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Seg, 20 Dezembro 2021 16:18

Entrevista Nota 10: Carol Rocha, a Tchulim, e a criação de conteúdo para transformar a vida das mulheres

Falar sobre questões relacionadas à mulher e à maternidade faz parte do cotidiano da influenciadora digital mais conhecida como Tchulim, que é podcaster e estudante de Psicologia


Para Tchulim, que viralizou com o debate sobre o termo “cringe” e a batalha geracional, a produção de conteúdo não é só uma profissão. “É também a minha forma de expressão”, explica (Foto: Arquivo pessoal)
Para Tchulim, que viralizou com o debate sobre o termo “cringe” e a batalha geracional, a produção de conteúdo não é só uma profissão. “É também a minha forma de expressão”, explica (Foto: Arquivo pessoal)

Carol Rocha, mais conhecida como Tchulim, usa a própria voz para defender e difundir ideias nas quais acredita. Como mãe e influenciadora digital, questões relacionadas às mulheres estão no centro dessa busca por mudanças no meio virtual e presencial. Ex-publicitária, criadora de conteúdo, podcaster e estudante de Psicologia, Carol Rocha também é a mãe do Valentin, de seis anos. Esse novo lugar que passou a ocupar a fez repensar a própria carreira e o espaço que o mercado de trabalho dá às mulheres que escolhem se tornar mães.

“Fui basicamente despedida por ter tido um filho. E ali eu falei assim: ‘Não, eu não vou ficar calada quanto a isso. Eu preciso falar, preciso expor, preciso trocar com outras mulheres, né?’. E foi quando eu passei a fazer bastante conteúdo sobre isso, sobre esse posicionamento de ser uma uma mulher, uma mãe, uma profissional, porque eu fui tirada do mercado de trabalho à força”, conta a influenciadora.

Ela esteve na Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, no início de dezembro para participar da ação “Nenhuma a menos”, promovida pelo Sistema Verdes Mares, que debateu questões relacionadas ao combate às diversas formas de violência contra a mulher. Veja a seguir a entrevista que ela deu ao Unifor Notícias, na qual comenta como a discussão sobre o termo “cringe”, levantada por ela, ganhou proporções maiores do que esperava.

Entrevista Nota 10 - A internet e as redes sociais têm conseguido ampliar o debate sobre a violência contra a mulher. Que outras mudanças ainda são necessárias para alterar o cenário de violência no Brasil, país que ainda é o 5º onde mais se mata mulheres no mundo?

Carol Rocha - Nós precisamos de políticas públicas que defendam as mulheres, de iniciativas como foi, por exemplo, um bolsa-família. Isso tirou muitas mulheres de relacionamentos abusivos, por exemplo, porque elas tinham ali um poder de compra, porque tinham como abrir um negócio ou sair da casa. Então isso é um tipo de projeto que é de política pública, que defende as mulheres. Quando a gente fala sobre a política pública de direito ao aborto, também evita a violência contra a mulher. Então, além do que a gente consegue falar na internet, trocar entre nós, mulheres, nós precisamos cobrar politicamente que a gente seja protegida.

Entrevista Nota 10 -  Ainda relacionado ao tema violência, ela atinge de formas diferentes as mulheres negras e brancas. As negras representam duas a cada três assassinadas no Brasil, segundo o Atlas da Violência 2021. Como uma influenciadora branca pode contribuir para alterar esse cenário?

Carol Rocha - Isso é uma das coisas que já exploro, por exemplo, no meu podcast principal, o ImaginaJuntas, criado há quatro anos e com mais de oito milhões de plays. Então, a gente sempre se preocupou em trazer essas vozes para falar e em abrir esse espaço. Eu não posso falar por essas mulheres. Preciso ceder o meu espaço, o espaço que conquistei tanto como comunicadora, fazendo podcast e trabalhando com redes sociais, como quando eu era publicitária, onde o meu foco era contratar mulheres negras para que pudessem ter acesso a entrar numa agência de publicidade em São Paulo, por exemplo. Conheci mulheres incríveis, muito capacitadas e que não tinham tido a oportunidade. Então, enquanto uma mulher branca, o que posso fazer é usar dos meus acessos e dos meus privilégios para que elas (mulheres negras) também tenham espaço e ocupem esses locais. É o que eu posso fazer. 

Entrevista Nota 10 - Você usa sua voz para levantar diversos temas relacionados às mulheres. Como a maternidade levou você a abordar novos assuntos e como estar nesse lugar de mulher e mãe ampliou essas pautas? 

