Entrevista Nota 10: Maristela Crispim e os novos caminhos do jornalismo ambiental no Brasil

seg, 19 maio 2025 16:06

Entrevista Nota 10: Maristela Crispim e os novos caminhos do jornalismo ambiental no Brasil

Professora do curso de Jornalismo da Unifor fala sobre sua posse como presidente da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental e os desafios de fortalecer a atuação de comunicadores ambientais em todo o país


Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Maristela conta com mais de 20 anos de atuação na RBJA (Foto: Arquivo pessoal)
Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Maristela conta com mais de 20 anos de atuação na RBJA (Foto: Arquivo pessoal)

Falar sobre meio ambiente vai muito além de dados climáticos, biodiversidade e desastres naturais. É falar sobre vidas, territórios e direitos. Em um momento de tantas urgências socioambientais e negacionismo, o jornalismo ganha ainda mais relevância como instrumento de conscientização e transformação. 

Para a Maristela Crispim, professora do curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza — instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz —, esse compromisso com a informação de qualidade está diretamente ligado a um exercício ético, político e formativo da profissão.

Com mais de duas décadas de envolvimento na Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA), Maristela acaba de assumir a presidência da entidade para o biênio 2025-2027. À frente da nova diretoria, ela conduz um processo de reestruturação que busca fortalecer a atuação de jornalistas ambientais em todo o país. 

Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Maristela é editora-chefe da agência Eco Nordeste, cofundadora do Instituto Eco Nordeste e já foi reconhecida com mais de 50 prêmios jornalísticos ao longo da carreira. 

A jornalista leva para a sala de aula a experiência prática de quem cobre pautas socioambientais há mais de 30 anos. Sua missão, como ela mesma afirma, é plantar nos alunos uma semente de consciência crítica sobre o mundo em que vivemos.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, ela comenta os desafios do jornalismo ambiental, reflete sobre sua trajetória e destaca como a formação universitária pode preparar profissionais mais conscientes e conectados às urgências do nosso tempo.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Você acaba de assumir a presidência da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA) para o biênio 2025-2027. O que representa essa nova fase na sua trajetória e quais são os principais desafios da nova gestão?

Maristela Crispim — Essa nova fase é realmente bastante desafiadora, porque a direção que assumiu agora tem o papel de conduzir uma transição importante. Estamos saindo de uma estrutura informal, baseada em grupos de e-mail, para uma organização de fato, que represente oficialmente os jornalistas ambientais do Brasil. 

Nossa primeira ação será consultar os membros da Rede para entender quem são, tempo de profissão, formação, área de atuação, aspirações e o que esperam da RBJA. Também queremos saber se estão dispostos a se associar, a contribuir financeiramente, mesmo que com valores simbólicos, e quais benefícios gostariam de ter.

A ideia é reestruturar a Rede em várias frentes: recadastramento, consolidação do modelo associativo e reformulação da comunicação institucional. A RBJA se tornou uma organização sem fins lucrativos em 2016, mas esse processo ficou estagnado. 

Agora, temos dois anos para estruturar a entidade como uma instância de agregação e troca entre jornalistas, comunicadores e estudantes que atuam ou têm interesse no jornalismo ambiental. Queremos oferecer serviços de qualificação e outros benefícios relevantes para os associados.

Além disso, queremos que a RBJA se posicione institucionalmente em temas importantes, como fazem outras entidades do jornalismo brasileiro. Já estamos nos preparando para o IX Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, que acontecerá de 7 a 9 de maio de 2026, no Rio de Janeiro. Estamos cuidando da captação de recursos e da definição da estrutura. Será um evento marcante para essa nova fase.

Entrevista Nota 10 — Um dos objetivos da nova direção é fortalecer a institucionalização da RBJA e ampliar o apoio a comunicadores ambientais em todo o país. Quais caminhos você enxerga para alcançar essa estruturação e por que ela é tão importante hoje?

Maristela Crispim — Como mencionei, fortalecer a institucionalização é fundamental para ampliar nosso alcance e oferecer suporte concreto aos profissionais. Queremos, por exemplo, estimular a realização de congressos regionais nos anos em que não houver o congresso nacional. A ideia é valorizar as especificidades de cada região e fortalecer o jornalismo ambiental nos diferentes biomas do país.

Além disso, estamos em busca de apoios financeiros não apenas para viabilizar os eventos, mas também para garantir o funcionamento da própria RBJA. Sabemos que muitos jornalistas não podem arcar com mensalidades altas, por isso, a ideia é estabelecer uma taxa simbólica de associação. Mas, mesmo assim, será necessário buscar outros recursos para estruturar a Rede e oferecer serviços e benefícios que façam diferença para quem atua na área.

