seg, 30 setembro 2024 11:18
Mulheres no comando: Inspire-se com líderes femininas
Com liderança e competência, egressas da Unifor compartilham os caminhos e desafios que percorreram até ocuparem altos cargos de gestão no mundo corporativo e mostram que a alta liderança também é feminina
Elas estão em altos cargos de gestão de bancos, multinacionais, hospitais e muitas outras áreas. Encampam cotidianamente um desafio histórico para furar as barreiras da desigualdade de gênero, romper os “tetos de vidro” e ocupar seus espaços no topo das corporações. No Brasil, estão em 38% destes altos cargos, segundo a pesquisa FIA Business School. Com liderança e competência, as mulheres ocupam estes espaços, mas o movimento para se equiparar aos homens neles ainda é lento.
A dificuldade para avançar, vez por outra, se evidencia na velocidade de um clique. Você deve ter visto nos últimos dias. O empresário Tallis Gomes, presidente da G4 Educação, foi questionado se estaria ainda noivo se sua companheira fosse CEO. Ele viralizou com a resposta “Deus me livre de mulher CEO”. Defendeu que mulheres em posições de liderança passam por uma “masculinização” que colocaria seu lar e filhos em segundo plano. Acabou se afastando do cargo pela repercussão negativa.
As estruturas do machismo podem ser difíceis de mover no mundo corporativo, mas a força e a competência de gerações inteiras nas várias áreas do mercado estão, aos poucos, cobrando seu espaço. Egressas da Universidade de Fortaleza, vinculada à Fundação Edson Queiroz, contam como desenvolveram habilidades primordiais para crescer na área de gestão e compartilham suas trajetórias bem-sucedidas em altos cargos de liderança. Vamos nos inspirar com elas?
Mulher, negra e imigrante na vice-presidência do maior banco do mundo
Simone Melo é vice-presidente do JP Morgan Private Bank em Fort Lauderdale, na Florida. O alto cargo no maior banco do mundo sequer passava pela sua cabeça quando ingressou no curso de Administração da Unifor, nos anos 1990. Naquela época, queria trabalhar nas empresas da família, o que fez por quase duas décadas.
Em 2015, ela decidiu vender sua participação nas empresas familiares e se aventurar com os filhos gêmeos. Mudou-se para a Flórida sem emprego, renda ou conexões. Mas conseguiu abrir portas e conquistar novas oportunidades profissionais. Trabalhou por quase sete anos no Bank of America Private Bank, até que um headhunter do JP Morgan Private Bank a abordou via LinkedIn e ofereceu a posição que hoje ocupa.
“Acredito que nada acontece por acaso. Tenho uma excelente formação acadêmica com três mestrados/MBA, incluindo um do MIT – Massachusetts Institute of Technology. Também tive a oportunidade de morar na Europa duas vezes (Suíça e Espanha), o que ampliou meus conhecimentos multiculturais”, conta.
O JP Morgan Private Bank é o maior banco do mundo, com 4 trilhões de dólares em gerenciamento de ativos. Lá, Simone é responsável por gerir um portfólio de negócios e atrair novos clientes potenciais. Ela atende exclusivamente clientes com ativos líquidos (ações, títulos e dinheiro) a partir de 5 milhões de dólares.
“Também sou muito envolvida com a comunidade brasileira de alta renda na Flórida. Sou membro de várias instituições de classe locais e muito ativa em trabalhos voluntários. Sou uma pessoa que gosta de interagir com outras pessoas, então adoro o que faço”, conta.
Para ela, a maior dificuldade da carreira é superar os desafios relacionados ao fato de ser negra, mulher e imigrante. “Trabalho em uma indústria predominantemente branca, americana e masculina, e nem sempre sou reconhecida como uma banker bem-sucedida”, lamenta.
