Entrevista Nota 10: Cláudia Sousa e a importância da conscientização sobre o Alzheimer

seg, 27 setembro 2021 10:42

Entrevista Nota 10: Cláudia Sousa e a importância da conscientização sobre o Alzheimer

Fonoaudióloga especialista em Gerontologia esclarece as principais dúvidas sobre uma das doenças que mais atinge pessoas idosas


A fonoaudióloga Cláudia Sousa é membro Associação Brasileira de Alzheimer - Regional Ceará (Foto: Arquivo pessoal)
A fonoaudióloga Cláudia Sousa é membro Associação Brasileira de Alzheimer - Regional Ceará (Foto: Arquivo pessoal)

Atuar na promoção da qualidade de vida da pessoa idosa é missão para a fonoaudióloga Cláudia Sousa. Graduada pela Universidade de Fortaleza e especializada em Gerontologia também pela instituição, ela trabalha na orientação, acompanhamento e tratamento fonoaudiológico de pacientes, cuidadores e familiares. 

Além disso, Cláudia é membro diretor da ABRAz-CE (Associação Brasileira de Alzheimer- Regional Ceará), conselheira do Conselho Estadual do Direito da Pessoa Idosa (CEDI) e leciona como professora do curso de formação para cuidadores de pessoa idosa (ACEPI).

Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, ela destaca a importância da conscientização sobre a Doença de Alzheimer e compartilha ainda importantes reflexões acerca do envelhecimento como uma experiência positiva de vida. Confira a seguir: 

Entrevista Nota 10 - Cláudia, você é Fonoaudióloga e tem especialização na área de Gerontologia, ambas as formações realizadas na Unifor. Como surgiu o interesse por essa especialidade e como ela se relaciona com a Fonoaudiologia? 

Cláudia Sousa - Desde a época da faculdade despertou-se o interesse pelo estudo e trabalho com a pessoa idosa. Costumava acompanhar alguns professores nos atendimentos de pessoas idosas com afasia ou disfagia, de forma extracurricular, devido à afinidade e empatia por esta área. Ao me formar, em 2002.1, cheguei a atender pouquíssimas pessoas fora dessa faixa etária, porém, no mesmo ano decidi trabalhar somente com a pessoa idosa e entrar na diretoria da ABRAz-CE em setembro. Posteriormente, minha carreira e estudos foram voltados para o envelhecimento e o cuidado em orientar cuidadores e familiares na área da fonoaudiologia com uma visão mais gerontológica.

A Fonoaudiologia estuda os aspectos da comunicação humana e de deglutição/alimentação e suas áreas de atuação são: audição, fala, linguagem, cognição, voz, motricidade oral, respiração e deglutição. O ato comunicativo é imprescindível para a estabilidade e o bem-estar psicossocial, valoriza sua história de vida, contribuindo para satisfação pessoal, manutenção da independência, autonomia, senso de identidade e qualidade de vida da pessoa idosa. A comunicação é o instrumento mais comum de manter o ser humano integrado na sociedade, ou seja, dentro e fora do contexto familiar. A alimentação é uma função vital e uma das atividades de vida diária. O ato de comer é um dos maiores prazeres experimentados pelo ser humano, além de estar presente em suas relações psicossociais. As principais doenças crônicas em idosos cursam com alterações fonoaudiológicas são: doenças cardiovasculares, neoplasias, doenças respiratórias crônicas, diabetes e hipertensão, demências e doenças degenerativas motoras. As sequelas fonoaudiológicas ocasionam mudanças nos hábitos de vida, isolamento social, dificuldade no convívio familiar, deficiência nutricional, desidratação, pneumonia, perda do prazer para se alimentar, diminuindo a qualidade de vida do idoso. Para que isso não aconteça, a fonoaudiologia gerontológica busca pesquisar, prevenir, diagnosticar, acompanhar e reabilitar as alterações fonoaudiológicas verificadas no envelhecimento, visando atingir uma condição funcional e de adaptação nos aspectos de comunicação e de alimentação, procurando sempre a reintegração social e familiar e melhor qualidade de vida por maior tempo possível.

Entrevista Nota 10 - Qual é a importância da Gerontologia para a promoção da saúde e qualidade de vida da pessoa idosa? 

