Fonoaudiologia: polifônica por natureza

seg, 5 julho 2021 16:54

Fonoaudiologia: polifônica por natureza

Entenda como essa ciência é fundamental para a comunicação humana e atua na promoção do bem-estar


Serviço de Fonoaudiologia oferecido pelo Núcleo de Atenção Médica da Unifor (NAMI) realiza exames audiológicos (Foto: Ares Soares)
Serviço de Fonoaudiologia oferecido pelo Núcleo de Atenção Médica da Unifor (NAMI) realiza exames audiológicos (Foto: Ares Soares)

A voz da experiência já diagnosticou: a fonoaudiologia é muito mais do que a ciência que dedica especial atenção à deglutição e distúrbios afins. A ela está relacionado todo o processo comunicativo que tem a fala e a audição como principais ferramentas de expressão. Assim, saúde, educação e todo um setor corporativo que precisa saber falar bem e interagir cada vez melhor com sua clientela dependem das expertises técnico-científicas desenvolvidas por profissionais generalistas que, em todos os ciclos da vida, atuam na promoção, prevenção, avaliação, diagnóstico, habilitação e reabilitação da comunicação humana.

Com a palavra, a coordenadora do curso de Fonoaudiologia da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, professora Fernanda Sampaio: “é verdade que somos mais conhecidos na área da saúde, atuando junto a pacientes internados ou que buscam atendimento ambulatorial por conta de doenças relacionadas à área de cabeça e pescoço, o que exige habilitação ou reabilitação da deglutição e da audição. Mas também podemos estar nas escolas, cuidando de professores e estudantes com dificuldades fonoaudiológicas, ou ainda nas empresas de comunicação e telemarketing, modulando os padrões de voz daqueles que se comunicam com o público em geral”. 


Fernanda Sampaio, coordenadora do curso de Fonoaudiologia da Unifor (Foto: Ares Soares)

É trilhando os caminhos das terapias fonoaudiológicas, portanto, que alguém com câncer de boca, nariz ou garganta pode voltar a engolir e falar, assim como o atraso na fala de uma criança acaba sendo precocemente identificado e tratado pelo fonoaudiólogo a fim de que isso não comprometa seu aprendizado. O desgaste das cordas vocais, tão conhecido pelos docentes devido ao uso excessivo ou incorreto da voz, aquela tontura que compromete o equilíbrio e mesmo a decisão sobre a melhor prótese auditiva a ser implantada em cirurgia também estão no rol das competências de um profissional da área.

Tem mais: a “fono” é queridinha entre os jornalistas e, em particular, goza de adesão absoluta junto aos âncoras e repórteres de televisão. Que o diga Taís Lopes, egressa do curso de graduação em Jornalismo da Unifor e apresentadora do CE TV-2, do Sistema Verdes Mares: “faço fonoterapia desde 2013, quando entrei para a equipe de reportagem da TV Verdes Mares. Tinha 23 anos e o SVM já contava com uma fonoaudióloga contratada especialmente para acompanhar os profissionais da comunicação. Daí começou esse trabalho importantíssimo junto à Karine Capistrano, nossa fono. Eu não tinha o menor controle da minha voz. A gente acha que é só falar e pronto, né? O senso comum pensa assim. Mas não. Conseguir articular as palavras da melhor maneira para ser bem compreendido por quem está assistindo é essencial e o preparo da voz exige um continuado exercício”.

Ao lapidar a voz, Taís percebeu na prática a diferença que a fonoterapia pode fazer quando a ordem é gerar empatia e credibilidade junto ao telespectador. “Comecei fazendo uma ou duas sessões por semana. Tudo porque eu tinha uma voz muito anasalada. Quem me conhece fora da TV fala que minha voz fica mais impostada como apresentadora. Mas não é isso. É que você prepara a voz para entrar no ar e para isso faz vários exercícios antes, sempre com a orientação da fonoaudióloga. Hoje, acredito que tenho duas vozes, quando falo e apresento...”, ri-se. 