“Ser mulher no mundo dos negócios é para os fortes. Ainda somos julgadas por sermos profissionais, mães e esposas. Acredito que nos Estados Unidos há mais igualdade, mas ainda estamos longe de um ambiente de pleno equilíbrio. Gosto de trabalhar com homens, mas adoro trabalhar com mulheres, que são extremamente detalhistas e gentis, gerando uma cultura interna muito harmoniosa e feliz” — Simone Melo, egressa do curso de Administração da Unifor e vice-presidente do JP Morgan Private Bank
Simone vê um grande avanço de mulheres no topo da pirâmide corporativa e acredita que a presença delas em cargos importantes em grandes empresas abrem portas para muitas outras mulheres alcançarem essas conquistas. “Não apoio a guerra dos sexos, mas também não me calo diante de julgamentos inadequados que, infelizmente, ainda ouvimos até hoje”, diz.
Além da resiliência, uma formação sólida é fundamental para ocupar estes espaços. “A Unifor foi o início de tudo. Sou muito grata por ter estudado nessa respeitada universidade, com professores dedicados a formar grandes profissionais”, diz ela, que, depois do mestrado acadêmico, também foi professora de diversos cursos de MBA na Unifor.
É sobre buscar equidade sem perder a essência
“A gente não pode perder a nossa essência”, diz Renata Santos. Egressa do curso de Publicidade e Propaganda da Unifor e atual diretora Comercial, Marketing e CX da BSPAR, ela acredita que a forma das mulheres trabalharem e enxergarem o mundo, assim como sua capacidade analítica, são importantes para desempenhar cargos de liderança.
“E isso sem perder os outros grandes papéis que desenrolamos na vida, de mãe, de filha, de esposa, de companheira, de cuidar do nosso bem-estar, da nossa saúde”, pontua.
A BSPAR é uma importante incorporadora do Ceará, que conta com um portfólio diversificado de produtos de alto padrão, loteamentos, residenciais verticais, comerciais e segunda residência. O cotidiano de Renata engloba toda a jornada do cliente na empresa. Ela está presente desde a captação com o marketing até a experiência do cliente no pós-compra.
O caminho até assumir o posto de liderança não foi curto. Renata começou a jornada profissional quando ainda estudava na Unifor, como estagiária em uma empresa do segmento financeiro. Depois, atuou como gerente de marketing, passou por empresas do ramo de saúde ao de alimentos e multinacional. Construiu, neste processo, uma visão ampla da área que atua. O percurso foi fundamental para desempenhar o posto de liderança em mais de uma década de BSPAR.
De acordo com Renata, as competências para atuar bem em um posto de liderança são uma construção diária. “Gerir é tomar decisão, e a experiência faz com que a gente construa isso a cada dia, a cada demanda, unindo a técnica e a sensibilidade para entender os vários ângulos que envolvem essa decisão”, diz.
Renata diz que busca ouvir mais e falar menos, sempre preocupada em passar segurança para toda a equipe com a tomada de decisões baseada em análise de dados, tendência de mercado e na própria experiência.
A Universidade de Fortaleza foi fundamental para que ela chegasse neste lugar. “A Unifor fez com que estreitasse esse caminho entre a educação e o mercado de trabalho”, diz.
“A Unifor promove encontros e relações. A estrutura docente e física dela também faz com que o aprendizado seja completo, seja 360°” — Renata Santos, egressa do curso de Publicidade e Propaganda da Unifor e atual diretora Comercial, Marketing e CX da BSPAR
Renata conta que a BSPAR tem várias mulheres na liderança, o que a faz sentir uma harmonia entre os gêneros onde trabalha. Ela pondera, por outro lado, que ainda é recente esta posição das mulheres líderes nas grandes empresas. “Então, existe ainda essa discrepância. Estamos num caminho longo a seguir. Foram feitos progressos, mas a equidade de gênero ainda precisa existir”, afirma.
Da docência à direção de uma rede hospitalar, o espaço também é delas
A médica Fernanda Colares dirige o setor de Recursos Próprios da Unimed Fortaleza. Carioca de família cearense, decidiu se mudar para Fortaleza por conta da violência urbana no Rio de Janeiro. Terminou o mestrado e passou na seleção para docente do curso de Medicina na Unifor. Também começou a trabalhar no Hospital Geral Dr. Waldemar Alcântara, onde foi ascendendo em cargos de gestão até chegar à direção.
