Entrevista Nota 10: Flávia Pinho e o papel estratégico da comunicação corporativa no relacionamento com o público
seg, 11 novembro 2024 15:58
Entrevista Nota 10: Flávia Pinho e o papel estratégico da comunicação corporativa no relacionamento com o público
Jornalista pontua elementos essenciais para comunicação eficaz durante situações de crise e explica a importância da autenticidade e credibilidade no contexto organizacional
A comunicação corporativa se firma como uma das áreas mais estratégicas e cruciais dentro do ambiente empresarial. Voltada para o fortalecimento da reputação das organizações, o segmento também é responsável por aprimorar a experiência de colaboradores, clientes e demais stakeholders.
Para Flávia Pinho, jornalista com ampla bagagem em comunicação corporativa, a área deve ser tratada como parte essencial da cultura organizacional. “A comunicação corporativa é a espinha dorsal para consolidar a reputação de uma marca, construindo confiança e estabelecendo relacionamentos duradouros”, afirma.
A profissional, que já colaborou com grandes empresas nacionais e multinacionais, explica que a comunicação corporativa se volta cada vez mais para práticas de transparência e personalização, atendendo às demandas dos consumidores por propósito claro e ações concretas.
“Percebo que o público deseja um diálogo aberto, personalizado e envolvente. [...] Com minha vivência, vejo que transparência e tecnologia são eixos estratégicos que fidelizam e engajam”, acrescenta a sócia-diretora da FinCom Consultoria, empresa especializada em finanças e comunicação corporativa, gestão de crises e treinamentos.
Graduada pela Universidade Gama Filho e especialista em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Flávia já atuou como professora de MBA em Comunicação Corporativa e Gestão de Crises. Ao longo de sua carreira, desenvolveu projetos de assessoria de imprensa, comunicação interna, relações públicas e media training, dentro e fora do Brasil.
Na Entrevista Nota 10 desta semana, a jornalista fala sobre o papel da comunicação corporativa dentro das empresas e pontua elementos essenciais para uma comunicação eficaz durante situações de crise. Além disso, ela explica a importância da autenticidade e credibilidade na manutenção da imagem organizacional.
Confira na íntegra a seguir.
Entrevista Nota 10 — Na sua visão, como a comunicação corporativa pode garantir a reputação da marca perante os stakeholders a longo prazo?
Flávia Pinho — A comunicação corporativa é a espinha dorsal para consolidar a reputação de uma marca, construindo confiança e estabelecendo relacionamentos duradouros. Mas, na verdade, acredito que a comunicação não é suficiente, sozinha, para garantir a reputação de uma marca. Para mim, o que realmente assegura a reputação é como as instituições oferecem seus produtos e serviços com respeito, lealdade, empatia e transparência para seus clientes e consumidores e como ela se relaciona com seus públicos de uma maneira geral.
Minhas experiências mais recentes em empresas e nas maiores agências de comunicação do país mostram a importância de uma comunicação estratégica e integrada, alinhada aos valores da organização. Infelizmente, muitas lideranças ainda não enxergam a comunicação como uma área estratégica. Algumas mantêm apenas um profissional de comunicação e terceirizam todos os serviços.
Não tenho nada contra a terceirização, muito pelo contrário: muitos serviços dependem desse olhar externo e são realmente essenciais. Mas acredito fortemente que a comunicação corporativa deve ser parte do cerne da cultura organizacional. O profissional que vai gerir a reputação precisa vivenciar os valores, a missão e entender profundamente o plano de negócios, bem como os aspectos culturais da instituição, da região e as comunidades impactadas. É um ciclo dinâmico e que deve ser retroalimentado diariamente. Somente estando dentro da instituição é que esse papel colaborativo do comunicador para a reputação se torna possível.
Além disso, falando de produtos e serviços ofertados, estudos do Reputation Institute destacam que empresas com um propósito claro e praticado em suas ações têm 2,5 vezes mais probabilidade de reter a fidelidade dos stakeholders. As estratégias de comunicação que implementei ao longo de minha trajetória sempre buscaram reforçar esse propósito, mostrando compromisso e consistência.
Entrevista Nota 10 — Você já capacitou mais de dois mil executivos no Brasil e no exterior em treinamentos de relacionamento com a imprensa (Media Training). Como balancear o preparo fornecido pelo media training com a autenticidade e transparência que o público espera dos porta-vozes da empresa? Quais habilidades um(a) líder deve ter?
