seg, 6 janeiro 2025 11:58
Entrevista Nota 10: Christiane Leitão, a primeira mulher presidente da OAB-CE
Secretária-geral da Comissão Nacional da Mulher Advogada fala sobre sua eleição à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará, além de refletir sobre a presença feminina no mundo jurídico
No ano em que completa três décadas na advocacia, Christiane do Vale Leitão também celebra fazer parte de um fato histórico: é a primeira mulher presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE) em mais de 90 anos de história. Ela, que tomou posse no dia 2 de janeiro, estará à frente da instituição para o triênio 2025-2027, logo após ter exercido o cargo de vice-presidente entre 2022 e 2024.
“Recebi a notícia com muita alegria e senso de responsabilidade. E, claro, com o discernimento de que se trata de uma grandiosa missão. Minha eleição é reflexo de um movimento coletivo que reconhece a importância da representatividade feminina em espaços de poder”, declara a também professora universitária.
As questões de gênero, inclusive, são intrínsecas à atuação de Christiane, que é presidente da comissão Mulher Advogada da OAB-CE, secretária-geral da Comissão Nacional da Mulher Advogada e membro da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ). Ela chegou ainda a atuar em conselhos municipais e estaduais voltados à defesa dos direitos das mulheres.
Graduada em Direito e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, a nova presidente da OAB-CE possui especialização em Direito Processual Penal e em Sociologia. Também é membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e do Instituto dos Advogados do Ceará (IAC).
Na Entrevista Nota 10 desta semana, Christiane fala sobre sua eleição à presidência da OAB-CE, além de refletir sobre a presença feminina no mundo jurídico e comentar sua relação com a Unifor.
Confira na íntegra a seguir.
Entrevista Nota 10 — Em 91 anos de história, é a primeira vez que a OAB-CE elege uma mulher para a presidência da instituição. Como foi receber a notícia de que você é quem irá ocupar esse cargo? O que essa nova fase em sua trajetória representa para você e para a Ordem?
Christiane Leitão — Recebi a notícia com muita alegria e senso de responsabilidade. E, claro, com o discernimento de que se trata de uma grandiosa missão. Minha eleição é reflexo de um movimento coletivo que reconhece a importância da representatividade feminina em espaços de poder. É também fruto de uma construção que começou em 2020, na realização da III Conferência Nacional da Mulher Advogada, em Fortaleza/CE, e que gerou os encaminhamentos necessários para o estabelecimento da paridade de gênero no Conselho Federal da Ordem dos Advogados.
Até 2020, somente cinco mulheres foram presidentes nos mais de 90 anos da Ordem no Brasil. No Ceará, serei a primeira. Então, podemos perceber a importância do avanço desse processo de valoração da advocacia feminina. Sabemos que, historicamente, a advocacia e sua militância sempre foram protagonizadas por homens. Mas o protagonismo das atuais seis presidentes (22%) e das muitas vice-presidentes (82%), trará com certeza um novo olhar para todo o sistema de ordem. E aqui no Ceará teremos três presidentes mulheres nas subsecções.
São construções que vão efetivamente trabalhando a participação, a inclusão e a diversidade. Ainda temos muito espaço a conquistar, mas o importante é que estamos caminhando e percorrendo essa jornada com todo o apoio da advocacia.
Entrevista Nota 10 — Você ficará à frente da OAB-CE durante o triênio 2025-2027. Quais são os objetivos da sua gestão para esse período? Que necessidades são urgentes e latentes na instituição? E o que já funciona bem, mas precisa de uma atenção especial?
Christiane Leitão — Teremos como prioridade dar continuidade aos avanços alcançados em todo o Estado, sempre com transparência e diálogo, promovendo a qualificação profissional permanente e uma forte atuação pelo respeito às nossas prerrogativas. Iremos investir em modernização e treinamento em plataformas que facilitem o trabalho de todos os advogados e advogadas, sobretudo daqueles que atuam no interior. As sedes das 17 subsecções da Ordem funcionarão como apoio à advocacia no interior, promovendo um sentimento de pertencimento e inclusão à classe. Nossa gestão buscará fazer de nossas sedes ponto de encontro regionalizados da advocacia das subsecções, que através de nossos cursos, eventos e audiências públicas participarão da luta pela cidadania de suas regiões, atuando como verdadeiros agentes de transformação social no interior do Estado.
Entrevista Nota 10 — Sua carreira tem se conectado às questões de gênero, seja assumindo cargos focados nesse tópico ou atuando em conselhos municipais e estaduais voltados à defesa dos direitos das mulheres. Como essas experiências te deram uma visão abrangente da presença feminina no universo jurídico? De que maneira essa vivência pode ou vai influenciar suas ações na presidência da OAB-CE?
