Demarcar é resistir: Abril Indígena conscientiza sobre luta por direito a terras ancestrais e preservação ambiental
seg, 28 abril 2025 11:50
Demarcar é resistir: Abril Indígena conscientiza sobre luta por direito a terras ancestrais e preservação ambiental
Do Acampamento Terra Livre à COP30 em Belém, vozes de povos originários ecoam por direitos e justiça socioambiental em tempos de contradições políticas

Marcado por diversas ações de conscientização e luta política, o mês de abril conta com o Dia dos Povos Indígenas (19/04) para trazer ainda mais visibilidade a essa população que forma a identidade cultural e promove a proteção ambiental do Brasil. Mais do que celebrar, esse período nos convida a refletir sobre a necessidade de garantir direitos fundamentais, como a demarcação de terras indígenas.
Pela Constituição Federal de 1988, Terra Indígena (TI) é um território demarcado e protegido para a posse permanente e o usufruto exclusivo dos povos indígenas. Ela é destinada à preservação de sua cultura, tradições, recursos naturais e formas de organização social, além de assegurar a reprodução física e cultural dessas comunidades — que, originalmente, já ocupavam esses espaços.
Além de ser um direito constitucional, a demarcação dessas terras busca garantir os direitos territoriais dos povos indígenas, protegendo sua cultura, modo de vida e sobrevivência, assim como a participação ativa dessas comunidades na gestão e preservação dos territórios. A legislação nomeia as TI em três categorias: Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas, Reservas Indígenas e Terras Dominiais.
Sheila Pitombeira, professora e pesquisadora da Universidade de Fortaleza — instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz —, explica que as TI pertencem aos povos indígenas desde sempre, independentemente de qualquer documento ou registro, sendo dever do Estado apenas reconhecer esse vínculo.
“A demarcação garante a proteção dos povos indígenas e seus modos de vida, além da preservação ambiental, já que essas áreas são importantes para a conservação da biodiversidade e a redução de conflitos fundiários e violência no campo”, pontua a docente, que também é doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento e mestre em Direito.
“A demarcação assegura o direito à terra pelos povos originários, que não a considera mercadoria, mas sim parte vital de sua cultura, espiritualidade e sobrevivência. Sem a terra, não há como manter sua identidade étnica, línguas, tradições e práticas ancestrais. Além disso, a demarcação protege as nações indígenas contra atividades ilegais e invasões. Também garante a sustentabilidade desses povos, preserva os limites dos ecossistemas e a segurança jurídica sobre o status das terras” — Sheila Pitombeira, doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento, professora e procuradora de Justiça
Sheila ainda destaca que a morosidade e os retrocessos políticos – como o Projeto de Lei do Marco Temporal (PL 2903/2023) – representam obstáculos graves, colocando essas populações em constante risco de perda territorial, violência, degradação ambiental e apagamento cultural.
Demarcar é florestar
Nesse mês de abril, ocorreu o Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, considerado a maior mobilização indígena do país. Durante o ATL, os indígenas reforçaram que a demarcação é não apenas um direito, mas também uma estratégia eficaz de enfrentamento às mudanças climáticas, pois garante a proteção das florestas e da biodiversidade.
Para a editora-chefe da Eco Nordeste e professora do curso de Jornalismo da Unifor, Maristela Crispim, “não é à toa que as terras mais preservadas do Brasil são aquelas que estão nas mãos dos povos indígenas”. É nesse contexto que o debate sobre a demarcação de terras indígenas ganha ainda mais força e urgência em meio a crise climática.
De acordo com Sheila, a demarcação promove a preservação e defesa do meio ambiente. “Estudos e dados mostram que as terras indígenas são algumas das áreas mais bem preservadas do Brasil. E isso não é coincidência, pois nessas áreas ocorre menos desmatamento e o uso da terra se dá com práticas sustentáveis”, afirma.
A professora explica que tais condutas ajudam a manter grandes estoques de carbono armazenado, sem que seja dissipado na atmosfera terrestre. A demarcação pode, então, ser considerada como uma medida de baixo custo no enfrentamento das mudanças climáticas.