A jornalista Taís Lopes é acompanhada pela fonoaudióloga Karine Capistrano (Foto: Lucas Plutarcho)

No início de carreira, ela lembra bem, os excessos e cacos estavam ali. “Achava que tinha que gritar ao microfone para que as pessoas pudessem me ouvir, mas não... A fono foi modulando a minha voz. É impressionante quando escuto minhas primeiras reportagens e as de hoje. Percebo uma diferença gritante. Isso é maturidade, resultado de fonoterapia e de um acompanhamento constante do profissional que vai melhorando o que precisa ser melhorado e também sabe como evitar problemas futuros de natureza vocal”, admite. 

Com a fonoaudióloga Karine Capistrano, Taís atentou inclusive para tons de voz e ritmo adequado ao produto ou serviço que o profissional de comunicação está prestando. “Quando eu trabalhava no Bom Dia Ceará, a ordem era chegar a uma voz suave e agradável de ouvir que ao mesmo tempo passasse seriedade. Então, é isso: você tem que adequar a voz a diferentes fatores em jogo, se entro de manhã cedo na casa das pessoas não posso falar gritando ou muito baixo, sem vida, entende? Tenho que adequar a voz ao perfil do telejornal. E isso vou ajustando de acordo com a capacidade da minha voz e das características dela, o que só consigo descobrir com a orientação de um bom profissional de fonoaudiologia”, credencia.

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A voz da comunidade acadêmica é tratada com carinho na Universidade de Fortaleza. Por meio do Programa de Saúde Vocal (PSV), que tem à frente uma dupla de fonoaudiólogos e professores do curso de graduação em Fonoaudiologia, Charleston Palmeira e Silvia Capistrano, professores e funcionários da Unifor podem contar com atendimento especializado no próprio campus. “Nosso público é extremamente diversificado, vai do Direito ao Jornalismo, justamente porque a maioria dos profissionais que trabalham com o público já entendeu que fonoterapia não é só para tratar doenças que se refletem ou comprometem a fala ou a audição, mas também para prevenir e melhorar o padrão de comunicação e a expressividade, competências cada vez mais valorizadas no mercado de trabalho, independente da carreira profissional escolhida”, destaca Silvia.


Silvia Capistrano, professora do curso de Fonoaudiologia da Unifor (Foto: Ares Soares)

A “queixa” mais comum é também prova de relevância inconteste: quem procura o PSV tem urgência em se comunicar melhor, seja porque a voz já foi alvo de críticas em eventos científicos ou é flagrante o atropelo na pronúncia das palavras frente a grandes plateias. “Temos os casos clássicos dos professores que se queixam de rouquidão constante e procuram tratamento para nódulos vocais, mas também aqueles que simplesmente buscam bem-estar e por isso querem corrigir vícios adquiridos que incomodam seus interlocutores, como, por exemplo, falar alto ou ríspido demais, sem a intenção de fazê-lo. Todas as vozes passam um sentimento e podem comprometer a comunicação ou até fazer a diferença numa seleção de emprego. Portanto, sai na frente quem se comunica bem”, ilustra a professora que também atua como fonoaudióloga junto à TV Unifor.


Silvia Capistrano realizada o acompanhamento fonoaudiológico dos estagiários da TV Unifor (Foto: Ares Soares) 

Para ela, não é à toa que a maioria das empresas da área de comunicação já incorporou a fonoaudiologia em seus quadros fixos. “Nas TVs, particularmente, a fonoterapia deve ser mesmo um trabalho continuado, porque os padrões vão mudando. O tom e a impostação de voz de um Cid Moreira, por exemplo, já não agrada ao telespectador contemporâneo. Os perfis vão mudando a cada época e por isso é que o estudante que tem sua prática na TV Unifor só vai ao ar depois que a fonoaudióloga libera. Já é uma cultura, até porque ainda estão verdes e em geral iniciam falando rápido demais, engolindo as palavras e até gaguejando. E tudo isso é corrigido pelo profissional que, através de exercícios, dá uma 'limpada' na comunicação”, sublinha Silvia. 

