Entrevista Nota 10: Daniel Ximenes e o novo marco regulatório da EaD

ter, 27 maio 2025 11:03

Entrevista Nota 10: Daniel Ximenes e o novo marco regulatório da EaD

Atual diretor de Regulação da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC) detalha as principais mudanças da Nova Política de Educação a Distância, que visa garantir mais qualidade para essa modalidade de ensino


Daniel Ximenes participou na Unifor do Encontro Regional Nordeste do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior - Semesp (Foto: Ares Soares)
Daniel Ximenes participou na Unifor do Encontro Regional Nordeste do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior - Semesp (Foto: Ares Soares)

Ainda que o crescimento da modalidade de Educação a Distância (EaD) tenha perdido tração — se comparado ao ano de 2020, por exemplo, em que o aumento foi de 26,8% —, o segmento segue em ascensão. Entre 2022 e 2023, as matrículas EaD aumentaram 13,4%, chegando a 4,91 milhões de estudantes, segundo a 15ª edição do Mapa do Ensino Superior no Brasil, divulgado em 12 de março deste ano pelo Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp).

A modalidade EaD representa atualmente quase metade das matrículas no ensino superior, que chegaram a quase 10 milhões de estudantes entre 2022 e 2023. Esse crescimento foi impulsionado majoritariamente pela rede privada (8 em cada 10 estudantes matriculados). Se considerarmos somente a EaD, a participação é ainda maior, com 95,9% dos alunos matriculados em instituições particulares.

Diante desse cenário, a Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz — reuniu representantes de instituições privadas da região Nordeste que participaram do Encontro Regional Nordeste do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), realizado nessa segunda-feira, 26 de maio. 

O evento contou com a participação de Daniel Ximenes, diretor de Regulação da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), que detalhou as mudanças trazidas pelo Decreto nº 12.456/2025, de 19 de maio de 2025. A resolução reformula o funcionamento da modalidade EaD no Brasil, define percentuais mínimos de atividades presenciais e síncronas, e proíbe a oferta em cursos como direito, nedicina, enfermagem, odontologia e psicologia.

“O novo marco regulatório sinaliza uma melhor classificação dos cursos, cria um novo formato de oferta e, com isso, também orienta quais parcelas de atividades presenciais devem constar em cada um dos três formatos de oferta”, destaca o diretor de Regulação da Educação Superior do MEC.

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Daniel possui experiência na elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas, especialmente na área educacional, bem como na coordenação de políticas intersetoriais. Desde 2006, atua na área de políticas sociais e educação, com passagem por diversos órgãos do MEC, onde, em março de 2023, assumiu a Diretoria de Regulação da Educação Superior (Seres/MEC).

Na Entrevista Nota 10 desta semana, o diretor explica o que motivou a elaboração da Nova Política de Educação a Distância, as principais mudanças propostas pelo novo marco regulatório da EaD e de que forma instituições e estudantes serão beneficiados com as novas diretrizes.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – A Educação a Distância (EaD) é uma ferramenta estratégica de ampliação e acesso à educação superior. No Brasil, a primeira legislação específica para educação a distância no ensino superior foi formalizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Ao longo desses quase 30 anos, quais os principais desafios que a modalidade enfrentou e o que mudou desde então?

Daniel Ximenes – Acho que o principal movimento aconteceu nos últimos dez anos, porque tivemos uma expansão muito grande da oferta de cursos EaD de graduação, especialmente pelo setor privado, que domina em cerca de 96% do total de matrículas EaD no Brasil. Nesse período, o crescimento das matrículas de graduação EaD no setor privado cresceu exponencialmente, mais de 200%, de modo que, atualmente, metade das matrículas de graduação, que são cerca de dez milhões, portanto, cinco milhões estão no formato EaD.

Além disso, nos últimos dez anos, especialmente nos últimos cinco anos, depois do período da pandemia, tivemos cada vez mais o uso das tecnologias. A tecnologia se faz muito presente na realidade do mundo da educação, como também do mundo profissional como um todo, então o uso mais intensivo das tecnologias também foi uma maneira de impulsionar essa oferta, algo que o período da pandemia também exigiu.

Entrevista Nota 10 – O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado do ministro de Estado da Educação, Camilo Santana, assinou, no último dia 19 de maio, o Decreto nº 12.456/2025, que regulamenta a Nova Política de Educação a Distância (EaD), visando garantir mais qualidade na oferta de EaD. O que motivou a atualização da política?

