A formação que turbina um profissional cidadão

seg, 4 dezembro 2023 11:35

A formação que turbina um profissional cidadão

Inserir as atividades de extensão nos diferentes componentes curriculares dos cursos de graduação é uma forma de garantir maior envolvimento social e protagonismo dos alunos durante sua formação profissional na Universidade de Fortaleza


A Unifor decidiu abraçar a resolução do MEC de 2018 como um estímulo para formalizar suas práticas extensionistas na graduação (Imagem: Getty Images)
A Unifor decidiu abraçar a resolução do MEC de 2018 como um estímulo para formalizar suas práticas extensionistas na graduação (Imagem: Getty Images)

Devolver à sociedade uma parcela do que é produzido no mundo acadêmico é uma premissa da atividade de extensão, um dos três pilares que ancoram uma universidade, junto ao ensino e à pesquisa. Por meio dela, serviços e benefícios são oferecidos à sociedade em ações que, paralelamente, contribuem para a formação técnica e o desenvolvimento de competências socioemocionais dos alunos. 

A Universidade de Fortaleza, instituição vinculada à Fundação Edson Queiroz, tem uma longa tradição com as atividades extensionistas, desenvolvidas desde sua fundação, há meio século. Mas, nos últimos anos, a extensão foi também levada diretamente para a matriz curricular das graduações.

Em 2018, uma resolução do Ministério da Educação (MEC) estabeleceu que ao menos 10% do total da carga horária curricular estudantil seja composta por ações de extensão. É uma forma de garantir que os universitários não deixem o curso sem vivenciar essa experiência.

“A Unifor, por ter nascido como Universidade, sempre oportunizou aos seus estudantes, além da experiência no ensino, a possibilidade de participação em projetos de pesquisa e de extensão”, pontua a assessora de Desenvolvimento Curricular da Vice-Reitoria de Ensino de Graduação e Pós-Graduação (VRE), Cristina Maia.

Mas, se antes a participação em ações de extensão ocorria mais de modo complementar à formação, a chamada curricularização da extensão implica que todo aluno de graduação passará obrigatoriamente pela experiência extensionista durante sua formação.

Já no semestre seguinte ao normativo do MEC, em 2019, a Unifor decidiu abraçar a resolução como estímulo para formalizar suas práticas. A partir daí, todas as atualizações de matrizes curriculares de cursos existentes ou de novos cursos criados na Unifor passaram a integrar a extensão por meio de dois tipos de disciplinas.

A primeira delas está associada ao Componente Curricular de Extensão (CCEX), que é cursado e integra a ação de extensão como metodologia do processo de ensino-aprendizagem. Já a segunda engloba as Atividades Extensionistas, nome do componente curricular para o qual é permitido ao aluno consignar carga horária de suas participações em outras ações de extensão cadastradas na Vice-Reitoria de Extensão e Comunidade Universitária (Virex).


“A curricularização da extensão fomenta a formação cidadã do estudante pela aplicação do conhecimento em vivências integradas à matriz curricular, contribuindo não apenas para o desenvolvimento de competências técnicas, mas, sobretudo, socioemocionais, que na Unifor são designadas de Competências de Vida (CVida) – Cognição, Comunicação, Colaboração e Cidadania.”
Cristina Maia, assessora de Desenvolvimento Curricular da VRE

O fato é que a curricularização da extensão é um jogo de ganha-ganha. De um lado, a formação integral dos estudantes para uma atuação profissional de excelência, seja em que área for. Do outro, a promoção da transformação social e o desenvolvimento do senso de comunidade. Na prática, são ações, projetos, eventos e programas nos quais os alunos são instados a interagir e contribuir com a sociedade. 

Estimular a visão cidadã desde o primeiro semestre

A estudante de Direito Alicia Passos foi apresentada ao mundo da extensão logo que entrou na Universidade. Ela está concluindo o primeiro semestre e já participou ativamente de dois projetos. Na disciplina “Homem e a Sociedade”, foi para o Instituto Filippo Smaldone realizar atividades lúdicas, como caça ao tesouro e bingo, com as crianças portadoras de deficiência auditiva.

Já na disciplina de “Gestão Consensual de Conflitos”, viu a turma ser dividida em grupos para criar um podcast relacionado à deficiência. A equipe dela realizou um episódio sobre deficiência cognitiva, com suporte da psicopedagoga institucional e clínica Glicia Passos. O resultado está no canal de Youtube “Voz Ativas”, criado pela sala.

