18 anos da Lei Maria da Penha: Como a legislação tem evoluído no combate à violência contra a mulher?

seg, 12 agosto 2024 17:40

18 anos da Lei Maria da Penha: Como a legislação tem evoluído no combate à violência contra a mulher?

A lei nº 11.340 inovou o cenário jurídico nacional, tornando-se um importante marco no enfrentamento à violência doméstica e de gênero no Brasil


Decisões e medidas têm contribuído para o fortalecimento da lei, tornando-a ainda mais abrangente no combate à violência doméstica (Foto: Getty Images)
Decisões e medidas têm contribuído para o fortalecimento da lei, tornando-a ainda mais abrangente no combate à violência doméstica (Foto: Getty Images)

A Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, completa 18 anos neste mês de agosto. Nomeada em homenagem à ativista cearense Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher que sofreu violência extrema por parte do ex-marido, a legislação representa um avanço significativo na luta contra a violência doméstica no Brasil e tem como objetivo proteger as vítimas, assim como punir os agressores com medidas mais rigorosas e eficazes. 

Para o defensor público Régis Pinheiro, docente do curso de Direito da Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz —, a lei nº 11.340/2006 é um importante marco na defesa da mulher e no enfrentamento da violência doméstica, trazendo várias inovações para o cenário jurídico, como:

  • Definição de diversos tipos de violência (física, psicológica, moral, sexual e patrimonial);
  • Determinação de criação de varas criminais especializadas para julgar os crimes decorrentes da violência doméstica ou familiar;
  • Possibilidade de concessão de medidas protetivas em favor da mulher;
  • Majoração das sanções penais e proibição de aplicação de institutos despenalizadores;
  • Previsão de atendimento especializado, seja no âmbito da polícia judiciária, do judicial, da assistência social ou da psicologia.

“Acredito que a principal consequência da Lei Maria da Penha seja despertar na sociedade o dever de enfrentar a violência de gênero, ou seja, dar visibilidade a um problema que não escolhe classe social, tornando-se um importante instrumento na promoção da igualdade de gênero”, declara o docente.

Críticas e evolução

Desde o início, a Lei Maria da Penha foi alvo de muitas críticas, sendo que a principal alegação contrária à norma foi a de que ela feriria o princípio da igualdade, uma vez que a aplicação poderia trazer um tratamento diferenciado baseado no gênero. Essa alegação foi considerada infundada pelos tribunais e, alguns anos depois, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), considerando que mulheres são desproporcionalmente afetadas por esse tipo de violência

Ao longo do tempo, também foram levantados outros problemas ligados à implementação da lei, como a falta de treinamento no atendimento à vítimas; a lentidão dos processos, que desestimula a busca por justiça e torna a proteção menos efetiva; o preconceito e a estigmatização por parte dos profissionais envolvidos na aplicação da lei; e a ineficácia no monitoramento das medidas preventivas, que pode levar a situações em que as vítimas não se sentem devidamente protegidas.

No entanto, as instituições brasileiras têm feito esforços no sentido de minimizar esses obstáculos. Entre eles está:

  • o investimento em tecnologias de monitoramento,
  • a implementação de políticas públicas com ações de conscientização para a população e capacitação para profissionais;
  • a presença de defensores públicos especializados no tema;
  • as alterações na legislação, como a tipificação do feminicídio;
  • o apoio psicossocial, por meio do fortalecimento das redes de apoio que oferecem suporte às vítimas.

Fortalecimento da lei

Conforme explica Régis Pinheiro, vários outros dispositivos legais surgiram na esteira da Lei Maria da Penha, como o direito penal, com novos tipos penais e sanções mais duras, a exemplo do direito processual penal.

“Importante ressaltar que o aprimoramento decorrente da Lei Maria da Penha ocorre em todas as funções estatais: no Judiciário, com evolução jurisprudencial; e no Executivo, com a realização de vários programas de defesa da mulher”, declara o defensor público.


“A Lei Maria da Penha trouxe visibilidade e debate sobre a igualdade de gênero para discussão social, um problema e uma realidade a ser enfrentada por todas as instituições, por toda a sociedade. Consequentemente, pode-se observar uma constante evolução nas plataformas políticas, inclusive cotas mínimas a serem ocupadas nas cadeiras do parlamento”Regis Pinheiro, defensor público e docente do curso de Direito da Unifor

Decisões judiciais relacionadas à Lei Maria da Penha e à violência doméstica no Brasil têm sido fundamentais para moldar e aprimorar a aplicação da lei, garantindo uma proteção mais efetiva às vítimas por meio do fortalecimento e expansão da ação legislativa.