Entrevista Nota 10 — Com mais de 20 anos de atuação na Rede, você acompanhou de perto os avanços e desafios do jornalismo ambiental no Brasil. Como avalia o cenário atual da área e quais oportunidades se abrem para os profissionais da comunicação?

Maristela Crispim — Minha participação na RBJA foi decisiva para o direcionamento da minha carreira. Foi a partir dela que resolvi fazer mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente e aprofundar meu olhar sobre a nossa região. No início, percebia que a cobertura ambiental estava muito concentrada em dois biomas: Mata Atlântica e Amazônia. Hoje, essa concentração se dá sobretudo na Amazônia, o que é preocupante.

Temos outros biomas igualmente relevantes sendo negligenciados. O Pampa praticamente não existe mais. O Pantanal sofre com queimadas e secas cada vez mais intensas. O Cerrado, com o avanço do agronegócio, vem sendo destruído em ritmo acelerado. E a Caatinga, nosso único bioma exclusivamente brasileiro, continua sendo estereotipada como pobre ou frágil, quando na verdade é um bioma extremamente resiliente.

Boa parte dessa visão distorcida se deve à imprensa. Ainda vemos veículos, inclusive do Nordeste, reforçando estereótipos sobre o semiárido. Mas há avanços. Hoje temos veículos independentes e até tradicionais fazendo coberturas mais qualificadas sobre o meio ambiente. Ainda há muito a melhorar, mas o cenário é mais promissor do que há 20 anos.

Entrevista Nota 10 — Sua trajetória reúne experiências tanto na imprensa tradicional quanto em projetos independentes. De que forma esse percurso contribui para sua atuação agora como presidente da RBJA?

Maristela Crispim — Já estive em várias posições: imprensa tradicional, projetos independentes, assessoria e agora também como professora universitária. Isso me permite compreender melhor as diferentes realidades dos profissionais da RBJA, que atuam em múltiplos contextos — veículos tradicionais, mídia independente, assessorias e academia.

Ter vivenciado essas diferentes experiências facilita minha interlocução com os membros da Rede e contribui para uma gestão mais empática e representativa. Entendo os desafios e as oportunidades de cada campo, e isso certamente fortalece minha atuação na presidência.

Entrevista Nota 10 — Como professora do curso de Jornalismo da Unifor, de que forma você avalia a formação dos futuros profissionais para atuarem com jornalismo ambiental? Qual é o papel da universidade na preparação de jornalistas comprometidos com a responsabilidade socioambiental?

Maristela Crispim — Em um mundo ideal, todos nós seríamos naturalmente conectados à natureza. Não precisaríamos de uma formação específica em jornalismo ambiental. Mas a realidade é outra. Há muita negação e alienação sobre a crise socioambiental, e isso nos obriga a investir na formação cidadã desde a universidade.

Sempre reforço com meus alunos que somos, antes de tudo, cidadãos. Como jornalistas, precisamos entender o contexto em que vivemos e agir com responsabilidade. Costumo dizer que só se preserva o que se conhece. Por isso, abordo temas como biomas, unidades de conservação, mudanças climáticas e grandes conferências internacionais nas minhas aulas. Tudo isso ajuda a formar uma base sólida de conhecimento.

Não pretendo formar 30 jornalistas ambientais por turma. Mas se cada aluno sair com uma visão crítica mais apurada, com vontade de buscar fontes diversas e refletir sobre o que produz, já cumpri meu papel. A universidade tem um papel crucial em plantar essa semente.

Entrevista Nota 10 — A Unifor conta com professores que trazem para a sala de aula experiências práticas e premiadas em áreas especializadas do jornalismo. Qual é a importância desse diferencial na formação dos estudantes?

Maristela Crispim — Mostrar produções de excelência aos alunos é uma forma poderosa de inspirá-los. Minhas aulas têm sempre uma combinação de teoria e prática, e faço ao menos uma aula de campo por semestre. Nesses momentos, os alunos vivenciam, na prática, aquilo que discutimos em sala.

Trago reportagens premiadas como referência, mas também os incentivo a buscar temas locais, que tenham relação com sua realidade. Mesmo sem combinar entre si, os temas escolhidos pelas turmas geralmente se complementam. Isso mostra a riqueza de possibilidades que o jornalismo ambiental oferece.

O jornalismo ambiental está em tudo: no bairro, na cidade, no cotidiano. Às vezes, as pessoas não percebem. Mas quando os alunos aprendem a observar ao redor e entender como questões globais, como as mudanças climáticas, impactam diretamente sua realidade, eles passam a produzir com mais consciência. Esse é um dos maiores ganhos que a formação pode oferecer.