“Nesse semestre, aprendi em aula o que era a imaginação sociológica, exigir de nós mesmos, pensarmos fora de nossa rotina e furarmos a bolha em que é conveniente vivermos. Aprender sobre isto na teoria ou apenas para prova é desperdiçar oportunidades que a Universidade está nos dando para a formação de bons cidadãos e futuros profissionais”, diz Alicia. Para ela, ações e projetos de extensão como estes também alertam sobre empatia e a importância dela para o exercício profissional.

O curso de Direito está vinculado ao Centro de Ciências Jurídicas (CCJ). Lá, nos primeiros semestres, os alunos atuam junto a idosos e pessoas com deficiência. A partir dos problemas identificados, eles elaboram produtos como cartilhas, oficinas, banners, jogos ou mesmo protótipos de aplicativos voltados para acessibilidade. Parte desses produtos são aplicados tanto em visitas técnicas em instituições (como Pastoral do Idoso, ICES, Residencial Girassol e Residencial Verde Vida) quanto na Unifor, no dia D.

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No terceiro semestre, os discentes compareceram a alguns núcleos de órgãos de defesa ao consumidor, como o Procon e o Decon de Fortaleza, para coletar dados objetivando construir um observatório sobre o superendividamento. Eles então elaboraram cartilhas nas quais forneciam todo o direcionamento voltado para o consumo consciente.

Já no quarto semestre, o público-alvo foram os microempreendedores. Neste sentido, em associação com o Núcleo de Apoio Contábil e Fiscal (NAF) da Unifor, foi realizado um evento no qual os estudantes apresentaram jogos e oficinas sobre as informações relacionadas ao microempreendedor individual. Os alunos também elaboraram uma cartilha na qual dão dicas sobre como fechar contratos de forma mais segura.

Alicia diz que é preciso reconhecer a importância destas oportunidades para que o aluno entenda melhor a realidade do outro e possa criar um propósito que vai além de algo só sobre si. “Aprender pequenas coisas como estas logo no primeiro semestre é uma grande oportunidade que deve ser reconhecida e valorizada”, acredita.


“Dentro da Unifor, existe um mundo de possibilidades na extensão. Por exemplo, o projeto da Cidadania Ativa nos mostra uma outra possibilidade, a de continuarmos com a extensão abordando e trazendo situações e práticas de interesse social. Então, se fosse uma avaliação dada como nos filmes e livros, eu avaliaria a extensão com cinco estrelas.”Alicia Passos, estudante do curso de Direito

A extensão também contribui para uma vivência multidisciplinar

Aluno do sexto semestre do curso de Fisioterapia, vinculado ao Centro de Ciências da Saúde (CCS), Wanderson Oliveira acredita que a curricularização da extensão facilitou o engajamento dos discentes nas ações e melhorou o processo de aprendizagem.

“Participei como organizador do I Colóquio de Fisioterapia Cardiovascular da disciplina de Cardiovascular, de ação educativa pelas mídias sociais na disciplina de Fisioterapia em Saúde da Mulher e do Homem e de outra ação educativa por meio de um documentário no evento INOVA-S, no Estágio de Fisioterapia em Atenção Primária à Saúde”, enumera.

Nos 11 cursos de graduação do CCS, cerca de 107 ações ligadas ao Componente Curricular de Extensão (CCEx) já haviam sido implantadas até este segundo semestre de 2023. Nelas, programas, projetos, cursos, oficinas, eventos e prestação de serviço contam com o comprometimento de estudantes e docentes na construção de estratégias e alternativas relacionadas à interação acadêmica da Universidade com a comunidade.

“O I Colóquio [de Fisioterapia Cardiovascular] foi uma das primeiras oportunidades de lidar com o planejamento e organização de um evento acadêmico de alta relevância científica”, recorda Wanderson. O desafio lhe deu a oportunidade de trocar experiência entre profissionais de saúde, pesquisadores e acadêmicos da Unifor e de outras instituições de ensino, além de aprender sobre o tema e a dinâmica de organização de eventos científicos.


“A Unifor promove muitas atividades de extensão, como as ligas acadêmicas. Vejo muitas oportunidades em diversas áreas, proporcionando a multidisciplinaridade e a atuação profissional.”Wanderson Oliveira, aluno do curso de Fisioterapia

A “sensação maravilhosa” de estender o conhecimento

A curricularização da extensão caminha a passos largos pela Universidade. A aluna Vitória Gusmão, do curso de Arquitetura e Urbanismo, participou recentemente da ação Caminhos, que envolve todas as disciplinas do quinto semestre da graduação. Por meio dela, Vitória participou de uma manhã de tour pelo campus com alunos de uma escola pública do bairro, disseminando conhecimentos como o urbanismo.