“Os povos originários detêm os saberes, aquele jeito de lidar com a natureza que nós fomos perdendo ao longo dos tempos e que eles mantiveram”, diz Maristela. Por isso, ela acredita que o jornalismo precisa estar presente, mostrando a realidade indígena, dando voz, participação e protagonismo a essas populações tão importantes para o Brasil.
“O jornalismo ambiental, quando pautado em pesquisas sólidas e na escuta atenta dos povos tradicionais, não só pode, como deve desempenhar um papel fundamental na formulação de políticas públicas. Essa escuta qualificada contribui diretamente para a melhoria das condições de vida dessas populações e fortalece pautas essenciais, como a demarcação de terras” — Maristela Crispim, professora do curso de Jornalismo Unifor e editora-chefe da Eco Nordeste
COP30 e os desafios no desenvolvimento sustentável
Apesar de alguns avanços institucionais, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas, os líderes desses povos ainda apontam uma grave falta de representatividade nas decisões políticas que afetam seus territórios, relata Sheila. Conflitos de interesses com o agronegócio, a mineração e a infraestrutura seguem ameaçando seus modos de vida.
Essa pauta se conecta diretamente à 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), sediada este ano na cidade de Belém, no Pará, no coração da Floresta Amazônica. Para as professoras, o local é altamente simbólico, devido a região já ser um ponto estratégico para o equilíbrio climático do planeta. Dessa forma, esse evento global será uma grande oportunidade para colocar os povos indígenas no centro das decisões ambientais e políticas.
Entretanto, o discurso ambiental se choca com ações contraditórias do próprio governo local. Sheila chama atenção para o desmatamento que está sendo realizado para a construção de rodovias em preparação para a COP30, medida que vai na contramão do que o evento pretende representar.
Uma outra medida contraditória é a instalação de “árvores falsas” em Belém, ação que, segundo Maristela, “demonstra justo o contrário da ideia de preservação da floresta” e desabona a imagem que o Estado tenta propagar internacionalmente.
Árvores artificiais instaladas pelas avenidas da cidade de Belém, no Pará, logo antes da COP30 (Foto: Leonardo Macêdo / Ascom Seop)
Diante dessas contradições, as professoras defendem que os saberes tradicionais sejam integrados às políticas públicas como soluções legítimas para a crise climática. Maristela reforça que “os povos originários têm muito a ensinar sobre como nos conectarmos com a natureza”.
Sheila complementa que a demarcação, o manejo sustentável e a participação efetiva dos indígenas nas decisões são medidas concretas que devem ser adotadas, especialmente em eventos com a visibilidade da COP30.
“A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e outras lideranças já estão sendo mobilizadas para levar pautas à COP30. Uma das pautas principais será a reivindicação para que a demarcação de terras seja reconhecida como solução climática, pois ela garante a proteção das florestas”, conclui.
Semana do Meio Ambiente da Unifor
Reforçando e expandindo as discussões sobre conservação e preservação ambiental, a Universidade de Fortaleza realiza a 18ª Semana do Meio Ambiente da Unifor, de 19 a 23 de maio. Promovido pela Vice-Reitoria de Extensão e Comunidade Universitária (Virex), por meio da Divisão de Responsabilidade Social, o evento internacional contará com congressos, palestras e ações ministradas por especialistas em sua programação.
Com o tema “COP 30: Clima, Direito e Mercado em Conflito”, a edição deste ano visa fomentar as discussões acadêmicas sobre a COP 30 e apresentar as práticas sustentáveis das diversas áreas de conhecimento e entidades parceiras aos docentes, discentes e demais interessados.
A 18ª Semana ainda sediará três encontros vinculados às entidades parceiras: o 23º Congresso Brasileiro do Magistério Superior de Direito Ambiental, da Aprodab; o 29º Congresso Brasileiro de Advocacia Pública, da Ibap; e o 1º Congresso Internacional da Academia Latino-Americana de Direito Ambiental, da Alada.
Serviço
18ª Semana do Meio Ambiente da Unifor
Data: 19 a 23 de maio de 2025
Local: campus da Universidade de Fortaleza
Inscrições: inscreva-se neste link
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