Algum tempo depois, foi convidada para ser diretora do hospital regional da Unimed. Foi ascendendo na empresa até chegar ao cargo que ocupa hoje. Fernanda é responsável por todas as unidades assistenciais administradas pela própria Unimed.
“Todos os laboratórios, clínicas, serviços pré-hospitalares, ambulâncias, home care, os dois hospitais e agora o novo pronto-atendimento ficam sob minha responsabilidade na Unimed Fortaleza”, explica ela, que também é doutora em Saúde Coletiva pela Unifor.
Durante a pandemia, Fernanda viu os hospitais dobrarem sua capacidade e precisou dar respostas. Atualmente, é responsável por mais de 4.000 colaboradores da Unimed Fortaleza, que tem mais de 370 mil vidas na sua cartela de clientes. Ciente do tamanho da sua função, Fernanda trabalha diariamente para colocar o paciente no centro do cuidado. É sua tarefa formar ambientes de confiança para que colaboradores e médicos cooperados se sintam bem e a qualidade na assistência seja garantida.
Fernanda diz que a área da saúde é muito feminina. “Cerca de 70% dos trabalhadores da saúde são mulheres", aponta. “No entanto, conforme você sobe de nível, quando você vai se aproximando dos cargos mais altos de liderança, o número de mulheres diminui”, lamenta.
Mesmo assim, ela acredita que as mulheres vêm aumentando sua participação nestes espaços. “Tenho muito apoio dos meus colegas e consigo sentir que eu sou respeitada, que minhas opiniões são valorizadas”, celebra. Mas, olhando para fora, ela sabe que não é raro que as mulheres tenham dificuldades de serem ouvidas, por exemplo.
Uma dificuldade é equilibrar as inúmeras tarefas e papéis como gestora, mãe, esposa e na vida acadêmica. “A mulher acaba tendo um pouco mais de carga nestes papéis do lar e trazendo um peso extra. Acho que, sim, precisamos levantar essa bandeira, trabalhar em empresas que valorizem a diversidade, a inclusão e, principalmente, a equidade”, defende. Ver mulheres nestes espaços, acredita, inspira outras a seguirem o mesmo caminho.
“Nosso mundo está passando por um processo de transição. Não é rápido, não é fácil. Mudança de cultura é uma coisa, realmente, a médio e longo prazo. Mas eu acho que, quanto mais falarmos sobre isso, quanto mais mulheres tivermos na alta gestão, mais fácil conseguiremos abrir o caminho para que outras mulheres cheguem” — Fernanda Colares, docente do curso de Medicina da Unifor e diretora de Recursos Próprios da Unimed Fortaleza
Ser líder em uma área ainda predominantemente masculina
Raquel Ximenes fez bacharelado em Informática e Mestrado em Informática Aplicada na Unifor. Chegou ao mercado de trabalho rapidamente, mas sem muitas referências femininas numa área predominantemente masculina. Mas não se conformou com essa lógica e decidiu que podia, sim, crescer. Hoje, Raquel é gestora da Arquitetura e Inovação de Tecnologia da Informação no Banco do Nordeste do Brasil (BNB).
Ainda nos tempos universitários, Raquel ouvia dos professores que possuía perfil de gestão. Começou a estudar mais e a se dedicar a este universo. Passou por empresas multinacionais, atuou em projetos internacionais e em outros estados brasileiros. Consolidou-se na gestão no BNB.
Lá, o setor de Raquel (onde ainda predominam os homens) é responsável por definir toda a estratégia de uma arquitetura de referência em tecnologia da informação para o banco. Também dá suporte às equipes de desenvolvimento de sistemas e a eventuais necessidades do departamento de operação. Além disso, a egressa e sua equipe atuam com iniciativas de transformação digital e suporte à governança de dados de tecnologia da informação.
As habilidades para assumir o cargo foram construídas ao longo da vida, desde que produzia cintos e tiaras e dava aulas particulares em busca de independência financeira. Na área da tecnologia, passou por empresas de diferentes portes e áreas — de distribuidora de medicamentos a software house, telecomunicações e multinacionais.
