Entrevista Nota 10: André Mattos e a odontologia como ponte profissional e científica entre Brasil e Japão

seg, 7 abril 2025 14:46

Entrevista Nota 10: André Mattos e a odontologia como ponte profissional e científica entre Brasil e Japão

Docente do curso de Odontologia da Unifor foi único cirurgião-dentista do Norte e Nordeste a ser convidado em 2025 pela multinacional japonesa Shofu para uma visita técnica, onde também apresentou a universidade


Mestre e doutor em Odontologia, André é coordenador dos cursos de Aperfeiçoamento em Estética Dentária na Associação Brasileira de Odontologia - Seção Ceará (ABO/CE) (Foto: Ares Soares)
Mestre e doutor em Odontologia, André é coordenador dos cursos de Aperfeiçoamento em Estética Dentária na Associação Brasileira de Odontologia - Seção Ceará (ABO/CE) (Foto: Ares Soares)

A produção do conhecimento científico se beneficia em diversos aspectos com a interação entre diferentes culturas e visões de mundo, uma questão que se intensifica cada vez mais no contexto globalizado. No campo da odontologia, não é diferente, especialmente quando a academia e o mercado unem forças para impulsionar a evolução técnica e tecnológica da ciência.

O cirurgião-dentista André Mattos Brito de Souza, professor do curso de Odontologia da Universidade de Fortaleza, pôde explorar esse cenário com o convite da Shofu, uma multinacional japonesa de produtos e equipamentos odontológicos, para participar de uma visita técnico-científica à empresa, que aconteceu em março deste ano.

Em 2025, ele foi o único representante do Norte e Nordeste na turma com cerca de 15 dentistas brasileiros que foram convidados para a viagem, que reconhece o ofício clínico e acadêmico desses profissionais. Na ocasião, André apresentou um trabalho em inglês, assim como o curso de Odontologia e a própria Unifor por meio de um vídeo institucional.

Por lá, também visitou três universidades japonesas, promovendo a internacionalização no campo da pesquisa científica pelo diálogo e troca de experiências com docentes e pesquisadores locais nas diferentes áreas da odontologia. “Tudo isso agrega para a Unifor a possibilidade de entrarmos em linhas de pesquisa novas que são de interesse deles, inclusive para fazer publicações em conjunto”, conta.

Graduado, mestre e doutor em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), André possui aperfeiçoamento em Dentística pela Academia Cearense de Odontologia (ACO). Além de membro fundador da Basic, empresa de ensino especializado em odontologia, é professor e coordenador dos cursos de Aperfeiçoamento em Estética Dentária na Associação Brasileira de Odontologia - Seção Ceará (ABO/CE).

Na Entrevista Nota 10 desta semana, ele fala sobre a importância da produção científica para a evolução da área de odontologia, além de compartilhar a experiência e os frutos da visita-técnica à Shofu.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — A atuação profissional na área de odontologia costuma estar intimamente ligada à evolução tecnológica de produtos, equipamentos e técnicas? Como o desenvolvimento desses aspectos impactam na qualidade da clínica odontológica atual e futura, especialmente na prática cotidiana? 

André Mattos — A evolução da odontologia, com certeza, está relacionada com o desenvolvimento de novas tecnologias e técnicas, e isso, inclusive, vem acontecendo em progressão geométrica. Quando você vai para um congresso, você se depara com uma quantidade absurda de novas tecnologias, mas muitas delas são aplicáveis no dia a dia e muitas não, e algumas ainda precisam de um período para se estabelecer.

O que eu gosto de dizer para os meus alunos é que tentem acompanhar o ritmo das mudanças, afinal, se não acompanharmos, podemos ficar para trás. Por outro lado, tenham o conhecimento da vanguarda, o conhecimento de realizar os tratamentos da maneira tradicional, porque nem todo canto vai ter acesso às tecnologias mais atualizadas. E se você não tiver aquele equipamento, ou se aquele equipamento, por exemplo, não estiver disponível ou funcionando em uma determinada situação, o bom dentista sabe realizar o procedimento e contornar aquela situação do jeito tradicional, clássico. Então, não adianta nada, também, querermos estar atentos ao que há de mais tecnológico se não detemos o que é de mais clássico.

