ter, 4 abril 2023 11:49
Processo Seletivo Unifor: Memórias e avanços em 50 anos e 101 edições
Relatório produzido em 1973 traz informações sobre o primeiro vestibular da Universidade de Fortaleza, desde edital a nomes de todos os aprovados
Nos dias 1º a 10 de fevereiro de 1973, 2.005 candidatos se inscreveram para participar do primeiro vestibular da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, que aguardava ser inaugurada em 21 de março daquele mesmo ano.
Para realizar a inscrição, os candidatos precisavam pagar o valor de 120 cruzeiros novos e disputar as 1.270 vagas ofertadas em 17 cursos diferentes. No entanto, para ingressar na primeira Universidade particular do Ceará, seria necessário ainda realizar quatro provas distintas em quatro dias diferentes.
Todas essas informações — edital, ficha de inscrição (que precisava ser preenchida e enviada para a Unifor em um envelope de papel), provas, nomes e classificação dos aprovados — estão guardadas em um arquivo da Vice-Reitoria de Ensino de Graduação e Pós-Graduação (VRE) da Unifor, sob a tutela cuidadosa de Janine de Carvalho Ferreira Braga.
Docente do curso de Direito da Universidade de Fortaleza e atual presidente da Comissão Permanente do Processo Seletivo, ela não esconde o orgulho de proteger parte da memória da instituição e da educação superior do Ceará.
“Quando olho para o passado da Unifor, no que diz respeito ao processo seletivo, tenho certeza que a instituição não estagnou. E segue atenta, dentro da sua diversidade de atuação, às mudanças que o setor e a sociedade demandam, como o uso das novas tecnologias. No entanto, algo é pilar em todo processo seletivo: a segurança, a seriedade e o compromisso com a seleção realizada” — Janine Braga, professora da Unifor e presidente da Comissão Permanente do Processo Seletivo
Patrimônio cearense
Visando resgatar o histórico do processo seletivo e dos antigos vestibulares, Janine produziu o artigo “Processo Seletivo da Universidade de Fortaleza — Uma História de acesso ao Ensino Superior, Inclusão e Garantia de Direitos” junto às professoras Karol Moura Façanha e Terezinha Teixeira Joca. A pesquisa será publicada no livro Ensinando e Aprendendo — 50 Anos da Universidade de Fortaleza, com lançamento previsto para 25 de outubro, como parte das comemorações dos 50 anos da Unifor.
“Tenho um projeto de resgatar a memória do processo seletivo porque, afinal de contas, são 50 anos. Em 2023.1, chegamos ao 101º processo seletivo, cada um com seu relatório de atividades. Até 2013.1, os registros eram feitos de forma física, a partir daí mantemos a guarda de arquivos digitais”, conta a docente.
A ideia, revela, é criar uma organização digital do material físico e transformá-lo em um E-book. “Esses documentos são muito importantes porque, em cada um deles, encontramos a descrição do edital que lançou o vestibular, quais os cursos ofertados, as vagas e a partir daí um relatório, organizado pelos gestores que me antecederam”, ressalta Janine.
Para participar do vestibular da Unifor em 1973, os candidatos preenchiam uma ficha de inscrição e deixavam na instituição. A candidatura online só seria possível 32 anos depois, no semestre de 2005.2 (Foto: Ares Soares)
Desde aquela época, a Unifor já buscava formas de inovar nos exames, na aplicação das provas e na maneira como era feita a seleção dos estudantes. Por isso, em janeiro de 1973, foi constituída a Comissão de Coordenação do Concurso Vestibular (CCCV) para planejar, controlar e executar o vestibular na instituição. Em agosto de 2003, o setor passou a ser denominado Comissão Permanente do Processo Seletivo (CPPS), denominação que permanece até hoje.
O que foi cobrado no primeiro vestibular da Unifor?
Ao olhar o relatório do primeiro vestibular, várias coisas chamam a atenção. É um verdadeiro “prato cheio” para quem gosta de história. Conforme o documento, os conteúdos cobrados nas provas eram divididos em:
- Comunicação e Expressão, compreendendo português, língua e literatura de língua portuguesa e língua estrangeira moderna (inglês ou francês);
- Ciências I, compreendendo matemática e física;
- Estudos Sociais, compreendo história geral e do Brasil e geografia do Brasil;
- Ciências II, compreendendo biologia e química.
As provas foram realizadas, respectivamente, nos dias 17, 19, 21 e 23 de fevereiro de 1973. Na época, o professor Antero Coelho Neto, reitor e signatário do relatório do Processo Seletivo 1973.1, afirmou que o “primeiro vestibular da Universidade de Fortaleza foi um êxito pedagógico, administrativo e financeiro”.
Em meio ao documento, a professora observa os clássicos pautados naquela época: “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e “O Quinze”, de Rachel de Queiroz. As obras cobradas marcam algumas coincidências com a Unifor: atualmente, a rara primeira edição de “Os Sertões”, com correções feitas em nanquim pelo próprio autor e seus mapas autorais, bem como versões posteriores nacionais e internacionais, estão na Biblioteca Acervos Especiais, que também abriga a primeira edição de “O Quinze”, datada de 1930.
Trechos do livro “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, na prova do primeiro vestibular da Unifor (Foto: Ares Soares)
Ao todo, nove cursos receberam estudantes naquele semestre e ainda permanecem na ativa, comemorando 50 anos. São eles: Administração; Ciências Contábeis; Ciências Econômicas; Engenharia Civil; Engenharia Mecânica; Engenharia Elétrica; Educação Física; Enfermagem; Fisioterapia.