Daniel Ximenes – Alguns fatores foram determinantes para a atualização da política, como, por exemplo, esse crescimento muito grande, rápido, em um curto período de tempo. Quando uma política pública de educação tão importante como a educação a distância teve um crescimento tão rápido, em ritmo tão acelerado, acende um alerta para que o governo aprimore seus instrumentos de regulação, de avaliação, de modo que pudéssemos ter uma atenção especial a essa necessidade da EaD em nosso país. 

Como somos um país muito grande, muito disperso, com um território muito variado, de fato, a EaD se faz fundamental. Então, ficou claro que precisávamos garantir essa expansão, mas com mais qualidade. Em geral, os cursos de EaD têm um desempenho inferior aos cursos presenciais, por isso, vimos que era necessário garantir que essa expansão pudesse continuar e com mais qualidade. Esse é o ponto central.

Entrevista Nota 10 – O Decreto alterou a lista de cursos que podem ser oferecidos a distância, criou o formato semipresencial, definiu atividades online síncronas e síncronas mediadas, dentre outras alterações. Em resumo, quais as principais mudanças do novo marco regulatório do EAD?

Daniel Ximenes – O novo marco regulatório sinaliza uma melhor classificação dos cursos, cria um novo formato de oferta, o semi-presencial, e, com isso, também orienta quais parcelas de atividades presenciais devem constar em cada um dos três formatos de oferta. Então, o primeiro ponto é uma melhor organização dessa oferta dos cursos de graduação. 

O decreto também caracteriza bem o que seja um polo de educação à distância, algo que estava sem controle. Lá está orientando muito bem o que é um polo de educação à distância, pois não pode ser qualquer coisa, tem que ser uma estrutura bem organizada, com espaços adequados, com laboratórios, isso é muito importante. 

Além disso, está sendo reforçada a mediação pedagógica para ajudar o aluno na sua aprendizagem. Foi criada a figura do mediador pedagógico, que vai ser um profissional muito importante no trabalho pedagógico junto com os professores regentes daquele curso.

Entrevista Nota 10 – Na sua percepção, quais os principais benefícios dessas mudanças, tanto para as instituições de ensino superior quanto para os alunos que optam pela modalidade?

Daniel Ximenes – O MEC é parceiro da educação à distância de qualidade, queremos valorizar a educação à distância. Então, à medida que o órgão regulador, que é o Ministério da Educação, dedica atenção especial a esse tema, organizando as regras, o funcionamento, as possibilidades, isso é muito bom para as instituições, porque cria um padrão de referência mais claro para que elas possam se guiar com mais segurança em relação a como ofertar a educação à distância, de que maneira, quais são as melhores estratégias. Enfim, para as instituições, a nova regulação possibilita organizar melhor o setor. Já para os estudantes, o principal benefício consiste em cursos de melhor qualidade, que é o que estamos mirando com essas novas propostas.

Entrevista Nota 10 – A implementação das novas regras será gradual, permitindo que as instituições de educação superior possam se adequar às novas regras e garantindo o direito dos estudantes. Contudo, com o avanço das tecnologias, que influenciam substancialmente o mundo do trabalho e também a modalidade de ensino, novos ajustes podem ser necessários. O novo decreto prevê um prazo para avaliação da nova política e possíveis alterações?

Daniel Ximenes – Toda medida de mudanças regulatórias precisa de prazo para adaptação, porque os cursos já estão funcionando. Então, não é da noite para o dia que isso se transforma. Estabelecemos um prazo de dois anos de adaptação e, nesse período, as instituições serão devidamente orientadas sobre os posicionamentos, o regramento. Assim, gradativamente as ideias serão implementadas, de modo que, daqui a dois anos, possamos ter um sistema mais ajustado a essas regras que estão sendo colocadas. Vamos acompanhar a implementação passo a passo, para observar como está acontecendo e os desdobramentos que estão necessitando de alguma atenção. E como a política pública é dinâmica, pode ser que seja necessário aprimorar um ponto ou outro.

Entrevista Nota 10 – Na manhã desta segunda-feira (26), você esteve na Unifor em um encontro que reuniu representantes de instituições privadas da região para detalhar as mudanças trazidas pelo decreto. Quais os principais desafios que a Unifor e as demais instituições nordestinas terão que enfrentar para se adequar à nova política?

Daniel Ximenes – O desafio é que, até o final do ano, elas entendam muito bem o que está sendo proposto, estabeleçam uma interlocução com o MEC para esclarecimentos e, gradativamente, comecem a implementar as mudanças. É isso que esperamos.