Christiane Leitão — Durante minha trajetória, pude vivenciar de perto as dificuldades que muitas advogadas enfrentam, desde o desequilíbrio na remuneração até a falta de oportunidades de ocupação de lugares de liderança em escritórios. Essa vivência reforçou minha convicção de que precisamos de políticas concretas para promover a igualdade de gênero e garantir que a voz das mulheres advogadas seja ouvida em todas as esferas da advocacia e da gestão pública. Assim, como presidente da OAB-CE, pretendo fortalecer o protagonismo feminino com ações voltadas para o empreendedorismo na advocacia, mentorias para jovens advogadas e programas de qualificação que ampliem as oportunidades no mercado de trabalho.
Também será prioritário garantir o acolhimento às advogadas em situação de vulnerabilidade, criando assim um ambiente mais justo e acessível para todas. Pretendo implementar projetos que contemplem, por exemplo, mais salas de apoio equipadas para advogados e advogadas em todo o estado, além de iniciativas que facilitem a estruturação entre a vida profissional e pessoal das mulheres, como espaços para mães advogadas, fraldários e ações por meio da Caixa de Assistência dos Advogados do Ceará (CAACE), através de convênios e serviços para mulheres e mães advogadas.
Entrevista Nota 10 — A advocacia é hoje uma profissão majoritariamente feminina no Brasil: são 50% de mulheres, 49% de homens e 1% pertencente a outras identidades de gênero, segundo o estudo Perfil ADV 2024. Apesar disso, ainda existem disparidades no tratamento e reconhecimento dessas profissionais no mundo jurídico? Qual o panorama que a advogada brasileira encontra hoje ao exercer seu ofício?
Christiane Leitão — O cenário da advocacia no Brasil, embora tenhamos alcançado a paridade de gênero formal em números absolutos, ainda apresenta desafios significativos para as mulheres no exercício de sua profissão. A advogada brasileira enfrenta disparidades que vão desde questões salariais até preconceitos e barreiras relacionadas a sua atuação em espaços tradicionalmente masculinizados.
Quando lançamos um olhar mais reflexivo sobre essa questão, logo percebemos que, no dia a dia, a mulher advogada passa por situações que só acontecem por conta do seu gênero. O desrespeito no ambiente de trabalho acontece de diversas formas: sendo frequentemente interrompidas em reuniões, tendo sua competência questionada ou sendo subestimadas em negociações e audiências. Sem falar na questão do assédio moral e sexual, que continua a ser um problema recorrente. Infelizmente isso é um reflexo da nossa sociedade, que ao longo dos séculos estabeleceu relações de subordinação ligadas ao gênero que se reproduzem até hoje.
A boa notícia é que a OAB tem se mostrado sensível às necessidades do momento. A inclusão do combate ao assédio moral, sexual e à discriminação como infrações disciplinares graves, conforme disposto na Lei nº 14.612/2023, reflete o compromisso em construir um ambiente de trabalho mais justo e igualitário para todos.
Entrevista Nota 10 — Mesmo com desafios e disparidades ainda presentes, como você enxerga a evolução da presença feminina em cargos de liderança dentro do universo jurídico? O que pode ser feito para estimular ainda mais a equidade de gênero nesse contexto?
Christiane Leitão — Vejo um futuro promissor, em que a presença feminina será cada vez mais marcante e decisiva. O caminho é longo, mas o avanço das mulheres no cenário jurídico brasileiro é irreversível. Precisamos continuar trabalhando juntas para garantir que esses espaços sejam ocupados de forma justa e equitativa. Minha prioridade será implementar ações afirmativas que incentivem a presença feminina em espaços de decisão, garantir melhores condições de trabalho e lutar por políticas de valorização da advocacia feminina, como apoio às advogadas que conciliam maternidade e profissão. Também pretendo fortalecer a Comissão da Mulher Advogada, ampliando sua atuação e visibilidade.
Entrevista Nota 10 — Você é graduada em Direito e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Como a formação na Unifor te preparou para a carreira jurídica e os desafios profissionais que você encara hoje? Poderia compartilhar um pouco de como foi sua experiência na instituição?
Christiane Leitão — Primeiro, preciso expressar o meu carinho e orgulho pela Universidade de Fortaleza. O meu tempo de graduação e mestrado foi de grandes partilhas e aprendizados. A Unifor foi a base da minha formação e devo muito aos mestres que orientaram e fizeram parte da minha formação. Educação liberta, educação transforma. Por isso, ter tido a oportunidade de construir a minha formação nos quadros desta Instituição foi uma imensa alegria. Minha mãe foi professora da casa por muitos anos, e tanto eu quanto meu esposo Hélio Leitão Neto e meu filho Hélio somos egressos do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da casa. Muito amor por essa universidade.