seg, 6 janeiro 2025 16:18
Israel x Palestina: conflito ultrapassa fronteiras e desafia cenário global
Ataques às nações vizinhas e acusações em tribunais intensificam instabilidade no Oriente Médio e acirram debate na comunidade internacional
Após pouco mais de um ano desde o ataque inesperado realizado pelo grupo palestino extremista Hamas a um festival nas proximidades da Faixa de Gaza, o conflito entre Israel e Palestina passa por uma nova fase de intensificação, marcada por escaladas violentas que repercutem globalmente.
Os recentes desdobramentos destacam não apenas os confrontos entre as duas nações, mas também os ataques no Líbano e na Síria – além das consequências da mudança de poder no país –, ampliando o espectro de instabilidade na região.
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Ataques ao Líbano e à Síria
Em 2024, o conflito ultrapassou as fronteiras tradicionais com recentes ataques aéreos no Líbano e na Síria. De acordo com Philippe Gidon, professor do curso de Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza — da Fundação Edson Queiroz —, a ampliação da guerra é algo procurado pelo governo de Israel, liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, há muito tempo.
“Devido às dificuldades que Israel tem encontrado em reprimir o Hamas dentro da própria Faixa de Gaza, o governo Netanyahu vê a ampliação do conflito em outras frentes como meio de tentar forçar os Estados Unidos, e o campo ocidental em geral, a dar apoio financeiro, logístico e político” — Philippe Gidon, professor do curso de Comércio Exterior da Unifor e mestre em Relações Internacionais
O docente acrescenta que a extensão da guerra significa ainda uma escalada significativa nas tensões que já existem no território, podendo resultar em várias implicações e novos riscos. “Israel vai navegando nessa rede intrincada de interesses cruzados e ambições para tentar ampliar a própria influência na região”, afirma Gidon.
Na Síria, por exemplo, os ataques foram motivados pelo objetivo de Israel em destruir arsenais que possam ser usados contra o Estado Judeu caso caiam na mão de extremistas após o fim da ditadura de Bashar al-Assad, que continuava uma dinastia no poder havia quase 54 anos. O ditador foi deposto pelo grupo extremista Hayat Tahrir al-Sham (Comitê de Libertação do Levante ou HTS).
Já no Líbano, os bombardeios aéreos são resultado da campanha militar israelense na Faixa de Gaza. A chamada “resistência libanesa” – coalizão de sete grupos político-militares liderados pelo Hezbollah, grupo terrorista financiado pelo Irã – tem promovido ataques contra Israel em solidariedade ao povo palestino.
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Acusação no Tribunal Penal Internacional
Outro desdobramento significativo foi o mandado de prisão emitido em novembro de 2024 pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) direcionado a Benjamin Netanyahu. O chefe do governo de Israel foi acusado de cometer crimes contra a humanidade e crimes de guerra ao longo do conflito na Faixa de Gaza.
Porém, ainda que o TPI, conhecido também como Tribunal de Haia, tenha competência para investigar e julgar indivíduos acusados de crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio, a chance maior é de que apenas efeitos indiretos sejam sentidos pelo primeiro-ministro israelense.
Martonio Mont'Alverne, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD) da Unifor, explica que isso se deve ao fato de Israel não reconhecer a jurisdição do TPI sobre o seu território, seguindo países como EUA e Rússia. Assim, mesmo com o mandado de prisão emitido, Netanyahu não será preso enquanto estiver em solo israelense.
O docente acrescenta que a ordem de prisão emitida pelo Tribunal de Haia dependerá da disposição dos signatários do Tribunal quanto ao seu cumprimento.
“Alguns países signatários já disseram que não a cumpririam, como Alemanha e França, em razão de Netanyahu ter sido eleito por um sistema eleitoral democrático. Isso gera descrédito deste sistema internacional: há uma ordem contra Vladimir Putin, igualmente eleito pelo povo russo, mas que já recebeu advertências de que será preso caso esteja em solo europeu, por exemplo”, afirma o doutor em Direito pela Johann Wolfgang Goethe-Universität, na Alemanha.