Carol Rocha - Quando a gente se torna mãe, a gente entende como tudo é ainda mais violento com esse ser mulher, né? Então, eu passei por muita violência no local de trabalho. Fui basicamente despedida por ter tido um filho. E ali eu falei assim: “Não, eu não vou ficar calada quanto a isso. Eu preciso falar, preciso expor, preciso trocar com outras mulheres, né?”. E foi quando eu passei a fazer bastante conteúdo sobre isso, sobre esse posicionamento de ser uma uma mulher, uma mãe, uma profissional, porque eu fui tirada do mercado de trabalho à força. A gente ouve muito essa coisa, né? “Mas agora você pode arranjar um empreguinho mais tranquilo pra você ficar com seu filho, né? Você pode começar a empreender pra ficar mais próxima do seu filho”. Eu não queria nada disso. Queria continuar com a minha profissão dentro de uma agência, podendo me desenvolver e (essa oportunidade) foi tirada de mim. Então foi quando eu comecei a falar sobre isso eu falei eu não quero um “empreguinho”. Não quero empreender. Eu não tenho essa vontade. Eu quero ter o trabalho que eu tinha, sabe? Então passei a me manifestar e a falar e passou a se tornar uma comunidade sobre esse assunto. Com isso, consegui voltar ao mercado. Falei sobre isso. Levava meu filho (para o trabalho) sem esconder que eu tinha um filho, sabe? Parece tão simples, mas é tão visual! tem uma semiótica quando você não finge que você não é mãe! Meu último cargo em agência foi de diretora. Então eu levava meu filho e  mulheres que já tinham trabalhado naquela agência, que já tinha uma fama mais machista, diziam: “Nossa, você não tem noção do que é ver alguém com filho nesse lugar!”. Era o meu posicionamento. Na verdade, naquele dia não tinha como eu não levar porque ele deu uma adoecida. Ele ficava na escola no horário em que eu trabalhava, mas ele não estava legal. Eu não tinha com quem deixar e eu tinha coisas para fazer. Então falei: “Olha, vou ter que levar!” Então tem todo um trabalho, toda uma conversa que eu não planejei fazer ou falar. Eu simplesmente vivi. Eu precisei.Usei os recursos que eu tinha: a escrita, a influência, a minha forma de criar narrativas e passei a contar sobre essa narrativa. Mas não era um plano. Quando entra uma criança na nossa vida, a gente é jogada num lugar. E aí você tenta sair de alguma forma ou pelo menos dizer de alguma forma: “Olha, eu existo também. Eu ainda existo”. Para mim foi isso. Por isso que eu ainda falo muito sobre maternidade e as relações de trabalho.

Entrevista Nota 10 - O que você aconselharia para quem quer atuar como criadora de conteúdo digital e como vê a profissionalização nessa área? 

Carol Rocha - Entendi que a questão da produção de conteúdo para mim não era só a minha profissão como publicitária, mas também era a minha forma de expressão. Era por onde eu conseguia me expressar, porque desde antes de me tornar publicitária, sempre tive blog, sempre amei rede social, sempre produzi muito. Não era por dinheiro ou fama. Era uma forma de expressão. Encontrei ali uma forma de ser eu. Com o passar do tempo, fui crescendo na profissão como publicitária e fui crescendo como criadora de conteúdo. Até que chegou um momento em que eu já não conseguia mais conciliar, mas eu falo para todas as pessoas que são da publicidade ou são do jornalismo, são da comunicação ou da arte: é muito importante ter esse esse seu espaço de escrita e de criar um projeto que seja uma página no Instagram e tal! Essa é uma forma, inclusive, de você mostrar o seu trabalho, sabe? Sempre que eu vou a uma faculdade e vou falar me pedem: “Ah, como eu começo?”. Fazendo! Você tem que fazer. Quando eu era gerente de conteúdo, já contratei uma pessoa para minha equipe que não tinha experiência em agência, mas tinha um projeto de conteúdo na internet muito legal. Não era porque tinha milhões de views. Era uma página pequenininha, mas que o conteúdo era bem escrito, pensava direito nas imagens, tinha sagacidade. Então aquilo ali me mostrou o trabalho da pessoa, sabe? Acho que antes de pensar em como migrar e em como ser relevante, como ser famoso e como chamar atenção, a dica é: comece fazendo, experimente, conheça a ferramenta, conheça o que é o analytics (termo em inglês que dá nome a um campo de estudos vasto, que envolve operações matemáticas e estatísticas, por exemplo, para que sejam encontrados padrões de uso de dados em estratégias) de uma ferramenta. Conheça por exemplo o poder que tem um Pinterest para jogar de um lugar para o outro. Ver os próprios materiais que o Instagram produz, que o Twitter produz, que o Google produz, falando sobre suas redes, sabe? Então, acho que tem um lugar de investigação e criação antes do “quero bombar na internet”, sabe? E também porque muitas vezes é uma forma de expressão. Não precisa bombar, entendeu? É esse o meu ponto: não necessariamente precisa bombar. Quando a gente fala de nicho, que a gente entra em nichos, você ver que número não é o mais importante. (O mais importante) É criar uma comunidade, é ter presença real e não só chegar a um milhão, cinco milhões e fim. Acho que tem que começar fazendo, criando algo. 