Passar no concurso do BNB foi uma forma de aliar interesse profissional à estabilidade financeira e dedicação familiar. Raquel, que estava morando em Pernambuco, pôde voltar ao Ceará. Já são 18 anos de atuação em diversas áreas, subindo degrau por degrau a partir da competência das entregas e do reconhecimento da qualidade do trabalho.
“Fui construindo a minha trajetória, sempre com um viés como meu carro-chefe, que é de transformação e inovação em processos, buscando mudar o status quo das atividades e melhorar tanto a performance da unidade que eu esteja alocada como trazer melhores resultados e impactos”, conta.
Para ela, um grande diferencial do gestor é conseguir ter o discernimento para assumir riscos na tomada de decisão. “Esse limite entre o seu apetite ao risco pode definir um bom resultado nas suas entregas ou definir exatamente um direcionamento estratégico na sua gestão. É uma habilidade interessante assumir riscos na medida certa”, assevera.
As mulheres ganham espaço na área em um momento em que não cabe mais gestores com histórico ou comportamento autoritário sem o senso de responsabilização coletiva com a sua equipe. E elas estão trabalhando para serem vistas pela sua competência e não pelas lentes dos preconceitos de gênero.
“A mulher assume muitos papéis. Quando ela assume uma liderança, parece que tem que ser melhor em todos os aspectos. Se você é uma boa gestora, acham que não deve cuidar do filho direito, não deve ser uma boa esposa, não deve ser uma boa dona de casa. É como se tivesse que ser boa em todos os papéis que você vai executar para habilitar você como líder” — Raquel Ximenes, egressa da Unifor e gestora de Arquitetura e Inovação de Tecnologia da Informação no Banco do Nordeste
De acordo com Raquel, é um desafio equilibrar estas múltiplas cobranças na balança e acreditar que, vez por outra, as mulheres podem não ser as melhores em algo. No seu caso, ela tem garantido presenças de qualidade junto à família, que não costuma se queixar de ausências. Apesar da experiência pessoal equilibrada, a gestora diz que gostaria de ter uma visão mais positiva sobre a abertura dos espaços de lideranças das mulheres.
“Em pleno 2024, depois de tantas lutas pela equidade de gênero e de tanta demonstração de competência de diversas mulheres espalhadas ao redor do mundo ou aqui no nosso próprio país, ainda nos deparamos com falas sobre a impossibilidade de uma mulher poder assumir um cargo executivo de gestão empresarial. [...] Não acho que a liderança feminina tenha crescido na velocidade que o mundo moderno permite. Ainda temos amarras de preconceito e [precisamos] de autoempoderamento”, diz.
A busca para ampliar a diversidade
CEO do Grupo Camarmo, Carlos Mororó conta que, nos últimos anos, as empresas têm buscado focar em diversidade nos cargos de liderança. “Durante muito tempo, era considerado um problema. Muitas empresas tinham um preconceito em contratar mulheres e mães para cargos de gestão, que precisavam ter uma rotina de viagem muito forte”, lembra.
Isso foi se transformando com o processo do ESG e o olhar para a diversidade no mercado de trabalho. “Hoje, muitas empresas de grande porte têm, inclusive, priorizado a contratação de mulheres para cargos de liderança. Têm colocado isso como meta dentro das suas organizações, de ter pelo menos 50% de mulheres no cargo de liderança”, afirma.
No Brasil, 3,8 a cada dez cargos de gerência no país são ocupados por mulheres. Globalmente, o país fica atrás da Rússia e dos EUA, cujos índices são de 4,6 e 4,1. Os dados mostram que as mulheres ocupam espaços, mas ainda precisamos avançar para garantir equidade.
“Existe uma qualificação muito grande das mulheres, que cada vez mais assumem posição de liderança. As empresas também têm buscado essa diversidade nas posições. É isso que está em andamento. As empresas do Brasil estão trabalhando para isso” — Carlos Mororó, CEO do Grupo Camarmo