seg, 2 dezembro 2024 11:53
O que é a escala 6x1 e qual seu impacto socioeconômico no Brasil?
Jornada de trabalho tem sido tema central em diversos debates nas redes sociais, especialmente quando se fala sobre o equilíbrio entre saúde mental e direitos dos trabalhadores
A jornada de trabalho no Brasil tem sido um tema de discussão constante, principalmente no que diz respeito à escala 6x1, um modelo que vigora desde a publicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Nesta estrutura, os trabalhadores devem cumprir 44 horas semanais, com seis dias de trabalho e apenas um de descanso.
A proposta de acabar com essa escala, no entanto, tem ganhado força nos últimos meses, principalmente com os pontos levantados pelo movimento popular Vida Além do Trabalho (VAT) e pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Apresentada pela deputada Erika Hilton, a PEC busca reformular a legislação trabalhista, promovendo mudanças na jornada de trabalho e no descanso semanal.
Patrícia Moura Cruz, professora do curso de Direito da Universidade de Fortaleza — instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz —, explica que, conforme a CLT, todo funcionário tem direito a um dia de descanso semanal remunerado após seis dias consecutivos de serviço. “Esse modelo é conhecido como escala 6x1 e, embora o descanso semanal deva coincidir preferencialmente com o domingo, há exceções”, pontua.
De acordo com a docente, a PEC sugere mudanças na Constituição para reduzir a jornada de trabalho semanal de 44 para 36 horas. “A proposta visa permitir um modelo de trabalho 4x3, ou seja, quatro dias de trabalho e três dias de descanso. A intenção é promover um equilíbrio entre vida pessoal e profissional, além de combater problemas como o esgotamento físico e mental devido à carga horária excessiva”, elucida.
“A aprovação da PEC pode fortalecer direitos fundamentais ao melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, com redução do tempo dedicado ao trabalho, e conferir mais produtividade, possibilitando assim maior tempo para lazer, educação e convivência familiar. No entanto, não se pode negar que a proposta apresenta desafios, como aumento de custos para as empresas e provável retração no mercado de trabalho, já que algumas organizações podem optar por reduzir postos de trabalho em vez de contratar novos empregados” — Patrícia Cruz, professora do curso de Direito da Unifor
Fim da escala 6x1?
No momento, a PEC está em fase inicial de tramitação, já com o número necessário de assinaturas para iniciar o processo legislativo. Após ser protocolada, a proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), onde um relator será designado para apresentar um substitutivo, podendo modificar o texto ou incorporar emendas.
Se aprovada na comissão, a PEC seguirá para uma comissão especial, que terá 40 sessões para votar o projeto. Caso seja aprovada, será encaminhada ao Plenário, onde necessita de 308 votos favoráveis para seguir ao Senado.
No Plenário, passará por nova análise e, se aprovada, será votada em dois turnos. O projeto não pode ser alterado substancialmente no Senado, caso contrário, retornará à Câmara para nova apreciação. Não há sanção presidencial para PECs aprovadas pelas duas Casas Legislativas.
Movimentos que fazem a diferença
Outro ponto importante levantado pela advogada Patrícia Cruz é o papel dos movimentos sociais. Um exemplo disso é o Vida Além do Trabalho (VAT), criado por Rick Azevedo, ex-balconista de farmácia que se elegeu vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro.
Esse movimento ganhou força após Azevedo gravar um vídeo que viralizou no TikTok em 2023, relatando uma experiência frustrante como trabalhador da escala 6x1. Após ser chamado por sua chefe durante uma folga para trabalhar mais cedo no dia seguinte, o trabalhador registrou a situação e a compartilhou nas redes sociais.
A publicação gerou um grande engajamento, dando origem ao VAT. O movimento rapidamente arrecadou mais de dois milhões de assinaturas por meio de um abaixo-assinado na internet, pedindo a mudança na jornada de trabalho e a extinção da escala 6x1.
