Entrevista Nota 10: Filipe Grimaldi e a relação entre artes visuais, cultura popular e novas tecnologias
seg, 16 dezembro 2024 21:13
Entrevista Nota 10: Filipe Grimaldi e a relação entre artes visuais, cultura popular e novas tecnologias
Designer gráfico e diretor do Atelier Sinlogo fala sobre a carreira nas artes visuais, a paixão pelo letrismo e a influência das novas tecnologias no fazer artístico
A cultura popular tem um espaço especial nas manifestações artísticas, indo desde o artesanato em cerâmica até os panos de prato bordados e cartazes de mercado com caligrafias singulares. Para muitos artistas, esse elemento repleto de pluralidades e que faz parte do cotidiano da população se torna inspiração para criar releituras e novas produções artísticas contemporâneas.
Esse é o caso do designer gráfico Filipe Grimaldi. O letrista e artista visual é uma das maiores referências em pintura de letra popular no Brasil, trazendo como referência a sabedoria popular dos letristas nacionais.
Sua pesquisa foca no letrismo vernacular sul-americano, explorando símbolos e caligrafias populares presentes em carrocerias de caminhão, comércios informais e cartazes de supermercado. Ao mapear esses alfabetos e símbolos, ele busca resgatar e perpetuar essa sabedoria artística, integrando-a em suas obras e projetos de design gráfico.
Ele também utiliza as redes sociais para compartilhar seu conhecimento e trazer visibilidade à comunidade artística. Em seu perfil, o muralista realiza análises técnicas e estéticas de trabalhos de outros artistas, ampliando o alcance de suas ideias e contribuindo para a valorização da cultura popular brasileira no ambiente digital.
Formado em Design Gráfico pelo Centro Universitário Belas Artes, Grimaldi é diretor do Atelier Sinlogo, uma das principais referências em pintura de letra popular no Brasil. Além do trabalho autoral, ele atua como professor, ministrando cursos de caligrafia, lettering e pintura de letra em diversas instituições, incluindo unidades do Sesc no estado de São Paulo.
No fim de novembro, Filipe esteve no campus da Universidade de Fortaleza para ministrar a palestra “Chora, Photoshop: Caligrafia e Lettering na Publicidade e no Design” e conduzir a mentoria “Caligrafia e Lettering na Publicidade e no Design: cases de sucesso de Filipe Grimaldi”. Promovidos pelas graduações em Design e Publicidade e Propaganda da Unifor, os momentos proporcionaram uma troca de experiências exclusiva para os alunos dos cursos e convidados.
Na Entrevista Nota 10 desta semana, o apresentador Conan Peixoto, aluno do curso de Jornalismo e estagiário da TV Unifor, conversou com Grimaldi sobre a carreira nas artes visuais, a paixão pelo letrismo e a influência das novas tecnologias no fazer artístico.
Confira a conversa a seguir.
Entrevista Nota 10 — Como foi o começo da tua carreira como artista visual e artista digital, no Instagram e no Tik Tok, principalmente sendo um artista autodidata?
Filipe Grimaldi — Acho que eu sempre fui um pouco artista. Quando eu era moleque, já gostava muito de desenhar. Tenho uma tia que é ceramista, o que fez com que eu conhecesse um ateliê e coisas parecidas. Eu observava ela tendo uma vida de artesã e sempre gostei disso. Quando terminei a escola, as carreiras mais próximas eram em administração e advocacia — que era o que meus amigos iam fazer. Eu queria uma coisa relacionada à arte, mas que não fosse a faculdade de artes, e aí eu me coloquei numa faculdade de design gráfico, que me proporcionou um entendimento de mercado e fez eu me desenvolver comercialmente bastante na parte da arte.
Depois da faculdade, comecei a ir para a parte da caligrafia e do lettering, uma coisa mais manual, e percebi que eu tinha um estilo. Comecei a alimentar aquele estilo através de viagens, de referências, e fui desenvolvendo um estilo próprio, que é uma coisa que demora um pouquinho para conseguir. Mas eu fui me vendo mais artista, fui olhando para outros amigos artistas e fui trilhando esse caminho de não ser só um designer, um professor, mas ser um artista visual também, um cara que expõe, que tem suas obras, seu estilo e tudo mais. Foi um pouco esse processo.
Entrevista Nota 10 — Impressionante como a arte não só encanta, como também liberta. A vida inteira você olhou tua tia, falou “pô, queria fazer algo relacionado” e, na faculdade mesmo, se descobriu também um artista, não é?
Filipe Grimaldi — Sim. As faculdades apresentadas quando a gente está saindo de uma escola, são faculdades que o profissional tem um sucesso mais fácil se ele terminar a graduação e entrar em um mercado tradicional. Só que mudou muito hoje em dia, os mercados não são mais tradicionais, é muito diferente. Se você faz uma faculdade de jornalismo, você pode atuar em todos os lugares do planeta, o mercado inteiro está aberto. Não tem só a internet, como tem o televisivo, tem o rádio, tem todas essas coisas. Então, é encontrar uma “frestinha” para você chamar de sua.
Entrevista Nota 10 — Sabemos que você é um letrista conhecido nas redes sociais. Foi dessa parte da faculdade que você descobriu a paixão pelo letrismo?
