Entrevista Nota 10: Mylena Queiroz e a ficção literária que confronta a violência de gênero

seg, 18 agosto 2025 15:21

Entrevista Nota 10: Mylena Queiroz e a ficção literária que confronta a violência de gênero

Escritora pernambucana realiza lançamento da obra “Sangue de Cabra” no Clube do Livro da Pós-Unifor e comenta sobre o papel da literatura na resistência feminina, assim como a importância da formação acadêmica para a carreira de autores


Doutora em Literatura e Interculturalidade, Mylena é autora de dezenas de textos publicados nacional e internacionalmente sobre literatura brasileira (Foto: Arquivo pessoal)
Doutora em Literatura e Interculturalidade, Mylena é autora de dezenas de textos publicados nacional e internacionalmente sobre literatura brasileira (Foto: Arquivo pessoal)

O vídeo de uma menina assediada viraliza. Uma mulher recomeça a vida enquanto é perseguida por uma cabeça. Uma senhora sonha com o fim sanguinário de um latifundiário. Uma tragédia na cisterna une duas irmãs. Essas e outras histórias marcadas pela resistência feminina fazem parte do livro “Sangue de Cabra” (2025), de Mylena Queiroz.

Reunindo nove contos sobre os horrores que insistem em acompanhar mulheres e meninas, a obra é publicada pela editora Patuá e marca a estreia da escritora pernambucana na ficção. O universo das personagens traz consigo um debate fundamental para a conscientização sobre a violência de gênero.

Para Mylena, o trabalho tem um profundo significado pessoal e político. Ele materializa um compromisso com a autoria feminina engajada, além de reunir histórias baseadas em situações que ela testemunhou ou conheceu de perto. Tudo isso temperado pela aura da ficção literária.

“Penso que, ao haver protagonistas que não são ‘vítimas perfeitas’, mas personagens com camadas, há esse lugar de escuta de casos reais com mulheres reais, com suas complexidades”, explica a autora, que é professora de Teoria Literária na Universidade Estadual do Ceará (Uece) e doutora em Literatura e Interculturalidade pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

No dia 23 de agosto, Mylena estará na Universidade de Fortaleza — instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz — para o lançamento do livro “Sangue de Cabra”. O evento gratuito acontecerá durante o Clube do Livro, uma iniciativa da Especialização em Escrita e Criação que promove encontros entre autores e alunos para discutir obras literárias.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, ela comenta sobre o papel da literatura na discussão sobre violência de gênero e resistência feminina, além de ressaltar a importância da formação acadêmica para a carreira de autores.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Seu livro de estreia na ficção, Sangue de Cabra, trata de um tema muito real ao focar em narrativas sobre violência de gênero e resistência feminina. Qual o papel da ficção na discussão e conscientização do público em relação aos desafios de ser mulher hoje? A obra também estimula um espaço de escuta e acolhimento para as mulheres?

Mylena Queiroz — Penso que entrelaçar o real e o insólito na literatura traz muitas possibilidades. Uma delas é pensar esses horrores que permeiam o cotidiano, como ocorre com as mulheres de Sangue de Cabra. Eu diria que o universo dessas personagens acaba trazendo consigo o debate sobre o problema da violência de gênero, debate esse que é fundamental para uma real conscientização sobre o tema. Penso que, ao haver protagonistas que não são "vítimas perfeitas", mas personagens com camadas, há esse lugar de escuta de casos reais com mulheres reais, com suas complexidades.

Entrevista Nota 10 — Na sua obra, situações que poderiam ser comuns na vida de diversas mulheres ganham contornos extraordinários no desenrolar de cada conto. Como surgiu a ideia de abordar tais temas por meio da ficção?

Mylena Queiroz — As ideias foram surgindo a partir de casos e situações que eu ouvi, entrelaçados com leituras de obras de filosofia e literatura de autoria feminina. Há personagens baseadas em pessoas que conheci, em familiares, em amigas. Mas com todos os ares e as névoas da ficção.

Entrevista Nota 10 — Na sua visão, qual o papel do estudo acadêmico na produção literária nacional? De que maneira a pesquisa em literatura e a análise profunda das diversas realidades sociais promovem um amadurecimento tanto das obras quanto do perfil dos escritores? 

Mylena Queiroz — A minha formação e a minha atuação me fizeram me aprofundar em diversas literaturas, o que me auxilia a articular as narrativas que escrevo. E creio que algo similar ocorre com muitas outras pessoas que escrevem e publicam. Não que seja uma condição absoluta, mas as leituras e as análises, os debates, os grupos de leitores e pesquisadores etc. acabam sendo maneiras bem interessantes de se desenvolver na escrita.

Entrevista Nota 10 — Com a expansão do mundo digital e das publicações independentes, o mercado editorial tem vivido um crescimento intenso em vendas e pluralidade, mas também lida com desafios. Qual a sua visão sobre esse cenário, especialmente no Brasil? Como novos autores podem encontrar seu próprio espaço e aproveitar as oportunidades que vêm surgindo nos últimos anos? 

Mylena Queiroz — O cenário de autoria independente é complexo, mas abre muitas possibilidades. Há prêmios, editais e chamadas por parte de editoras, dentre outros, que abrem um leque de opções para irmos trilhando nossos caminhos. Quanto mais nos informamos sobre, mais segurança teremos em melhor aproveitar essas opções.

Entrevista Nota 10 — No dia 23 de agosto, o lançamento do seu livro Sangue de Cabra acontecerá dentro do Clube do Livro, um projeto da Especialização em Escrita e Criação da Unifor para discutir obras literárias e promover diálogo entre autores e alunos. Como surgiu essa parceria? Qual a importância de lançar uma obra como a sua junto a oportunidade de debater a produção e reflexão que ela traz com novos escritores?

Mylena Queiroz — A parceria surgiu com a indicação de uma escritora e estudante da Pós-Unifor, Paula Brandão, para que Sangue de Cabra fosse lido no Clube. Eu também havia recebido o convite do coordenador da especialização, Mateus Lins, para lançar o meu livro. Juntas, as ideias geraram esse evento, o que me deixou bem empolgada. Tanto é um momento em que eu poderei ouvir de escritores e estudantes suas percepções sobre a leitura da minha obra como aqueles que ainda não tiveram esse momento de lançar o próprio livro poderão aproveitar bem. Ainda, poderemos debater juntos sobre as temáticas - de horror a feminismos - em torno de Sangue de Cabra. Todo o conjunto me parece fazer desse evento um momento especial para mim, e espero que também para todas as pessoas que participarem.

Entrevista Nota 10 — Qual a relevância de um curso de especialização como o de Escrita e Criação da Unifor para uma maior qualificação do mercado literário local e nacional, principalmente no âmbito de incentivar novas formas de fazer literatura? Quais diferenciais do curso você acredita que sejam essenciais para alguém conseguir se destacar nessa área?

Mylena Queiroz — Uma especialização em Escrita e Criação me parece muito significativa, especialmente por estar fora das regiões do Sudeste e Sul e não apenas fazer com que outras pessoas conheçam e tenham acesso, como pode ter uma equipe não exclusivamente desses centros. A formação em si ganha um diferencial entre as especializações na área no país. E, com certeza, as trocas entre colegas, escritores e professores de escrita que a especialização propõe, além dos estudos, podem potencializar o trabalho e a carreira de escrita. Essa potencialização em si é algo enriquecedor na área e em campos afins, como o mundo artístico em geral.