“A extensão agregou ainda mais aos conhecimentos que tivemos ao longo do semestre a partir da integração com a sociedade e repassando os conhecimentos aprendidos para os mais jovens. Quando estamos à frente de repassar conhecimento, a sensação é maravilhosa”, celebra. Para ela, essa experiência influencia na formação profissional e cidadã por meio da sensação de pertencimento por contribuir para uma sociedade melhor.


“A extensão nos faz sair da zona de conforto da sala de aula para a visão e contribuição da sociedade. Nunca havia visto uma possibilidade futura de lecionar, mas a experiência pós extensão de repassar conhecimento me fez ampliar possibilidades para o meu futuro.”Vitória Gusmão, do curso de Arquitetura e Urbanismo

A extensão e a inovação no processo de ensino e aprendizagem

No Centro de Comunicação e Gestão (CCG), 51 disciplinas CCEx foram ofertadas neste semestre. Gustavo Peter é professor de duas delas: Inovação e Simulação Empresarial. Ele lembra que a Unifor é uma universidade que entende que, para ser referência, deve estar sempre buscando inovar no processo de ensino e aprendizagem.

“Tendo como base o slogan ‘Ensinando e Aprendendo’, a Unifor tem investido em iniciativas centradas na experiência, pesquisa e inovação. Esse tripé norteia as ações extensionistas para as disciplinas que proporcionam aos nossos alunos a oportunidade de se relacionar com situações elencadas nos ODS e com problemas e dores de mercado, sempre com intuito de criar soluções e potencializar o processo de aprendizagem”, destaca.

Nesse processo, afirma o docente, o estudante usa ferramentas e conhecimentos adquiridos desde o início do curso, interagindo com os stakeholders, que de alguma forma sofrem com problemas mercadológicos. A proposta da extensão é, então, proporcionar ao aluno a possibilidade de interagir com o mercado, propondo melhorias nas diversas áreas do conhecimento.  

Nas disciplinas lecionadas por Gustavo, ele busca sempre despertar o olhar crítico e criativo: “O primeiro passo para o processo de inovação é identificar algum problema, seja ele social, ambiental ou empresarial, que atinja um grupo grande de pessoas e que gere dores, e o mais importante é que essas pessoas desejem que os problemas acabem ou pelo menos sejam amenizados”.

A partir daí, os alunos são conduzidos a identificar esses problemas, a persona que mais sofre com eles e, em seguida, desenvolver um protótipo para solucioná-los. “Nesse processo, ainda realizamos outra atividade extensionista que é o benchmarking, pesquisando e observando no mercado se existe alguma solução para o problema identificado. Caso já exista, precisamos achar respostas para: Como ela resolve o problema? Como monetiza? A solução é realmente eficaz?”, explica.

Gustavo conta que, com isso, trabalha o processo criativo com o design thinking, a prototipagem de soluções e desenvolve-se as habilidades de comunicação ágil e prática. “Ao final da disciplina, os alunos precisam apresentar um relatório para as empresas ou pessoas que se relacionam com o problema identificado. Nesse relatório, eles apresentam seus protótipos e solicitam o feedback para validar a solução”, acrescenta.

A proposta é que os estudantes, além de desenvolverem suas habilidades e conhecimento, possam desenvolver soluções reais, que tenham a possibilidade de se transformar em um novo negócio sustentável. Essa experiência de integração da extensão universitária nas disciplinas exerce um impacto significativo na formação profissional e cidadã dos alunos, como:

  • Desenvolvimento de competências práticas;
  • Pensamento crítico e criativo;
  • Interação com stakeholders reais, como empresas e comunidades;
  • Consciência social e ambiental;
  • Preparação para o mercado de trabalho;
  • Ética e responsabilidade.


“A abordagem integrada da extensão universitária não apenas enriquece o aprendizado acadêmico, mas também molda os alunos como profissionais éticos, socialmente conscientes e preparados para enfrentar desafios reais em suas carreiras. A interação prática com questões do mundo real cria uma ponte entre a teoria e a prática, enriquecendo a formação dos estudantes de forma holística.”
Gustavo Peter, professor do CCG

Aqui temos responsabilidade social

A participação ativa dos alunos de diversas áreas em projetos de extensão não apenas molda a trajetória acadêmica, mas também exerce um profundo impacto no desenvolvimento pessoal. Além das habilidades técnicas, essas ações contribuem para a compreensão da responsabilidade social dos profissionais, além do desenvolvimento de competências socioemocionais

A própria integração das atividades extensionistas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU reflete um compromisso evidente com a responsabilidade socioambiental. É uma mostra do compromisso da Universidade em formar não somente profissionais de excelência técnico científica, mas cidadãos capazes de transformar a realidade que os cerca.