Em 2023, por exemplo, o STF decidiu, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7267, que os juízes não podem, sem pedido da vítima, marcar audiências para que ela desista de processar o agressor em casos de violência doméstica.

A decisão levou em conta o respeito à autonomia da vítima, garantindo que a continuidade do processo penal por violência doméstica dependa da manifestação explícita da mulher que sofreu a violência, o que reduz as chances de pressão ou coação para a desistir do caso.

Outra decisão relevante foi a declaração de constitucionalidade de uma lei municipal de Valinhos, em São Paulo, que impede a administração pública de nomear pessoas condenadas pela Lei Maria da Penha. Ao proibir tal nomeação, a justiça envia uma mensagem clara de que os crimes de violência doméstica são graves e que a administração pública deve manter um padrão ético elevado.

Contínua adaptação

Segundo o professor Regis Pinheiro, apesar dos inegáveis avanços, há a necessidade de constante discussão social, inclusive dentro das famílias, objeto de educação em direitos, pois há uma corrente política conservadora que defende tratamento igualitário, sem a necessidade de distinção de gênero.


A Lei Maria da Penha trouxe importantes inovações para o judiciário brasileiro no combate à violência de gênero (Ilustração: Getty Images)

“Ressalto, como exemplo, a lei que inseriu o feminicídio como forma qualificada de homicídio em 2015. À época, a bancada no Congresso Brasileiro, muito mais conservadora, restringiu a nova qualificadora às mulheres”, diz Regis, salientando o fato de que a regra não abrangeu pessoas trans e não-binárias, restrição que reflete as tensões e limitações que surgem quando diferentes perspectivas sobre gênero e direitos são debatidas em contextos legislativos.

Dessa forma, é visível como a contínua revisão e adaptação das leis e práticas é essencial para a justiça. E 18 anos após o sancionamento da Lei Maria da Penha, muitas foram as mudanças e melhorias. Isso é prova de que, conforme a humanidade caminha, as normas que a regem devem acompanhar essas transformações para assegurar que a legislação atenda às necessidades das vítimas e se adapte às mudanças na sociedade.

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Quem é Maria da Penha?

Nascida em Fortaleza, no Ceará, Maria da Penha Maia Fernandes possui formação como farmacêutica bioquímica e mestre em Parasitologia em Análises Clínicas. Após ter sido vítima de dupla tentativa de feminicídio por seu então marido, em 1983, tornou-se uma ativista do direito das mulheres. 

De lá para cá, ela se transformou no símbolo da luta contra a violência doméstica no Brasil, sendo hoje uma líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres. Sua jornada em busca de justiça contra o agressor, especialmente pelo ineditismo como o caso foi tratado no âmbito jurídico nacional e internacional, motivou a criação da lei nº 11.340, que leva seu nome.

Desde a sua criação, muitos projetos de lei tentaram enfraquecer a Lei Maria da Penha, mas, devido à ação conjunta de Maria da Penha com movimentos feministas e instituições governamentais, a lei nunca sofreu retrocessos.

Unifor no apoio gratuito às vítimas de violência doméstica 

A Universidade de Fortaleza, por meio do Núcleo de Apoio às Vítimas de Violência Urbana (NAVV), disponibiliza assistência interdisciplinar para pessoas afetadas por violências urbanas, entre elas vítimas de feminicídios (na forma consumada e tentada) e casos que envolvem violência doméstica e sexual.

O atendimento é gratuito, sendo realizado por profissionais da área jurídica e da saúde, principalmente psicólogos e assistentes sociais. A iniciativa conta também com participação dos alunos dos cursos de Direito e Psicologia da Unifor.

Serviço

Núcleo de Apoio às Vítimas de Violência Urbana (NAVV)
Local: Escritório de Práticas Jurídicas (EPJ), bloco Z (Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, Fortaleza-CE)
Funcionamento: segunda a sexta-feira | 8h às 12h | 13h às 17h
Agendamentos: navv@unifor.br 
Informações: (85) 3477-3406