Flávia Pinho — O media training deve preparar os líderes para serem porta-vozes seguros e confiáveis, sem sacrificar a autenticidade. Lembro-me de uma vez em que participei de um processo seletivo, cuja última etapa era uma entrevista com o CEO da empresa. Ao me preparar, consultei minha mentora de RH, minha primeira gestora na vida, Andrea Krug, e perguntei como eu deveria agir para causar uma boa impressão. Sua resposta foi: “seja você mesma!”. Segui o conselho e deu certo: consegui a vaga! Esse mesmo conselho vale para qualquer pessoa que vá atuar como porta-voz.
Acredito piamente que mostrar autenticidade significa sermos nós mesmos, sem interpretar papéis distintos nos âmbitos corporativo e pessoal. Não adianta tentar criar uma personagem, pois, ao primeiro sinal de crise, as máscaras caem, tanto para o público interno quanto para os demais públicos.
O media training é uma preparação para que os executivos sejam bons porta-vozes e divulguem mensagens estratégicas da instituição aos stakeholders por meio do relacionamento com a imprensa. Mas o treinamento também os capacita para diversos ritos de exposição pública, seja para posicionamento diante de poderes públicos, Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), audiências públicas, reuniões, palestras e até outras situações desafiadoras. Portanto, transparência e autenticidade têm a ver com ser crível, com ser fiel à sua essência e às mensagens que deseja transmitir para garantir a longevidade do negócio, como desejamos ser percebidos e como nossa instituição merece ter uma boa reputação.
Ao capacitar mais de dois mil executivos em media training e gestão de crises, percebi que o principal desafio é formar líderes que comuniquem de forma clara, coerente, consistente e com um toque pessoal que ressoe com o público.
Credibilidade é a palavra-chave, e só se alcança com comunicação verdadeira. Sempre enfatizei a importância da empatia e da escuta ativa, habilidades essenciais para conectar-se com o público. O papel do líder vai além de transmitir informações: ele deve inspirar e engajar, demonstrando resiliência e adaptabilidade, atributos fundamentais para comunicar-se genuinamente, especialmente sob pressão.
Entrevista Nota 10 — As redes sociais são nossa “nova TV”, fazendo a área de relações públicas repensar novas estratégias para atingir seus variados públicos. Em relação à imprensa, como esse relacionamento foi ajustado para preservar a credibilidade da organização?
Flávia Pinho — Vejo as redes sociais como essenciais para alcançar um público diversificado, e acredito que esse potencial será cada vez mais explorado.
Hoje, as marcas atuam como brand publishers, gerando conteúdo como novas mídias, uma estratégia de comunicação que as transforma em veículos próprios. Para isso, é necessário desenvolver conteúdo para os canais de comunicação, como portais de conteúdo, revistas segmentadas, blogs, vídeos, notícias, análises, podcasts e webinars. Temos ótimos exemplos no mercado, como o Além da Energia, da ENGIE, onde trabalhei, Seja Relevante, da Fundação Dom Cabral, Science Arena, do Hospital Albert Einstein, entre outros.
Os canais independentes de jornalismo no YouTube, por exemplo, estão sendo bem produzidos e têm relevância em meio à polarização que vivemos. Valorizar e manter o relacionamento com a imprensa continua sendo essencial para construir credibilidade e profundidade nas mensagens, até porque ainda existe um público cativo dos grandes veículos de imprensa. Contudo, precisamos igualmente considerar os canais digitais disponíveis no país e fomentar nossa presença neles, com nossas mensagens e presença constante de nossos porta-vozes.
A imprensa tradicional seguirá migrando para plataformas digitais, ampliando sua atuação. No entanto, há produtores de conteúdo relevantes, dissociados de ideologias políticas, que estão ganhando um público volumoso e engajado.
Como trabalhei em empresas de setores regulados, como energia, telecomunicações e aviação, aprendi a importância de fornecer informações completas e transparentes para qualquer veículo. Agilidade, precisão da informação e transparência continuam sendo elementos essenciais para a equação da credibilidade, independentemente do veículo ou mídia com que estamos interagindo.
Manter uma narrativa coerente e confiável em todos os canais é crucial para a imagem da organização. Na prática, isso significa que o conteúdo deve sempre manter o compromisso com a verdade, fortalecendo a reputação da empresa.