+ Homenagens marcam solenidade em comemoração aos 50 anos do curso de Fisioterapia
Mudanças e avanços
O início das atividades da Universidade de Fortaleza inaugurou uma nova fase no acesso ao ensino superior no Ceará quanto à ampliação de vagas para graduação na capital. A memória do processo seletivo mostra o papel contemporâneo da Unifor no que se refere aos conteúdos cobrados, cursos ofertados, vagas e modalidades de ingresso — que visam, cada vez mais, garantir acessibilidade e inclusão para impulsionar o desenvolvimento humano e social de seus estudantes.
Conforme Janine, desde a primeira edição, o vestibular acompanha o progresso da Universidade não apenas em âmbito local, mas também nacional e internacional, uma vez que a Unifor possui parceria com instituições estrangeiras.
No primeiro momento, por uma questão legal, a Unifor era obrigada a realizar um concurso vestibular (prova presencial composta por questões objetivas ou subjetivas e uma redação) como requisito, juntamente com a conclusão do ciclo escolar colegial (hoje denominado como ensino médio) para ingresso na graduação.
Essa realidade só mudaria com a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que regulamenta o sistema educacional no Brasil e amplia as possibilidades de seleção, viabilizando outros modelos, além do vestibular tradicional.
Semestralmente, estudantes do ensino médio de todo o Ceará vêm à Unifor para realizar o processo seletivo. Atualmente, o recurso também pode ser totalmente online (Foto: Ares Soares)
“A legislação trouxe a não obrigatoriedade do vestibular com uma prova presencial, mas ainda eram necessários cumprir dois requisitos: comprovar a conclusão do ensino médio e ter obtido aprovação em processo seletivo, tendo as instituições autonomia para regular como este será realizado. Não existia mais a necessidade especificamente de uma prova, foi uma primeira evolução, podendo trabalhar com outros modelos de seleção”, destaca Janine.
Todo semestre, a CPPS realizava estudos buscando aperfeiçoar a experiência do candidato e melhorar o processo seletivo, que se deu de forma contínua ao longo dos anos. A partir de 2009, adotou-se a matriz de competências do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
“Deixamos de ter uma matriz própria, conteudista, para adotar a matriz de referência do Enem. Foi ótimo para o candidato, uma vez que, embora as provas não fossem iguais, eram parte da mesma matriz”, explica a docente.
Ela lembra que, no mesmo ano, foi implementada a prova eletrônica, modalidade em que o candidato poderia optar por realizar a avaliação digitalmente em um dos laboratórios de informática da instituição. Após isso, em 2010, a Unifor adotou o uso da nota do Enem para aprovação e ingresso dos candidatos.
Logo depois, a instituição fechou parceria com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para acessar o sistema e consultar a nota dos candidatos em todas as edições do exame.
“Em 2015, também implementamos o Escore Unifor, modalidade na qual o aluno pode usar a nota de vestibulares anteriores para ingressar na Universidade, evitando a reaplicação de prova”, detalha. Atualmente, além do vestibular presencial, nota do Enem e do Escore Unifor, o candidato também pode ingressar pelo vestibular online (redação online), transferência de outra IES, reabertura de curso e segunda graduação.
Desafios, acessibilidade e inclusão
Na Unifor, estudantes surdos contam com o apoio de intérpretes de libras desde o momento do processo seletivo na instituição (Foto: Filipe Pereira)
Quando o governo cearense anunciou o período de lockdown, em 2020, foram traçadas estratégias para ingresso de estudantes no semestre 2020.2. Como alternativa, a Comissão responsável não realizou a prova presencial, mas manteve as demais modalidades de acesso. A volta do vestibular presencial só aconteceria em 2021.1, reunindo 1.567 candidatos e cerca de 300 colaboradores.
“Fomos o primeiro setor, da instituição, a realizar uma atividade presencial durante o período da pandemia. O processo seletivo de 2021.1, que aconteceu em novembro para os candidatos do curso de Medicina, foi o primeiro evento presencial da Universidade após a decretação da pandemia. E, respeitamos todas as recomendações sanitárias para manutenção e garantia da saúde de todos. Não tivemos nenhum incidente e foi primoroso o nosso processo seletivo. Colocamos pouquíssimos candidatos em sala, todos usando máscara, com distanciamento social”, relembra Janine.
Algo que também tem ganhado visibilidade e alcance no processo seletivo da Unifor, destaca a professora, são as ações de acessibilidade e inclusão, um marco das lutas e conquistas das pessoas com deficiência ao longo dos últimos anos.
Em 2010, foram sistematizadas as ações para atender esse público, com o lançamento de um processo seletivo inclusivo com a possibilidade de apontar a existência de uma deficiência e a necessidade de apoio — serviço prestado até hoje pelo Programa de Apoio Psicopedagógico (PAP). Anteriormente esse processo era feito por demanda, a partir daí começou a ser feito regulamentarmente em todos os processos seletivos.
A atuação do PAP ocorre quando os candidatos possuem alguma deficiência física ou sensorial (auditiva e visual), comprometimento neurológico, síndromes, transtorno do espectro autista (TEA) e transtorno do déficit de atenção (TDAH), além da possibilidade de ocorrências de crise de ansiedade, que requerem escuta psicológica e as primeiras ações para aliviar a tensão do candidato.
“O DNA de responsabilidade social da Unifor, desde a sua fundação, possibilita esse olhar sensível para a acessibilidade em diferentes âmbitos. Inclusive financeira e social, permitindo a inclusão na Universidade de pessoas com maior vulnerabilidade econômica , por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e, mais recentemente, do Programa Super Bolsas Filantrópicas” — Janine Braga, professora da Unifor e presidente da Comissão Permanente do Processo Seletivo