Entrevista Nota 10 — Qual a importância da pesquisa científica nesse desenvolvimento tecnológico e técnico na odontologia? O contato com os mercados nacionais e internacionais, seja por meio de empresas especializadas e/ou profissionais atuantes, traz que tipo de vantagens para a produção acadêmica nessa área? 

André Mattos — A pesquisa científica é de extrema importância em todas as áreas. E puxando para a área de odontologia, hoje vemos muita pseudociência. Muita gente falando o que quer nas redes sociais, e isso acaba, por vezes, se tornando verdade para algum tipo de profissional que não tem o hábito de consumir artigo científico, de ver o que está sendo trabalhado de forma séria.

O Brasil conta com uma gama de pesquisadores reconhecidos internacionalmente. Existe um estímulo da nossa área para que alunos participem de programas de mestrado e de doutorado. E muitos desses programas possibilitam a conexão e a internacionalização entre pesquisadores de diferentes países ou mesmo dentre os estados do nosso país. E isso faz com que essa troca de experiência gere frutos que fortalecem a formação dessa pesquisa científica. 

Infelizmente, o nosso país ainda enfrenta problemas com relação à pesquisa científica no quesito dinheiro, verba. Sabemos que depende de governos e investimentos para que tenhamos laboratórios e profissionais que possam desenvolver essa pesquisa científica e serem remunerados de forma justa. Mas existe uma capacidade enorme do pesquisador brasileiro em se destacar no mundo. Tem vários artigos científicos importantes, mundo afora, que são veiculados por pesquisadores brasileiros. E isso é um orgulho dentro da nossa profissão e dentro da nossa Universidade.

Entrevista Nota 10 — No dia 10 de março, você representou a Universidade de Fortaleza em um evento da Shofu, multinacional de produtos e equipamentos odontológicos. Como surgiu esse convite? Poderia compartilhar como foi a experiência e o que você apresentou por lá?

André Mattos — Eu e o professor Jiovanne Neri temos um bom relacionamento com a empresa Shofu desde 2020, porque usamos os produtos deles tanto no consultório quanto nos cursos que ministramos de pós-graduação. Em 2020, tivemos a oportunidade de conhecer o presidente da Shofu no Brasil, o senhor Tomomi Harashima, e de estreitar os laços - hoje considero que eu tenho amizade com o Tomomi. E os produtos da Shofu apresentam uma tecnologia chamada de Giomer, que é uma inovação dentre os produtos odontológicos e só eles têm essa patente.

Como professores, além de clínicos, nós estudamos bem, nos aprofundamos nessa tecnologia e tivemos a oportunidade de palestrar no maior congresso do Norte e Nordeste em 2023, falando um pouco dessa tecnologia. Foi um congresso que levou para a nossa palestra mais de 800 pessoas, um sucesso, eles gostaram, e nós estabelecemos um estreitamento de laços.

Todo ano, a Shofu convoca alguns dentistas brasileiros com os quais gostaria de estreitar laços, e dos quais gostam do trabalho, para fazer uma visita técnico-científica ao Japão. Em 2023, o professor Jiovanne teve a oportunidade, sendo o primeiro do Norte e Nordeste a ser convidado, e agora eu fui o segundo. Eu recebi o convite e tive a oportunidade de visitar, além da Shofu, três universidades do Japão.

Existiu um desafio de apresentar um trabalho em outra língua, em um outro país, para um grupo seleto de professores. Isso na minha carreira marcou muito, acho que foi um dos maiores desafios que eu tive até hoje, além do conhecimento adquirido.

Entrevista Nota 10 — Antes de sua participação neste ano, outro docente do curso de Odontologia da Unifor, Jiovanne Neri,  também foi convidado pela Shofu para o mesmo evento em 2023. O que os convites revelam sobre a visão internacional do cenário de pesquisa e desenvolvimento em odontologia aqui no Brasil, especialmente no Ceará? Essa conexão fortalece a cena odontológica do Nordeste de alguma maneira?