Entrevista Nota 10 — Com a crescente preocupação com práticas sustentáveis, como o papel das relações públicas pode influenciar a percepção externa de sustentabilidade de uma organização?
Flávia Pinho — As relações públicas têm o papel crucial de comunicar os compromissos sustentáveis de uma organização de maneira transparente e legítima, evitando riscos de greenwashing, pinkwashing, carewashing, entre outros. No setor de óleo, gás e energia, onde trabalhei, precisei desenvolver narrativas que traduzissem práticas de ESG em ações tangíveis, significativas e concretas.
Segundo a Caliber, líder global em gestão da reputação, organizações que comunicam práticas autênticas têm três vezes mais probabilidade de serem bem avaliadas pelo público. Durante meu trabalho na Petrobras, por exemplo, liderei um projeto de relacionamento com as comunidades de Aracati, no Ceará, para a construção de um gasoduto. Esse projeto foi crucial para demonstrar o compromisso da empresa com o desenvolvimento sustentável, transmitindo as mensagens sobre os benefícios e a responsabilidade social envolvidos.
O trabalho de Relações Públicas é vital para comunicar com clareza sobre processos e etapas a serem realizados, evitar rumores e aproximar o público da empresa. A reputação se constrói pelo relacionamento com o público, e se essa relação é coerente e autêntica, a sustentabilidade e a imagem do negócio estão garantidas.
Entrevista Nota 10 — Em um cenário de crise, como a comunicação interna pode apoiar na redução de rumores e garantir que os colaboradores se sintam parte do processo de superação? Quais elementos você considera essenciais para alinhar as mensagens entre os diferentes departamentos da empresa e garantir uma comunicação eficaz durante situações críticas?
Flávia Pinho — Em crises, a comunicação interna é essencial para fortalecer a coesão e o comprometimento dos colaboradores. Ao longo de minha carreira, vivenciei situações que demandaram uma comunicação interna robusta e empática para manter a moral elevada e evitar rumores. Comunicação é sobre pessoas, e os colaboradores precisam ser informados em primeira mão, pois atuam como verdadeiros embaixadores da marca e são guardiões da reputação. Eles serão aliados no combate às fake news e na disseminação dos fatos como verdadeiramente são.
Portanto, um dos principais elementos na comunicação de crise é que colaboradores bem informados e engajados defendem a reputação da empresa. Um segundo ponto é que clareza, consistência e transparência são cruciais para alinhar mensagens entre departamentos/áreas. Para tanto, recomendo um canal de comunicação centralizado e seguro, onde líderes possam se conectar diretamente com a equipe e responder a dúvidas, fortalecendo o senso de pertencimento e confiança.
Outro destaque é o papel do CEO ou do líder da crise, idealmente alguém do C-level (diretoria), essencial para tranquilizar os colaboradores e mostrar o compromisso da organização em mitigar a crise.
Uma estratégia igualmente fundamental é estabelecer um Comitê de Crise, crucial para garantir que todas as áreas estratégicas estejam focadas na solução. Informar o público interno sobre a implantação do Comitê dá segurança aos colaboradores de que a empresa está comprometida em resolver o problema. Na crise, agilidade, precisão e transparência são fundamentais para construir mensagens críveis e reforçar que a empresa está empenhada na superação do incidente.
Entrevista Nota 10 — Quais tendências em comunicação corporativa você acredita que terão maior impacto nos próximos anos, especialmente em termos de transparência e engajamento?
Flávia Pinho — A comunicação corporativa se volta cada vez mais para práticas de transparência e personalização, atendendo às demandas dos consumidores por propósito claro e ações concretas. Em minha experiência com multinacionais e setores diversos, percebo que o público deseja um diálogo aberto, personalizado e envolvente.
No cenário atual, as empresas devem responder a demandas de ESG com práticas éticas – temas que definem a relevância da marca. Com minha vivência, vejo que transparência e tecnologia são eixos estratégicos que fidelizam e engajam.
O futuro da comunicação corporativa, por mais que inclua novas métricas, inteligência artificial e novas tecnologias, deve continuar focado em pessoas. Afinal, a comunicação só é crível se for autêntica, ágil e demonstrar empatia com o público. Apesar de novas ferramentas, se não desenvolvermos ações de comunicação de forma genuína e in loco com nossos stakeholders, o convencimento e os resultados serão pífios. Os desafios são grandes, mas as oportunidades para os novos comunicadores são ainda maiores e possíveis!