null Transtorno do Espectro Autista: uma caminhada de descobertas e superações

Sex, 17 Junho 2022 11:21

Transtorno do Espectro Autista: uma caminhada de descobertas e superações

O papel dos pais e familiares no processo de aceitação, acolhimento e reabilitação de crianças autistas 


Observação, conhecimento e orientação são componentes necessários para que os pais com crianças dentro do espectro autista garantam um bom desenvolvimento sociocomunicativo aos seus filhos (Foto: Getty Images)
Observação, conhecimento e orientação são componentes necessários para que os pais com crianças dentro do espectro autista garantam um bom desenvolvimento sociocomunicativo aos seus filhos (Foto: Getty Images)

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) está classificado na 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria, na categoria “Transtorno do Neurodesenvolvimento”. Ele é definido como um distúrbio do desenvolvimento neurológico caracterizado por afetar as dimensões sociocomunicativas e comportamentais do indivíduo.

O TEA é como um guarda-chuva: debaixo dele estão reunidas desordens que podem se apresentar desde o nascimento ou nas fases iniciais da infância. Algumas são: Autismo Infantil, Autismo Atípico, Transtorno Global do Desenvolvimento e a Síndrome de Asperger, entre outras. É importante ressaltar que os transtornos abrangidos pelo TEA são permanentes, e acompanharão o indivíduo durante o resto de sua vida.
 
De acordo com o DSM-5, os sintomas mais comuns apresentados por pessoas dentro do espectro são: comportamentos repetitivos (estereotipias) e restritos, dificuldades na comunicação ou socialização, assim como interesses fixos e sensibilidade a estímulos sensoriais. No entanto, esses sintomas podem se manifestar de maneiras e intensidades diferentes em cada pessoa. 
 
De acordo com Julyana Maia, professora do curso de Fisioterapia da Universidade de Fortaleza, instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz, os pais e/ou cuidadores de crianças pequenas podem detectar o distúrbio por meio de certos sinais de alerta, como a falta de contato visual durante a mamada, independente se for no seio ou com a mamadeira, ou até mesmo pelo choro, a principal maneira de comunicação dos bebês. 

“Aquela criança que ou chora demais e é inconsolável, ou não chora, por questões triviais que todo bebê chora. Por exemplo: a criança está suja e quer ser limpa; está cansada, está entediada e quer o conforto e o calor do colo do cuidador; ou está com fome. Então, crianças bem pequenas já podem sim demonstrar alguns sinais de alerta e, à medida que ela vai crescendo, isso fica mais evidente”, explica a docente. 

Caminhada

Após detectarem os sinais de alerta, é interessante que os pais procurem uma equipe de reabilitação ou algum profissional da saúde que atenda e trabalhe diretamente a demanda de maior necessidade na criança. Esse passo deve ser tomado antes do diagnóstico de TEA, porque, como esclarece Maia, é a partir desse primeiro contato que, consequentemente, os profissionais responsáveis pelo diagnóstico do transtorno (neuropediatra e/ou um psiquiatra médico pediátrico) poderão confirmar se a criança é, ou não, autista.  


 Docente da Universidade de Fortaleza, Julyana Maia é doutora em Biotecnologia e coordena o Grupo de Estudos em Neonatologia e Pediatria (GENPE) (Foto: Acervo pessoal)

“[O processo] não é uma coisa rápida. O médico vai pedir relatórios desses profissionais que estão acompanhando a área do desenvolvimento neuropsicomotor que está apresentando o alerta. Então, não é como você ir numa emergência e ter o diagnóstico de pneumonia. É uma caminhada”, pontua a professora.

O caminho para o diagnóstico, desde a apresentação do primeiro sintoma, é de muito conhecimento e observação, principalmente em relação ao desenvolvimento dos pequenos que, por vezes, passa despercebido aos olhos dos pais. A atenção redobrada à criança que está dando indícios de TEA se torna fundamental para que os pais e familiares consigam se informar acerca das particularidades desse distúrbio, a fim de proporcionar uma melhor qualidade de vida e garantir o desenvolvimento da autonomia de seus pequenos.