Entrevista Nota 10 - E como é que ser uma influenciadora afeta o seu cotidiano e quais são os pontos positivos e negativos dessa visibilidade alcançada graças a internet? 

Carol Rocha -  Morando em São Paulo muitas vezes eu não percebo isso, acabo percebendo mais quando eu saio, quando estou em um outro lugar que tem pessoas que me conhecem. O que me afeta de fato eu acho que, com o passar do tempo, consegui ponderar muito bem o que era a minha vida privada do que é essa construção na internet. O que não gosto é, por exemplo, quando estou com meu filho e sou abordada. Isso é uma coisa que já falei publicamente: “Por favor, não abordem e tal”.  A vantagem maior de todo esse trabalho para mim é poder ver meu filho crescer. Ter um trabalho que eu possa ficar perto dele, que está sendo desenvolvido dentro da minha casa e que eu consiga controlar meus horários.  Porque, depois que ele nasceu, essa se tornou uma prioridade muito verdadeira para mim. A melhor parte disso, com certeza, é ser presente na vida do meu filho.

Entrevista Nota 10 - Questões como ser cobrada para assumir determinados posicionamentos nas redes sociais e para falar sobre assuntos do momento ou ser “cancelada” a preocupam? Por quê?

Carol Rocha - Olha, como o meu podcast é semanal, você acaba falando sobre tudo o que está rolando na semana. Nunca tive problemas em me posicionar sobre nada e graças a Deus eu formei ali uma comunidade de pessoas que a gente pensa próximo ou pelo menos são de pessoas que não são (voltadas) para o ataque, sabe? Foi formada realmente uma comunidade muito sadia. A gente está muito aberta à troca, a ouvir. Por isso foi tão importante levar tantos convidados para o Imagina Juntas, porque aí pude aprender junto com eles. Não tenho esse medo do cancelamento. Acho que isso é meio surreal pra falar a verdade quando a gente olha de fato para o que é o tal do cancelamento, porque isso está envolvido com muita hipocrisia. Enfim, tem muitas questões sobre o cancelar alguém que quando a pessoa está na internet ela fica sujeita, né? E ela é cancelada, como se ela nunca tivesse a oportunidade de errar. Estou falando isso quando são opiniões. Quando se trata de violência contra a mulher, racismo, gordofobia e tal, acho que realmente, se aquilo é o trabalho da pessoa, ela tem que melhorar muito pra continuar fazendo aquele trabalho, sabe? Ou se posicionar como alguém que está querendo de fato melhorar. Eu não tenho medo disso porque hoje quem me acompanha está dentro de uma comunidade de entender que a gente pode errar, mas a tentativa é de sempre estar acertando, de sempre estar aprendendo. Isso não é algo que me assusta, sabe? Tem que estar aberta às críticas. Afinal você está em um ambiente público. A sua opinião importa. A sua voz importa. Não posso fingir que a minha voz não importa, porque senão não teria marca pagando por ela.  Tenho essa responsabilidade e esse cuidado. É como assinar um contrato com esse ser invisível do do outro lado da internet. Você não vê o rosto, mas tem um contrato com ele, né? Então não tenho medo do cancelamento, justamente por ter certeza de quem eu sou no sentido de a relação que criei com as pessoas, dos assuntos que eu estou envolvida. É óbvio, óbvio, óbvio que há dez anos eu era uma outra pessoa.  Há cinco anos eu era uma outra pessoa. Tem assuntos que são extremamente recentes pra gente, não é? Acho que o importante é estar disposto a aprender. Aprender! A gente só para de aprender no dia em que morre. 