Filipe Grimaldi — Foi um pouco mais para frente. Eu me formei na faculdade em 2005 e trabalhei quase 10 anos com identidade visual, sendo designer gráfico com os meus amigos. Depois disso, a gente definiu que cada um ia seguir seu caminho, eu comecei a fazer coisas ligadas à pintura de letra, à caligrafia, e eu olhei essa coisa da sabedoria popular, dos letristas populares do Brasil. Vi que minha pesquisa cabia muito nesse lugar e comecei a viajar — não só a América Latina, como o Brasil —, descobrir essas sabedorias e tentar adicionar isso para mim, não só no meu estilo, mas também ensinar a outras pessoas para poder criar um corpo da letra popular. E hoje em dia, a gente vê isso nas faculdades, o design vernacular, a gente vê as fontes desenvolvidas a partir das placas e tal.
Entrevista Nota 10 — Por sermos uma televisão universitária, nós falamos com um monte de jovens. Eu sei que muitos desses jovens têm você como referência e influência. Queria saber: quais são as influências que moldaram o Filipe para ele ser essa influência para a galera de agora?
Filipe Grimaldi — Acho que a primeira coisa foi esse lance da sabedoria popular. Eu olhei as manualidades, desde você estampar um pano de prato, fazer um desenho, fazer uma pintura, aquilo tinha o artista ali. A minha principal e primeira influência são essas pessoas, que muitas vezes são invisíveis, mas que têm uma sabedoria popular forte.
A minha segunda referência foi a unidade da América Latina. A América Latina, junto com o Brasil, cria uma unidade latino-americana muito sólida de cultura. Então, se você vai para Buenos Aires, para o Peru, para o Chile, por exemplo, você vai encontrar a mesma sabedoria popular: as letras, os caminhões, os coletivos, as pinturas, os artesãos. Tem uma coisa muito em comum entre isso tudo. Essa foi uma referência enorme.
E por último, a arte urbana. Eu vim desse lugar da arte urbana, do grafite, da pichação, e eu vejo que isso não só é a linguagem das cidades, das metrópoles e tudo mais, como também é a linguagem do jovem. Esse mix da arte urbana com a arte popular, eu acho que ela acaba trazendo o meu trabalho, ela junta tudo. Eu acabo traduzindo o meu trabalho um pouco nisso, na pintura de mural, trazendo signos populares e tudo mais, buscando um muralismo brasileiro.
Entrevista Nota 10 — Agora trazendo um pouco mais para os problemas da atualidade, principalmente no meio artístico, por conta das tecnologias novas, como as inteligências artificiais (IA): como você vê a popularização de artistas visuais e digitais em relação às IAs?
Filipe Grimaldi — Eu vou tentar repetir mais ou menos o que eu disse na palestra, que é o seguinte: hoje em dia, uma pessoa que não tem experiência, que acabou de começar, ou às vezes é só um mau designer, ela consegue entregar um resultado “ok” com uma inteligência artificial. Isso faz com que o bom designer, o cara que pesquisa, que estuda, seja substituído. Então, imagina um salão de cabeleireiro na sua rua, o cara que quer fazer um “flyerzinho” ou um catálogo, o resultado “ok”, para ele, está bom. Mas hoje, esse resultado “ok” é gerado através de um template pronto de uma inteligência artificial.
Tem muito designer que está focado nisso, em substituir processos para ter inteligência artificial. Eu acho que é um tiro no pé, isso vai sucatear qualquer tipo de profissão. Só que eu acho que a inteligência artificial ela tem, como ferramenta, as suas qualidades. Se você vai fazer uma pesquisa, se você tem que brifar alguém, às vezes mostrar como você gostaria que fosse [um produto], mostrar para um fotógrafo como que você queria uma foto, mostrar para um ilustrador mais ou menos um estilo de ilustração, para a pessoa que não sabe nada gerar referências através da inteligência artificial, legal.
Agora para uso e substituição, eu sou um pouco contra. Ainda temos uma inteligência artificial muito fraca, mas que vai ser muito forte no futuro, então, se não tivermos responsabilidade de usar isso agora, vai rápido embora.
Entrevista Nota 10 — Agora, para finalizar, como é que você vê a evolução desses artistas digitais e visuais hoje nas plataformas digitais, que é onde você realmente se espalhou pelo Brasil e o mundo inteiro?
Filipe Grimaldi — Acho que todo artista, qualquer um, tanto contemporâneo quanto artesão, está fadado a se defender nas redes sociais. Hoje em dia, a nossa plataforma de comunicação e de colocar seu portfólio para o mundo é a rede social. O problema da rede social é que ela não custa. E o preço dela é você. O preço do uso da rede social é o seu tempo.
O que acontece é que a gente, de uma maneira ou de outra, vai ficando um pouco escravo de produzir conteúdo. Um artista que quer se posicionar legal tem que sempre ter um vídeo fresco, uma pintura fresca, um carrossel, fotos bem tiradas. Isso tudo está fazendo com que a gente se profissionalize mais, claro, tem um portfólio legal, mas a gente não ganha nada das redes sociais. São elas que estão ganhando em cima da gente. Então, o preço do uso de uma ferramenta gratuita é o seu tempo, né?
Eu acho que temos que saber também usar com responsabilidade, assim como a inteligência artificial, as redes sociais. A gente até brinca que é a idade média da rede social agora. Estamos definindo o que está acontecendo. O que a gente definir agora é o que vai valer para os próximos 10 anos. É importante que a gente saiba se comportar. Quando você chega numa plataforma, às vezes, você vai comentar e sobe uma mensagem escrita assim "seja gentil nos seus comentários", porque a plataforma já sabe que aquilo ali é uma trocação de palavras de ódio. Então, é isso. Aprender a usar a rede social, aprender a ser uma boa pessoa na rede social.
Na minha opinião, todo artista precisa se desenvolver digitalmente. Não tem como negar a tecnologia em 2024, sendo que a gente pinta um mural e a gente tira uma foto do mural para colocar na internet. A saída de um mural é uma saída digital hoje em dia.