Cláudia Sousa - A gerontologia é o campo de conhecimento responsável pelo estudo multidimensional do envelhecimento, envolvendo a multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, seguindo uma visão biopsicossocial. Manter, recuperar e promover a autonomia e independência da pessoa idosa é meta fundamental para uma boa qualidade de vida em termos de Gerontologia. Se quisermos que o envelhecimento seja uma experiência positiva, ter uma vida mais longa e com qualidade, esta deve ser acompanhada de oportunidades contínuas de saúde, participação social e segurança. Há um novo paradigma, que é a busca do envelhecimento ativo por idosos senescentes versus a procura de um sistema de saúde pública mais eficaz com toda a demanda de idosos senis. Intervenções que promovem um ambiente de apoio, opções saudáveis e criam medidas coletivas e individuais de saúde são de suma importância. 

Entrevista Nota 10 - Setembro é o mês mundial da Conscientização da Doença de Alzheimer, uma doença degenerativa que acomete um número significativo de pessoas com mais idade. Como a sociedade brasileira vê o Alzheimer? Ainda há muitos “tabus” em relação à doença? 

Cláudia Sousa - Na verdade, há um estigma duplo, tanto em relação à negação do envelhecimento pelas pessoas e a discriminação do sujeito velho como sua exacerbação quando esta pessoa idosa tem demência. Hoje em dia ainda se vê muito o preconceito ou temor a doença que acaba sendo reforçado pelo estigma que é observado na sociedade brasileira, evitando a busca do diagnóstico precoce. Isto se deve ainda por vários motivos. Muitas pessoas ainda acreditam que a demência faz parte do processo de envelhecimento normal por falta de conhecimento. Assim, uma grande parte das famílias é leiga em relação ao cuidado e tratamento. O esquecimento relacionado ao envelhecimento é um tabu que tem que ser desmistificado na sociedade de hoje. A perda de memória quando afeta diretamente o cotidiano e a funcionalidade da pessoa, que causa um impacto no dia a dia não é normal. A ABRAz faz justamente esse trabalho educativo à população quebrando esses rótulos antigos. As pessoas precisam entender um pouco mais sobre o que é normal e o que é patológico e ter o conhecimento da evolução da doença. Outras pessoas procuram diagnóstico muito tarde porque apresentam receio de enfrentar a nova situação e por não acreditar que algo possa ser feito, ocasionando a procura tardia dos profissionais de saúde e seu devido acompanhamento. Essas atitudes são ainda vistas tanto por parte das pessoas que apresentam a doença e/ou seus familiares como pelos próprios profissionais de saúde em dar este diagnóstico precoce.

No entanto, está iniciando uma mudança na sociedade. A população está começando a se informar mais, a ler mais na internet sobre a demência, a buscar o diagnóstico e tratamento. Outro aspecto que estamos iniciando a observar são pessoas idosas com demências inseridas em atividades sociais e familiares. Há pouco tempo, era muito comum o isolamento social e familiar por parte da família.

Entrevista Nota 10 - Como membro da Associação Brasileira de Alzheimer - Ceará (ABRAz), na sua avaliação, qual é o papel da família diante do diagnóstico da doença? Infelizmente, vemos casos em que os familiares se afastam…

Cláudia Sousa - A família é o eixo principal e desafiador quando se fala no plano de cuidados no acompanhamento do familiar que é diagnosticado com algum tipo de demência. Essa família precisa estar instrumentalizada pelo conhecimento bem como entender o que é da personalidade e características do seu familiar e o que é um sintoma da doença. Ela precisa estar acompanhada da rede de apoio formal (ABRAz) e informal (Comunidade) para que saiba lidar melhor e conviver com seu familiar demenciado. A ABRAz fornece suporte informativo e emocional para a família e orientações para que ela não adoeça também. Quem cuida precisa ser cuidado e ter o cuidado consigo, para evitar a sobrecarga do cuidador e abandono desse familiar por exaustão e estresse. Esse eixo deve estar bem organizado para não desestruturar a família. 
    
Também precisamos compreender aquele familiar que se afasta do paciente. Ele não aceita que seu familiar não vá mais exercer o papel que exercia antes da doença. É a fase da negação, por não se sentir preparado para lidar com o diagnóstico. Por outro lado, vemos também aquele familiar que se aproxima para poder retribuir o que ele fez ao longo da vida, tentar ficar o mais próximo para cuidar bem no sentido de realização em poder cuidar do seu ente querido e alguns para criar vínculos que não existiam anteriormente.

Entrevista Nota 10 - E além do apoio familiar, qual é a importância do tratamento? Há novos estudos que podem ser promissores, por exemplo? 