Entrevista Nota 10 - O próprio funcionamento das plataformas digitais tem gerado debate e é alvo de questionamentos sobre a transparência e sobre a forma como os dados obtidos são utilizados. É possível assumir um lugar de influenciadora e também fazer críticas a essas questões que, de alguma forma, acabam também afetando você?

Carol Rocha -
Demais! Inclusive eu critico muito o Instagram e o Twitter. Com Twitter já fiz críticas mesmo e faço trabalhos publicitários diretamente com o Twitter, porque dentro do Twitter há uma agência que seleciona quem eles veem que tem a cara de tal marca. Inclusive, também já me posicionei contra marcas e fiz trabalhos com elas. Então, o iFood quando parou, quando teve a greve  (paralisação de entregadores da plataforma em junho de 2020), eu estava apoiando quem está trabalhando, porque, no fim das contas, também sou uma trabalhadora. Não tenho nenhum meio de produção que eu sou a dona. Então, quando você olha mais próximo de quem você está trabalhando, você está na classe trabalhadora. Da mesma forma, já tinha feito trabalhos com IFood. Teve um trabalho sobre o não desperdício de comida que era institucional e eu fiz. E eles sabiam que eu tinha feito a crítica. Também sempre fui muito clara e muito transparente com isso, sabe? Antes de ser uma influenciadora ou creator, sou uma pessoa, sou uma cliente e estou fornecendo os meus dados. Então, também tenho direito nisso e eu não costumo vender o meu silêncio, não.  

Entrevista Nota 10 - Para encerrar, você esperava tanta repercussão na postagem sobre ser “cringe” (termo que vem do inglês e é utilizado como  gíria para se referir aos momentos em que pessoas passam por situações desconfortáveis)?

Carol Rocha - Saiu hoje que foi o termo mais buscado do Google no ano. Não vou dizer que é surpresa, não. Porque no podcast que faço há quatro anos, que é ouvido milhares de vezes, já discuto sobre a guerra geracional há muito tempo. Então essa pergunta tem um contexto do meu trabalho falando sobre isso. Eu só não imaginava que tomaria uma proporção assim nacional como foi, né? Mas é engraçado assim porque as pessoas me marcam muito em tudo que aparece de cringe. E o meme não é meu, eu fiz uma pergunta que viralizou por conta das respostas. Eu já tenho a visibilidade, então já tem gente que tem mais visibilidade do que eu, que me segue, que viu, que repostou, então é uma uma corrente. É muito interessante porque a gente vê como é a força da internet e da memética mesmo, né? Virou um um termo, um meme, uma brincadeira. Acho que também tem um um lugar de alívio cômico para a situação que a gente vive. É porque há tantas notícias, politicamente falando, horríveis. É uma pandemia que em junho ainda estava começando a aliviar e ter um pouco mais de controle, porque veio a vacinação. Então essas coisas se tornam alívio cômico, né? E o papel da comunicação também é esse. Também tem o entretenimento. Então, acho que foi uma boinha salva-vidas naquela semana que a gente se agarrou pra sair um pouco dos problemas e deu tudo certo.

Entrevista Nota 10 - A gente está em uma universidade, um ambiente de aprendizado. O que você aconselharia a quem está começando e decidindo que caminhos seguir na carreira nesse momento tão difícil?

Carol Rocha - Não pare de estudar! Parei de estudar em um momento de extrema necessidade. Eu era bolsista do Prouni e parei por causa do trabalho, porque precisava de mais dinheiro. Estou retomando agora, depois de dez anos, a minha formação de psicóloga. Pelo menos para mim, o estudo salvou a minha vida, me tirou da pobreza, me abriu portas para outras realidades as quais eu não tinha acesso. Então, apesar de estar em um momento muito difícil, não pare de estudar. Sempre esteja aberto ao aprendizado, à mudança. A gente precisa também ser otimista, no sentido de que ficar triste e revoltado o tempo inteiro mina muita coisa dentro da gente, sabe? No macro, a gente está passando por muita coisa horrível, por muita coisa difícil. Mas dentro do nosso microuniverso, da nossa casa, com as pessoas que a gente ama, a gente tem de se permitir também esses momentos de alegria, de amor, de risada, de dançar, de fazer uma comida, sabe? Porque essa tristeza global que a gente está vivendo vai mudar e a gente precisa estar forte. Para a gente estar forte, precisa ser feliz dentro de casa, na nossa convivência também.