“Na Unifor, todas as ações de extensão, vinculadas ou não à disciplina, são cadastradas em uma das cinco modalidades possíveis: programa, projeto, curso/oficina, evento e prestação de serviço. Ao fazer o cadastro, seleciona-se um ou mais ODS a ser trabalhado, ou seja, a ação de extensão é desde sua concepção vinculada ao ODS a que se deseja impactar”, explica a assessora de Desenvolvimento Curricular da VRE, Cristina Maia.

Ela destaca que a curricularização da extensão promove a interação entre as comunidades interna e externa à instituição, por meio da troca de conhecimentos, da articulação e do fortalecimento do protagonismo estudantil no contexto social. “Assim, os alunos conectam-se à realidade que os cerca e tornam-se parceiros do público-alvo da ação em busca de soluções para os desafios encontrados”, acrescenta.


Uma das atividades extensionistas é a prestação de serviços à comunidade (Foto: Ares Soares)

Um momento para celebrar tudo isso é o Encontro de Curricularização da Extensão (ECOE), que realizou sua segunda edição em 1º de dezembro. Esse espaço de troca de conhecimentos é uma oportunidade para professores e alunos apresentarem experiências exitosas de práticas extensionistas integradas aos currículos de cursos de graduação e pós-graduação.                               

“A ideia é ecoar, fazer reverberar essas práticas como culminância maior das ações que são promovidas durante o semestre pelos Centros e alinhar com os gestores os próximos passos no contínuo aprimoramento de todo o processo de acompanhamento das ações extensionistas da instituição”, explica Cristina.

Possibilidades dentro e fora da matriz curricular

Quando se fala em curricularização da extensão, uma ação de destaque na Unifor é a disciplina de Responsabilidade Social e Ambiental. Ofertada desde 2021, ela é acompanhada de perto pelo professor Marcus Mauricius Holanda, chefe da Divisão de Responsabilidade Social da Unifor.

No rol das disciplinas optativas, a matéria atrai estudantes de toda e qualquer área de graduação que, intuitivamente ou não, cedo percebem a relevância estratégica de ações individuais ou coletivas capazes de impactar positivamente na qualidade de vida das pessoas.

A Universidade tem uma longa tradição com a extensão e o trabalho de formação educacional com as comunidades adjacentes, como o Dendê, além de um constante engajamento em questões ambientais e culturais.

Além das ações de extensão dentro da matriz curricular, são muitos os projetos de responsabilidade social em curso na Unifor. Um exemplo é a Escola de Aplicação Yolanda Queiroz e sua capacidade de transformar a vida das crianças beneficiadas há mais de 40 anos, por meio da educação gratuita de qualidade.

“Também podem ser citados os projetos Centro de Formação Profissional, Educação e Saúde na Descoberta do Aprender, Jovem Voluntário, Agente Varejista, além de eventos como a Semana do Meio Ambiente e a Semana da Responsabilidade Social”, destaca o coordenador da Vice-Reitoria de Extensão e Comunidade Universitária da Unifor, Thiago Braga.

Todas essas iniciativas buscam envolver professores e alunos da Unifor para que, como protagonistas, direcionem o conhecimento ministrado em sala de aula à geração de impacto positivo à comunidade externa, explica ele.


“A extensão universitária é vivenciada pelos alunos da Unifor na perspectiva da conquista de uma formação humanizada e cidadã, sensível às questões de maior relevância para a sociedade, haja vista inclusive o atendimento aos ODS da Agenda 2030 da ONU. Essa atuação está em consonância com as exigências atuais do mercado.”Thiago Braga, coordenador da Vice-Reitoria de Extensão e Comunidade Universitária

Thiago lembra que a extensão, além de oferecer uma valiosa formação humanizada e cidadã, também atende a um mercado que, cada vez mais, busca um profissional dotado de competências e experiências que ultrapassem a questão técnica. “Como resultado, beneficiam-se todos os atores envolvidos: alunos, Universidade e sociedade como um todo”, finaliza.