Cláudia Sousa - Existe o tratamento farmacológico, mas são ainda limitados, mas são promissores. Existem quatro drogas utilizadas atualmente. A Rivastigmina, Donepezila e Memantina são mais utilizadas e conhecidas. São usadas de acordo com cada caso. O Canabidiol está sendo utilizado mais recentemente para casos comportamentais que não tiveram resposta com as drogas convencionais, porém, não tem comprovação científica ainda. Existem ainda as medicações específicas para as alterações psico geriátricas que acontecem nas demências.

O tratamento não farmacológico potencializa o uso da medicação e chega a ser ainda mais importante porque o acompanhamento da pessoa com demência envolve uma equipe multiprofissional, em todos os eixos que perpassam o sujeito. O cuidado engloba o paciente, a família, o domicílio, o cuidador e a relação entre os profissionais que o acompanham. Essa estrutura tem êxito quando há suporte de orientações que envolvem o cuidado de todos os envolvidos, buscando manter ou otimizar a funcionalidade da pessoa e qualidade de vida por maior tempo possível.

Há muitas áreas importantes para manter esta funcionalidade do sujeito com demência, como: geriatria/neurologia/psiquiatria, terapia ocupacional, educação física/fisioterapia, fonoaudiologia, dentre outros.

Entrevista Nota 10 - Quais ações a ABRAz tem desenvolvido para levar mais informação à população, neste sentido?

Cláudia Sousa - Vou abordar a nível nacional e regional. A ABRAz nacional, cuja sede é em São Paulo, corrobora diretamente na organização das 24 regionais. No intuito de educar, informar, conscientizar, instrumentalizar essas pessoas que fazem parte da associação, mas como da sociedade como um todo, principalmente no segmento de saúde, foi elaborado o projeto Sinapse, que é um programa de educação para profissionais da área da saúde na atenção básica e pessoas interessadas na temática. O Alzheimer Connection é um encontro internacional que envolve profissionais de saúde com o intuito de difundir conhecimentos relacionados à demência, tanto diagnóstico precoce, tratamento e aspectos preventivos. 

A nível de políticas públicas, a ABRAz tem uma representação no conselho nacional de saúde com articulação principalmente voltada para o plano nacional de demência que corrobora diretamente nas políticas públicas para familiares, cuidadores e a pessoa com demência. A nível regional Ceará, a ABRAz-CE compõe o Fórum Cearense para Políticas para a pessoa Idosa (FOCEPI), o Conselho Cearense do Direito da Pessoa Idosa (CEDI) e Conselho Municipal do Direito da Pessoa Idosa (CMDI), fomentando estratégias para melhorar o presente e o futuro das pessoas idosas com demência. Antes da pandemia eram realizadas reuniões presenciais de grupo de apoio para familiares e cuidadores de pessoas com demência e pessoas interessadas, porém, atualmente, a reunião está acontecendo de forma alinhada com a ABRAz Nacional por meio de Lives mensais. No mês de setembro, são realizadas ações de orientação e conscientização sobre a doença em locais públicos como: praças, parques, beira mar... Anualmente, é realizado curso de orientação ao cuidador familiar de pessoa com demência pela ABRAz-CE objetivando ajudar no manejo diário e melhor forma de cuidar do paciente e do próprio cuidador. Em outubro terá o X Congresso brasileiro de Alzheimer online, englobando o encontro de familiares e cuidadores. A ABRAz também dispõe de um canal de comunicação pelas redes sociais, telefone de contato, whatsapp e email.

Entrevista Nota 10 - Ainda falando sobre Alzheimer: a quais sinais e sintomas devemos estar atentos no dia a dia? 

Cláudia Sousa - Perda de memória recente, dificuldade de realizar tarefas do dia a dia, problemas de linguagem e na comunicação, desorientação no espaço e no tempo, julgamento pobre ou diminuído, problema para acompanhar as coisas, trocar os objetos de lugar, alterações de humor e comportamento, dificuldade em compreender informação visual/símbolos e relações espaciais, e afastamento do trabalho e da vida social.

Entrevista Nota 10 - Há práticas saudáveis que podem ajudar a prevenir essa doença? Se sim, quais? 

Cláudia Sousa - Sim, são chamados atualmente de fatores protetivos do cérebro, como: atividade física, cuidar para não desenvolver ansiedade e depressão ou tratar quando diagnosticado, alimentação saudável e controlar peso, evitar consumo de álcool em excesso e cigarro, atividade e participação social, escolaridade, cuidar do coração, pressão e diabetes, e diante de uma perda auditiva, procurar o mais precoce uso de aparelho auditivo.