O movimento Vida Além do Trabalho foi criado por Rick Azevedo, hoje vereador no Rio de Janeiro (Foto: Davi Pinheiro)
“Movimentos sociais, como o Vida Além do Trabalho, têm ganhado força, principalmente com o uso das redes sociais, e buscam conscientizar sobre os impactos do excesso de trabalho na saúde mental e física dos trabalhadores. Essas formas de reivindicação contribuem para colocar temas trabalhistas em pauta no cenário político, pressionando por reformas que alinhem as condições de trabalho às necessidades contemporâneas”, ressalta Patrícia.
A PEC contra a escala 6x1 e seus impactos
No campo do Direito Trabalhista, Patrícia Cruz afirma que a escala 6x1 é considerada uma norma geral, com exceções previstas para setores como comércio, saúde e transporte, nos quais a continuidade dos serviços é essencial.
No entanto, a doutora em Direito Constitucional destaca que, apesar dessas flexibilizações, o cumprimento da norma tem se mostrado um grande desafio, uma vez que muitos trabalhadores enfrentam abusos, como a falta de folgas regulares.
A docente também enfatiza a necessidade de uma adaptação das leis previdenciária e fiscal para acompanharem as novas dinâmicas de trabalho, impactadas pelas tecnologias emergentes.
Do Brasil para o mundo
A comparação com legislações de outros países também é relevante neste contexto. Em países como França, Alemanha e Suécia, a jornada de trabalho é de 30 a 40 horas por semana, com possibilidades de compensações de horas extras e jornadas flexíveis.
Em outras partes do mundo, experimentos semelhantes mostraram resultados positivos tanto para as empresas quanto para os funcionários. No Reino Unido, 61 empresas testaram a redução da jornada para 32 horas semanais, com três dias de descanso.
O resultado foi tão positivo que mais de 50% desses empreendimentos optaram por adotar permanentemente a nova carga horária. Na Alemanha, 73% das empresas que participaram de um teste de semana de quatro dias também se mostraram favoráveis a essa mudança.
Estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam que, em algumas empresas brasileiras que testaram modelos de jornada reduzida, a produtividade aumentou, assim como a satisfação no trabalho e a saúde mental dos colaboradores.
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Fim da escala 6x1: por uma jornada de trabalho mais saudável
A discussão sobre a jornada 6x1 tem grande importância para os trabalhadores, uma vez que está diretamente ligada à qualidade de vida. A psicóloga Regina Maciel, professora do curso de Psicologia da Unifor, destaca a importância do debate sobre a escala ao situá-lo em uma perspectiva histórica.
Ela lembra que, desde a Revolução Industrial, a jornada de trabalho tem sido um tema central nas lutas por melhores condições e justiça social. No início, as jornadas chegavam a 12 horas ou mais, sem descanso semanal.
Com o tempo, os trabalhadores conquistaram a redução para 8 horas diárias, com variações nas folgas semanais. Para a docente, que também é coordenadora do Laboratório de Estudos sobre o Trabalho (LET) da Unifor, o debate atual sobre a escala 6x1 está inserido nessa luta por condições de trabalho mais justas.
“O fim da escala 6x1 é importante para a qualidade de vida dos trabalhadores porque está diretamente relacionada ao equilíbrio entre trabalho, saúde e bem-estar e justiça social, incluindo a questão da exploração da força de trabalho” — Regina Maciel, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre o Trabalho (LET) da Unifor
Em relação aos impactos da jornada, Regina afirma que a organização do trabalho tende a afetar a saúde física e mental dos trabalhadores. Ela explica que a atividade laboral sob esse sistema implica em uma exploração da força de trabalho, onde o trabalhador perde autonomia e a saúde é frequentemente sacrificada em prol do lucro das empresas.
Sobre os benefícios psicossociais de uma redução da escala de trabalho, a docente afirma que qualquer diminuição sem perdas salariais é benéfica, pois contribui para a saúde física e mental dos trabalhadores.
No entanto, ela adverte que a realidade econômica pode levar a situações indesejadas, como a necessidade de complementar a renda com outra ocupação. “Motoristas de aplicativos, por exemplo, trabalham na escala 5x2 e, nos horários livres, se dedicam a outros empregos. Essa sobrecarga pode anular os benefícios de uma jornada reduzida”, comenta.