Hospitais, clínicas, maternidades. Home care, postos de saúde, gestões públicas. Escolas, creches, berçários. Empresas de comunicação, call center, telemarketing. Teatros, conservatórios, indústria do entretenimento. A fonoaudiologia só amplia o seu alcance de voz.  “O profissional generalista atua do nascimento ao envelhecer. Ele é que avalia o teste da orelhinha para prevenir perda auditiva em bebês, ativando inclusive o ouvido biônico, quando necessária a implantação por cirurgia, como também irá acompanhar de perto a população que está envelhecendo, já que, independente de ter tido doenças, o idoso normalmente enfrenta a disfagia, que é o comprometimento da capacidade de deglutição”, observa a coordenadora do curso de graduação em Fonoaudiologia da Unifor, professora Fernanda Sampaio.

No campus, o foco recai sobre a prática. A partir do 3º semestre, fonoaudiólogos em formação acompanham atendimentos profissionais de excelência na clínica-escola implantada no Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI), que conta com ambulatórios de disfagia, tontura e anorexia, além de salas de audiologia e fonoterapia. Entre projetos de extensão, o curso de Fonoaudiologia da Unifor também fez valer o Espaço Vivenciar, que dialoga com o laboratório de voz, grupos de estudo, projetos de pesquisa ligados às disciplinas, ligas acadêmicas e a empresa júnior de fonoaudiologia (CEFONO)

“O empreendedorismo é outro diferencial que a Unifor tem como marca e não são poucos os fonoaudiólogos que também se interessam em investir em empresas de aparelhos auditivos, estimulados inclusive pelo programa de doação mantido pelo Governo Federal em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e a própria Unifor”, ressalta Fernanda. Segunda ela, a pesquisa também se sobressai em um cenário múltiplo de aprendizagem. “No âmbito da pós-graduação, obteve grande repercussão o aplicativo VoiceGuard, desenvolvido pela professora Christina Praça como ferramenta de cuidado preventivo da voz para professores e profissionais do canto. Na graduação, destaco o ReaV, outro aplicativo voltado à terapia de reabilitação vestibular, que torna possível a prática de exercícios em casa para quem sofre com labirintite e tonturas. Ponto para a interdisciplinaridade: ambos são projetos que contaram com a parceria do Centro de Ciências Tecnológicas (CCT)”, frisa.

Aplicativo VoiceGuard promove cuidados com a saúde vocal (Imagem: Divulgação)

À frente do projeto de pesquisa que resultou no ReaV, a professora do curso de graduação em Fonoaudiologia da Unifor, Renata Almeida, comemora: já são quase 100 vídeos de exercícios disponíveis e a serviço da terapia remota do aparelho vestibular. E há desdobramentos: “temos um TCC em andamento que irá avaliar esse aplicativo que também vem gerando testes de usabilidade junto ao NATI, com a participação direta dos alunos. E ao passo que os usuários se beneficiam com o uso do app, os estudantes aprendem, já que acompanham a evolução do tratamento on line assim como montam e estudam os exercícios propostos, ou seja, é uma ferramenta de aprendizagem valiosa para o acompanhamento da prática clínica”. 

No último semestre, a Covid-19 também gerou resultados advindos de pesquisas nas grandes áreas da Fonoaudiologia. “Já que somos os profissionais responsáveis pelo diagnóstico do teste da orelhinha, passamos a investigar se os bebês filhos de gestantes que foram acometidas pela Covid-19 nasceram com alguma alteração auditiva. Estamos na fase de coleta de dados”, adianta a professora que durante a pandemia também assistiu ao aumento da procura de fonoaudiólogos para atendimentos home care junto a pacientes que depois de dias ou meses de intubação ainda sofrem com o quadro de disfagia.

