seg, 12 maio 2025 17:15
Movimento Armorial: um mergulho na alma nordestina pela literatura, memória e arte
Obras disponíveis em diversos acervos da Universidade de Fortaleza ajudam a compreender o movimento Armorial, liderado por Ariano Suassuna

Em 1970, sob a liderança do escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, nascia o Movimento Armorial. A proposta era ousada: unir as raízes populares da cultura nordestina com a erudição das artes clássicas, criando uma estética genuinamente brasileira, com base no sertão, no barroco e na oralidade.
Mais de meio século depois, a Universidade de Fortaleza, instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz, se estabelece como um espaço de preservação, estudo e difusão da memória Armorial e de suas influências contemporâneas. Por isso, abriu suas portas para uma experiência única por meio da exposição “Armorial 50”.
Em cartaz, a mostra é uma porta de entrada ao universo artístico que pulsa vivo não só nas obras apresentadas pelas galerias do Espaço Cultural, mas também pelas estantes dos acervos literários que a Unifor abriga. A Biblioteca Central, por exemplo, guarda preciosidades que permitem os leitores compreenderem, se aprofundarem e vivenciarem o espírito do movimento em sua plenitude.
Entre os destaques da Biblioteca Central está o catálogo “Movimento Armorial 50 anos”, com curadoria de Denise Mattar e colaboração de Manuel Dantas Suassuna. A publicação serve como um compêndio sobre a trajetória, os fundamentos e os desdobramentos da iniciativa criada por Ariano.
Uma outra obra relevante é a “Canto Amargo: poesia armorial nordestina”, de Janice Japiassu, que apresenta um exemplo poético dessa simbiose entre o erudito e o popular. Ambas as obras são cativas, mas estão disponíveis para consulta e estudo na própria Biblioteca.
Além disso, outro ponto alto do acervo são títulos como “Por uma ética da estética”, de Cláudia Leitão, que oferece uma reflexão profunda sobre os fundamentos éticos e filosóficos da arte armorial, e a “Antologia de Folclore e Cultura Popular Nordestina”, organizada por Flávio Guerra, que contextualiza o universo simbólico no qual o movimento se inspirou.
O cordel no Movimento Armorial
Desde a fundação da Cordelteca Maria das Neves Baptista Pimentel, a Unifor vem consolidando um papel ativo na preservação e valorização da literatura de cordel, que é um dos pilares do Movimento Armorial. O cordel, com sua musicalidade, rima e força narrativa, foi uma das mais legítimas expressões da cultura brasileira, segundo Ariano Suassuna.
A Cordelteca da Unifor abriga diversos folhetos de cordéis e matrizes de gravuras (Foto: Ares Soares)
A Cordelteca abriga títulos que evidenciam a influência direta do movimento na produção literária contemporânea. Um exemplo emblemático é “A chegada de Ariano Suassuna no céu”, de Klévisson Viana e Bule-Bule, um cordel que celebra o legado do mestre com humor, lirismo e reverência.
A obra se une a outras como “Tributo para Ariano Suassuna”, de Tonha Mota, D. Ariano Suassuna e Manoel Monteiro, formando um verdadeiro mosaico de homenagens que refletem a permanência da estética Armorial na literatura de cordel.
Neste ano, a Biblioteca Central da Unifor promoveu, na Bienal Internacional do Livro do Ceará, debates com autores cearenses, visitas à Cordelteca e à Coleção Rachel de Queiroz, além de atividades lúdicas para alunos da Escola Yolanda Queiroz, valorizando a literatura regional e a cultura Armorial.
“Essas homenagens anuais demonstram o compromisso contínuo da Biblioteca da Unifor, em parceria com a Vice-Reitoria de Extensão e Comunidade Universitária, em reconhecer a importância dos cordelistas para a cultura brasileira e em manter viva a tradição do cordel, conectando-a com as novas gerações e com diferentes áreas do conhecimento” — Dayanne Araújo, bibliotecária da Biblioteca Central da Unifor
Confira alguns dos cordéis disponíveis na Cordelteca que tangenciam o tema Armorial:
- “A peleja de Ariano Suassuna com Emici Merda Seca” – Josafá de Orós
- “Ariano Suassuna: vida e morte” – Medeiros Braga
- “D. Ariano Suassuna: senhor das iluminogravuras” – Manoel Monteiro (ilustrações de Josafá de Orós)
Nordeste como tema central
A Coleção Rachel de Queiroz também dialoga, de certo modo, com o Movimento Armorial, pois abriga diversas obras que trazem o Nordeste como cenário principal. Essa conexão representa um importante marco na valorização da cultura nordestina na literatura brasileira.
O acervo promove um diálogo intergeracional com a escritora cearense Rachel de Queiroz, reafirmando a riqueza e a atualidade da literatura nordestina. Sua obra, fortemente enraizada nas paisagens, personagens e conflitos do sertão, serve como referência para escritores e cordelistas contemporâneos que seguem explorando essas temáticas.
“Autores contemporâneos podem dialogar com os temas e as representações do Nordeste presentes na obra de Rachel, estabelecendo um diálogo intergeracional” — Rafaelly Chaves, auxiliar de serviços bibliotecários da Biblioteca Central da Unifor
Confira algumas das obras presentes na Coleção Rachel de Queiroz que abordam assuntos que dialogam com as temáticas do Movimento Armorial:
- "O Quinze" – Rachel de Queiroz
- "Memorial de Maria Moura" – Rachel de Queiroz
- "A Bagaceira" – José Américo de Almeida
- "Vidas Secas" – Graciliano Ramos
Obras raras sobre o contexto nordestino
Com mais de 9 mil volumes de obras raras, a Biblioteca Acervos Especiais desempenha um papel fundamental na preservação e difusão da memória cultural e literária, atuando como guardiã de obras que são, por si só, veículos de memória. O Nordeste também guarda viva a chama de suas histórias por lá.
Um exemplo disso é a “Coleção Os Sertões”, que contém a primeira edição da famosa obra de Euclides da Cunha. Os livros falam sobre o sertanejo, descrevendo e analisando seu modo de vida e condição social, as origens do sertão brasileiro e o conflito de Canudos.
“A Biblioteca Acervos Especiais desempenha um papel crucial na preservação e divulgação da memória ao conservar seu acervo e manter viva a memória coletiva presente nos livros, oferecendo aos alunos o acesso a esse valioso conhecimento” — Ana Wanessa Bastos, bibliotecária da Biblioteca Acervos Especiais
Essa preservação não se limita apenas ao Movimento Armorial, mas se estende aos autores que dialogam com essa estética e ao conhecimento presente em cada obra, reafirmando o valor histórico e simbólico do acervo. Algumas das obras dos autores Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, Álvaro Lins, Luís da Câmara Cascudo e Raimundo de Oliveira fazem essa ponte por meio da afinidade com o modernismo.
Um legado em constante movimento
Embora nascido no século XX, o Movimento Armorial permanece atual ao propor uma arte feita com alma, raízes e identidade. A Unifor, ao reunir obras raras, cordéis contemporâneos, homenagens e espaços de fruição cultural, firma-se como um centro de irradiação desse legado no Nordeste.
A exposição “Armorial 50”, em cartaz no Espaço Cultural Unifor, é um convite para adentrar esse universo. Muito desses tesouros estão nos corredores das bibliotecas da Universidade, onde o visitante pode folhear, pesquisar e descobrir que o espírito armorial segue vivo, pulsando nos versos dos cordelistas, na estética barroca da xilogravura e na força de uma literatura que não esquece de onde veio, mas sabe exatamente para onde quer ir.