Segundo Regina, a psicologia do trabalho pode ajudar na transição para jornadas mais equilibradas, analisando os riscos psicossociais das condições de trabalho e sugerindo melhorias. Ela ressalta que a psicologia vai além do consultório e se envolve diretamente nas empresas para melhorar as condições laborais e a saúde dos trabalhadores.
A professora também destaca os impactos mais profundos da escala 6x1 em populações vulneráveis, como negros, indígenas e de baixa renda. “Essas populações estão frequentemente em empregos precários, e a escala 6x1 limita ainda mais seu tempo para educação e atividades sociais”, observa.
Ela ainda aponta que a falta de tempo livre agrava o fardo emocional e físico das mulheres, especialmente as negras e de baixa renda, que acumulam funções domésticas e de trabalho remunerado.
Impactos socioeconômicos
Para Isadora Osterno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre) e docente do curso de Ciências Econômicas da Unifor, a abolição da escala 6x1 traz um dilema. Por um lado, trabalhadores poderiam experimentar benefícios em saúde mental e bem-estar, com mais tempo para lazer e convívio familiar, o que poderia aumentar a produtividade em determinados casos.
“Por outro lado, a medida pode gerar efeitos adversos, como o fechamento de empresas, aumento da informalidade e maior desigualdade no mercado de trabalho, caso seja implementada sem planejamento adequado”, pondera a economista.
A professora explica que a escala 6x1 predomina no Brasil, refletindo um mercado de trabalho caracterizado por alta informalidade, com 38% da população trabalhadora fora do regime formal — chegando a mais de 50% em alguns estados do Nordeste —, e uma baixa produtividade.
Nesse contexto, a proposta da PEC poderia aumentar significativamente os custos do trabalho formal, o que afetaria especialmente os pequenos negócios, resultando no fechamento de empresas, aumento do desemprego e crescimento da informalidade.
“Esse cenário teria um impacto negativo na economia nacional, principalmente nas regiões mais vulneráveis, como o Nordeste, que já enfrentam altas taxas de desemprego e informalidade”, alerta a professora.
Uma das principais preocupações dos empresários é o aumento dos custos com a folha de pagamento, estimado em 15% caso a PEC seja aprovada (Foto: Getty Images)
As ciências econômicas alertam para os riscos associados ao aumento dos custos trabalhistas, que impactariam principalmente as pequenas empresas, as quais têm maior dificuldade para se adaptar a mudanças desse tipo.
“Enquanto grandes empresas podem negociar compensações ou ajustar suas operações, os pequenos negócios, que empregam a maioria da força de trabalho, enfrentariam dificuldades significativas”, afirma Isadora. Ela destaca ainda que “isso poderia levar à demissão de trabalhadores e à perda de competitividade no mercado privado”.
Reduzir a jornada de trabalho poderia, teoricamente, aumentar a produtividade e incentivar a inovação. No entanto, no contexto brasileiro, com alta informalidade e baixa eficiência em vários setores, os custos iniciais dessa mudança podem superar os benefícios.
Para que a redução da jornada traga ganhos de competitividade, seria necessário um investimento substancial em tecnologia, qualificação profissional e infraestrutura. A professora pondera que, “se não houver um esforço para modernizar a economia, a redução de jornada pode não gerar os resultados esperados, pois a base produtiva do Brasil ainda enfrenta desafios significativos”.
Caso a PEC seja aprovada sem um estudo aprofundado, pode resultar em efeitos negativos no mercado de trabalho. Para que isso não aconteça seria fundamental implementar políticas complementares que incentivem a inovação, aumentem a produtividade e ofereçam suporte específico aos pequenos negócios, promovendo inclusão social e qualidade de vida.
“Antes de pensarmos em replicar essas experiências de outros países, é necessário investir na modernização da economia, em educação e capacitação profissional, e na criação de um ambiente que permita ganhos de eficiência. Com políticas complementares bem planejadas e execução a longo prazo, é possível que o Brasil colha os benefícios de uma redução de jornada no futuro” — Isadora Osterno, professora do curso de Ciências Econômicas da Unifor