Medo do desconhecido

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada 160 crianças é diagnosticada com TEA. No entanto, embora esse seja um número considerável, o autismo ainda gera dúvidas, e isso se deve ao fato do tema ser rodeado de tabus. Muitas vezes, esse estigma tem início no seio familiar, antes mesmo da criança receber o diagnóstico. 

Maia explica que os pais, durante toda a espera da chegada da criança, criam um “filho imaginário”, um ser muito desejado e sonhado em suas mentes e corações. Porém, quando a realidade não bate com o que foi idealizado, e o filho manifesta sinais de ser uma criança atípica, os pais vivenciam uma maifestação de “luto”, mesmo que a criança esteja viva. 

Como qualquer processo de perda, uma das etapas é a rejeição. Dessa forma, é importante que os profissionais da saúde, ao trabalharem com crianças autistas e suas famílias, entendam todo esse contexto de “perda”. Julyana salienta que os hábitos de vida desses indivíduos mudam quando a criança chega na reabilitação, pois tudo que acontece nos hospitais ou nas clínicas vem acompanhado de prescrições para os pais realizarem em casa com os pequenos. 

Germana Alcântara, psicóloga graduada pela Unifor que trabalha diretamente com crianças autistas no Programa de Inclusão Sócio-Educacional (Proise) do Núcleo de Atenção Médica Integrada (Nami) da instituição, acrescenta que esse sentimento também é resultado do desconhecimento do que é o autismo. 


Germana Alcântara é graduada em Psicologia pela Universidade de Fortaleza e também possui formação em Serviço Social pela UECE, com Mestrado em Neurocognição e Linguagem pela Universidade do Porto, em Portugal. (Foto: Acervo pessoal)

“Existe uma supervalorização do nome e, consequentemente, do medo que ele traz. Quando você vê o autismo, a primeira coisa que você faz é ir no Google, e o resultado da pesquisa traz tudo de ruim: apresenta uma criança que não vai falar, não vai se relacionar, não vai conseguir crescer na vida. Então, é preciso desmistificar o tabu do autismo. A gente tem medo daquilo que a gente não conhece, e é por isso que o diagnóstico se faz tão importante, porque ele não está fadado ao fracasso. Ele é um caminho de possibilidades”, defende Alcântara. 

A informação e orientação parental é fundamental para o desenvolvimento da criança com TEA. Dessa forma, os familiares, além de aprenderem a lidar com suas próprias frustrações, serão mais compreensíveis com seus filhos e suas particularidades, resultando no fortalecimento no trabalho desempenhado pelos profissionais da saúde e, no geral, em um processo de reabilitação tranquilo e rodeado de respeito e compreensão.

Saiba mais sobre o Proise

O Programa de Inclusão Sócio-Educacional (Proise) da Unifor existe há mais de dez anos. Ele surgiu da necessidade de auxiliar as crianças que, diagnosticadas com Transtorno Global do Desenvolvimento (a sigla TEA ainda não era utilizada), apresentavam grandes dificuldades em suas habilidades sensoriais, cognitivas, motoras, de comunicação e/ou sociabilização, e tinham essas dificuldades como obstáculo na realização de suas atividades cotidianas. 
 
Assim, o Proise foi idealizado para ser um programa multidisciplinar, com a presença de profissionais de diversas áreas da saúde. Hoje, o serviço é composto por terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogas e psicólogas, e tem a capacidade de atendimento de, em média, 70 a 80 crianças, todas na faixa etária dos dois aos seis anos. Para os atendimentos, os pacientes são divididos entre o turno da manhã e o da tarde. 
 
Nele, as crianças são atendidas em grupo, com o objetivo de favorecer e tornar o ambiente um potencializador e incentivador da comunicação e socialização dos pacientes. No programa, os profissionais desenvolvem atividades que objetivam estimular e potencializar as habilidades dos pacientes, além de trabalhar com o suporte familiar, dando orientações aos pais e cuidadores sobre questões relacionadas à rotina e à capacidade funcional dessas crianças.