Para Renata, a fonoaudiologia, cada vez mais, contribui com a melhoria da qualidade de vida, seja quando desenvolve pesquisas e terapias que podem simplesmente ajudar um cantor a cantar melhor ou ao romper o isolamento que pessoas com gagueira estão fadadas a experienciar até conseguirem se reinserir no mundo sonoro, vencendo preconceitos. “É igualmente empolgante e compensatório atuar junto ao médico que fez uma cirurgia bariátrica e precisa do fonoaudiólogo para equalizar a mastigação e deglutição do seu paciente quanto junto à perícia fonoaudiológica, por exemplo, uma área nova voltada ao reconhecimento da fala em investigação policial a partir de padrões de voz”, arremata. 

Aos 14 anos, a estudante do 5º semestre do curso de graduação em Fonoaudiologia da Universidade de Fortaleza, Waléria Tomaz, 22, já trabalhava como Aprendiz Legal, secretariando um grupo empresarial dedicado à administração de um pool de faculdades privadas espalhadas pelo interior do estado. Para tanto, fez cursos afins com bolsa de estudo garantida aos funcionários e acabou conquistando uma vaga no departamento de Marketing em uma das instituições de ensino assessoradas. Foi quando passou a ter contato direto com professores das mais diversas áreas de conhecimento e, sempre dedicada aos estudos, acabou descobrindo a Fonoaudiologia.   

Sozinha e de forma autodidata, aprofundou as pesquisas via internet e descobriu os vários aspectos da linguagem e da comunicação ligados à descoberta de sua genuína vocação. “Me apaixonei ainda mais pela Fonoaudiologia quando descobri que a fonoterapia poderia ter feito grande diferença no meu próprio desenvolvimento, já que na infância, por anos a fio, sofri com cefaléia e dores nos olhos devido a DTM, uma disfunção na articulação da mandíbula só descoberta e contornada na juventude. Ou seja, minha vida teria sido muito mais fácil se tivesse tido um acompanhamento fonoaudiológico desde cedo. Tudo isso junto me fez decidir que queria ser fonoaudióloga”, recorda Waléria.

Waléria Tomaz, estudante do curso de Fonoaudiologia da Unifor (Foto: Ares Soares)

Querer, no entanto, não era exatamente poder. “Fonoaudiologia me parecia uma profissão elitista, já que sequer era ofertada massivamente no âmbito do SUS. Sou filha de caminhoneiro e minha família não teria como bancar uma faculdade do tipo para mim. Unifor era um sonho inimaginável, muita cara para o nosso padrão de vida. Mas aquilo não me saía da cabeça e um dia decidi pedir demissão e com o dinheiro do seguro-desemprego arriscar esse vestibular, buscando em paralelo o financiamento do FIES. Deu certo e digo que foi e é a maior alegria da minha vida estar me graduando nessa área com o ensino de excelência e as oportunidades que a Unifor me oferece. Hoje, inclusive, sou bolsista Santander também, pela condição de vulnerabilidade econômica, mas também por mérito acadêmico”, vibra Waléria.   

Como futura fonoaudióloga, o sonho agora é tornar a Fonoaudiologia cada vez mais acessível à população em geral através do SUS, atuando, preferencialmente, na área da Saúde Coletiva. “Em Fortaleza, o NAMI ainda é a única unidade de saúde vinculada à Rede SUS que oferta atendimento ambulatorial e terapias fonoaudiológicas massiva e gratuitamente. Não temos acesso à fono em postos de saúde e por isso não é à toa que, durante o processo de reabilitação pós-covid, por exemplo, o NAMI tem sido referencial. Inclusive não paramos com as teleconsultas e teleatendimentos no período de restrição mais aguda. Através do projeto Vivenciar, vivencio minha prática no NAMI, ao mesmo tempo em que encaro monitoria, grupo de estudo e Liga Acadêmica, vislumbrando justamente a gestão e atuação em hospitais públicos para atender a quem mais precisa e vem de onde eu vim”, conclui Waléria.