistas isolam biomoléculas de interesse, como hemiceluloses, galactomananas e xiloglucanas (polissacarídeos), e lectinas vegetais (proteínas com múltiplas funções biológicas).
- As biomoléculas purificadas são submetidas a análises bioquímicas e físico-químicas para caracterizar a estrutura, estabilidade e propriedades biológicas.
- Com o perfil dos compostos definidos, a pesquisa avança para o desenvolvimento de formulações inovadoras, tais como filmes poliméricos, géis e membranas cicatrizantes.
“Esses produtos são desenhados para proporcionar benefícios amplos, estímulo à regeneração tecidual, ação anti-inflamatória, hidratação e proteção da ferida. Essas formulações são primeiramente testadas em laboratório (in vitro) para avaliar aspectos como biocompatibilidade, capacidade de aceleração da cicatrização e ausência de toxicidade”, esclarece Cristina.
Com os resultados promissores dos ensaios in vitro, as formulações passam por ensaios pré-clínicos em modelos animais, simulando feridas complexas de difícil cicatrização, como as observadas em pacientes diabéticos. Cada etapa experimental é conduzida com rigor metodológico, seguindo normas éticas e regulatórias nacionais e internacionais, assegurando confiabilidade e reprodutibilidade dos achados.
Além disso, a professora pontua que, ao longo de todo o processo, a equipe de pesquisa realiza um monitoramento detalhado dos produtos, buscando garantir não apenas a eficácia das formulações, mas também altos padrões de segurança e viabilidade para futura aplicação clínica.
“Esse ciclo contínuo de prospecção, experimentação e validação reflete o compromisso do Nubex com a produção de conhecimento inovador e a busca por soluções que possam ser, de fato, incorporadas à prática médica, beneficiando pacientes que enfrentam desafios severos com feridas crônicas e cicatrização prejudicada”, pontua.
“A proposta do Nubex é oferecer alternativas inovadoras que combinam eficácia comprovada, segurança e viabilidade econômica, utilizando biomoléculas extraídas de plantas regionais abundantes no semiárido brasileiro. Ao recorrer a recursos naturais e renováveis, a pesquisa visa democratizar o acesso a tratamentos avançados, reduzir custos para o sistema de saúde e minimizar impactos ambientais” — Cristina Moreira, diretora do Núcleo de Biologia Experimental
Além da pesquisa com foco em feridas diabéticas, os pesquisadores do Nubex já desenvolveram um tratamento da dor orofacial por meio de administração oral da frutalina — proteína extraída da fruta-pão. Com a mesma técnica, equipes de pesquisa estão desenvolvendo uma alternativa para a administração da insulina, também por via oral.