André Mattos — Para o Nordeste, isso foi uma oportunidade ímpar. Primeiro porque os produtos da Shofu não são difundidos no Nordeste como são difundidos no Sul e Sudeste do Brasil. E também porque, normalmente, convites como esse acontecem em grandes centros, em grandes universidades que costumam estar estabelecidas no Centro-Sul do país.

Termos essa oportunidade de mostrar o que somos capazes dentro de universidades que estão no Nordeste, é uma honra incrível. Então, eu fazer parte daquele grupo seleto de professores que estavam lá naquele momento foi um orgulho, um motivo de muita gratidão pelo reconhecimento desse trabalho.

Entrevista Nota 10 — E para a graduação em Odontologia, o que esses convites significam? A formação acadêmica e profissional dos alunos da Unifor na área odontológica se beneficia de que forma dessas pontes internacionais?

André Mattos — Durante a apresentação na Shofu, eu tive a oportunidade de mostrar um vídeo institucional em inglês da Universidade de Fortaleza, que apresenta não só o curso de Odontologia, mas os demais cursos, as possibilidades de pesquisa e o campus da Unifor. Eles ficaram impressionados com como o Ceará tem uma universidade tão grande, tão bem equipada e com tantas possibilidades. Foi uma oportunidade tanto de mostrar o meu trabalho pessoal como de mostrar a instituição onde eu trabalho e as possibilidades de pesquisa e de futuro que podemos ter em parceria com essa empresa.

E o saldo no final foi extremamente positivo. Eu tive a possibilidade de conhecer o Japão, que era um sonho pessoal, tive o meu trabalho reconhecido por uma grande empresa internacional. Pude conhecer professores brasileiros, que eu só conhecia por artigo científico, pessoalmente. Pude conhecer docentes japoneses que eu também conhecia no trabalho, mas tive a oportunidade de ter contato e aula diretamente com eles.

E no final de tudo, tivemos ainda a possibilidade de inspirar os alunos. Um feedback que eu tive dos meus estudantes, quando eu cheguei, foi "professor, eu pude acompanhar sua trajetória, o dia a dia lá [pelo Instagram], e isso pra gente foi, como aluno de odontologia, uma inspiração".

Então, surgiram ideias para inclusão de assuntos em determinadas aulas teóricas e ideias para a nossa pesquisa - conseguimos convencer outros professores aqui da Unifor de que podemos trabalhar dentro dessa linha de pesquisa. Além de trazer essa inspiração para os nossos alunos, que é o que faz tudo girar, faz com que uma geração nova tenha vontade de pesquisar, tenha vontade de crescer e ser bons dentistas. No final das contas, tudo vai ser bom para todo mundo: vai ser bom para mim, vai ser bom para a universidade, vai ser bom para o paciente e vai ser bom para o futuro da odontologia.

Entrevista Nota 10 — Na sua passagem pelo Japão, você também visitou universidades locais, onde conversou com professores e conheceu as linhas de pesquisas desenvolvidas por lá. Como esse tipo de contato ajuda a promover a internacionalização da Unifor, especialmente no âmbito científico? Qual a importância desse diálogo para a formação dos novos profissionais que saem daqui?

André Mattos — Nós visitamos a Universidade de Tóquio, a Universidade de Kyushu e a Universidade de Osaka. Tivemos aulas com os professores das universidades, falando das linhas de pesquisa, das novidades e também da tecnologia de Giomer, presente nos produtos da Shofu. E tivemos a oportunidade de conhecer essas universidades como um todo.

Também tivemos a oportunidade de visitar a empresa multinacional Shofu. Lá, todos os professores foram convidados - docentes da USP, da Unicamp, entre outros - para falar um pouco da sua rotina, da sua formação profissional e dar devolutivas sobre os produtos da Shofu. Então, [a ideia seria] mostrar onde os profissionais utilizam aqueles produtos e dar feedbacks positivos e negativos para que a empresa possa desenvolvê-los e aprimorá-los.

Além disso, foi feito um convite, por conta dos professores das universidades, de estreitar parcerias de pesquisa científica. Então, como nós somos professores universitários, eles gostariam de estreitar a possibilidade de realizar pesquisas que fossem publicadas em conjunto com os docentes das universidades do Japão e os professores das principais universidades do Brasil.