Condenação no Tribunal Popular do G20 Social
Além de Benjamin Netanyahu ter sido acusado pelo Tribunal Penal Internacional, Israel foi condenado por genocídio na Faixa de Gaza pelo Tribunal Popular do G20 Social. O veredito partiu do Tribunal Popular dos Povos, que reuniu juristas, advogados e militantes na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, também em novembro de 2024.
Rula Shadeed foi a responsável pela denúncia contra Israel no Tribunal. Para a advogada palestina e diretora do Instituto Palestinos para Diplomacia Pública, a condenação é “uma ação simbólica muito importante” nos esforços para barrar a ofensiva militar de Israel na região.
“A condenação pelo Tribunal do G20 é simbólica, mas possui um peso político porque retrata a posição das 20 economias mais relevantes do mundo. Poderá até ser mais efetiva do que a ordem de prisão expedida pelo TPI porque abre a possibilidade de estes países imporem sanções a Israel” — Martonio Mont'Alverne, professor do PPGD da Unifor e pós-doutor em Direito
O professor Philippe Gidon acrescenta que essa sentença tende a aumentar a pressão internacional, afetando as relações de Israel com seus aliados, especialmente em resposta à situação na Faixa de Gaza.
“Tem potencial de retaliação dessas relações bilaterais, da cooperação militar. [...] A oposição interna a Israel sai reforçada, assim como os movimentos sociais que criticam o governo, além de políticas implementadas em relação aos palestinos. São repercussões tanto na política externa quanto na sociedade civil”, pontua o docente.
Impactos e perspectivas locais e globais
Para além das dinâmicas regionais, o conflito entre Israel e Palestina exerce impacto direto sobre as relações internacionais, exigindo maior envolvimento de organizações multilaterais. Na opinião de Martonio, a volatilidade da região depende muito da própria formação de grupos políticos e de suas posições.
Ele explica que, de formas ambíguas e distintas, os Estados Unidos e a União Europeia, por exemplo, apoiaram regimes autoritários no passado, como os de Saddam Hussein e Bashar al-Assad. Depois, se juntaram a grupos como a Al Qaeda para derrubar esses regimes.
“O Ocidente paga um elevado preço por sempre ter se envolvido nas disputas regionais desde o século XIX e, de forma mais decisiva, após a primeira Guerra Mundial. A China é quem tem demonstrado menos interferência nos países da região. Todos, porém, se guiam por suas razões de segurança, o que, óbvio, conduz ao comprometimento do direito internacional”, esclarece o professor do PPGD.
Em termos locais, as comunidades afetadas enfrentam desafios relacionados ao acesso a recursos básicos, dificuldade de deslocamento e traumas. Os ataques tanto em Israel e Palestina quanto em países vizinhos têm impacto humanitário, agravando a marca já desastrosa na região.
Segundo a ONU, dois terços dos edifícios de Gaza foram destruídos ou danificados na guerra (Foto: Omar Al-Qattaa/AFP)
Philippe Gidon explica que a extensão do conflito também tem efeito dominó, resultando em possível desestabilização de uma região já particularmente instável – além do aumento de extremismo e terrorismo, grupos mais fundamentalistas e recrutamento de novos militantes, o que inclusive gera certo temor no próprio continente europeu.
“O impacto econômico é uma outra dimensão negativa da extensão do conflito, não somente a nível local, com a desestruturação das economias, mas até a nível global, com a capacidade de continuar a manter o fluxo de fornecimento de petróleo e de gás, por exemplo, com produção prejudicada ou até mesmo rotas de entrega cortadas”, finaliza.
Sobre o conflito entre Israel e Palestina
Ao longo do século, os conflitos entre Israel e Palestina têm resultado em centenas de mortes e deslocamentos forçados. Os ataques em Gaza e em territórios israelenses intensificaram-se, deixando a população civil vulnerável e ampliando a crise humanitária.
Os recentes desdobramentos da guerra ressaltam a urgência de soluções estruturais que contemplem não apenas a resolução militar, mas também os aspectos humanitários e jurídicos.
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