Israel X Palestina: Entenda as origens e consequências do conflito

seg, 23 outubro 2023 10:59

Israel X Palestina: Entenda as origens e consequências do conflito

Guerras e desrespeito aos direitos humanos marcam embate de difícil resolução


Território de Israel é palco de intensas disputas que colocam em risco a população civil  (Foto: Getty Images)
Território de Israel é palco de intensas disputas que colocam em risco a população civil (Foto: Getty Images)

Um novo capítulo do secular conflito entre Israel e Palestina colocou o assunto mais uma vez nas principais manchetes de jornais. O grupo palestino extremista Hamas, fundado em 1987, realizou um ataque inesperado a um festival nas proximidades da Faixa de Gaza no dia 7 de outubro, deixando mais de 260 mortos, além de sequestrar várias pessoas no território israelense.

Segundo o mestre em Relações Internacionais Philippe Gidon, docente do curso de Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz —, esse novo episódio de violência é considerado o mais virulento em décadas e ocorre em meio a desentendimentos crescentes entre potências globais.

“A força demonstrada e as atrocidades cometidas levaram o governo israelense a declarar uma guerra oficial contra o Hamas, com promessa de aniquilação daquela organização, incluindo uma provável invasão da Faixa de Gaza”, declara Gidon. 

O professor explica ainda que a ação mortífera poderia ser, em parte, uma reação local à reorganização de forças, supostamente entendida pelo Hamas como sendo prejudicial aos interesses do grupo, já que inclui reconhecimento formal ou tácito do Estado de Israel por nações da região.

Origens do conflito

O território da Palestina era parte do império otomano até o final da Primeira Guerra Mundial, época em que ocorreu a primeira onda de emigração de judeus, estimulada pelo movimento sionista — defensor da formação de um Estado Nacional próprio para os judeus na Palestina.

Após o desmantelamento do império otomano, a região da Palestina passou a ser administrada pelo Reino Unido até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a então recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu uma “doação” de parte daquele território para os judeus. O fato não agradou o mundo árabe, em particular os palestinos, que foram realocados de acordo com as novas fronteiras.


Hoje, a Palestina compreende os territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia (Imagens: BBC Brasil)

“A Palestina tem vivido, desde a criação de Israel (1948), uma situação de conflito endêmico. Uma guerra teve início no dia seguinte à criação do Estado. Mais duas ocorreram nas décadas seguintes (Guerra dos 7 dias e Guerra do Yom Kippur), todas vencidas por Israel”, frisa o professor Philippe.

O sentimento de abandono pela comunidade internacional, focada em assentar Israel e incentivar a aceitação desse fato no mundo árabe, desembocou no surgimento do grupo Hamas, que rejeita categoricamente a existência do Estado israelense e busca aniquilá-lo por todos os meios, inclusive beligerantes. Para tanto, tem organizado constantes ataques e atentados ao país “rival”.

Divisão de Territórios

Até hoje, a solução proposta em processos de paz com a criação de dois Estados independentes (Israel e Palestina) não saiu do papel. Enquanto isso, os territórios reservados para palestinos são divididos entre Cisjordânia e Faixa de Gaza. As regiões possuem administrações locais sob a responsabilidade da Autoridade Palestina, na Cisjordânia, e do Hamas, na Faixa de Gaza.


“O projeto oficial da criação de dois Estados enfrenta resistências tanto em alas políticas mais extremistas de Israel, que deseja expandir sua presença em toda Palestina, quanto do lado palestino, especialmente no Hamas, que não reconhece o direito à existência de Israel. A situação está bloqueada há décadas sem previsão de resolução. Esse confronto leva a recorrentes ações ofensivas promovidas pelos dois lados, incluindo invasões, assassinatos e atentados que só envenenam a relação já extremamente complicada entre palestinos e israelenses”Philippe Gidon, docente do curso de Comércio Exterior da Unifor

Há, todavia, presença israelense especialmente na Cisjordânia, que organiza a segurança de grande parte daquele território, com foco em zonas de assentamentos judeus não reconhecidos pela comunidade internacional dentro da zona oficialmente reservada à população palestina. Na Faixa de Gaza, por sua vez, não há presença israelense direta oficial no território, que fica totalmente sob controle do Hamas.

Os dois territórios são cercados por muros que possibilitam a circulação controlada dessas populações no território de Israel. “A sensação clara de aprisionamento promovida por tais restrições é entendida como fator gerador de frustração e ressentimento generalizado na população palestina”, analisa Gidon.

Ele pontua ainda que esse sentimento é aproveitado por movimentos locais mais belicosos na promoção de atos violentos, que consegue voz junto à parcela masculina jovem e sem perspectivas da região.


Barreira israelense na Cisjordânia é símbolo do conflito com o povo palestino (Foto: Getty Images)

Influência internacional

As duas partes do conflito gozam do apoio de potências regionais e globais em suas reivindicações. O Estado de Israel estava, até os últimos três anos, isolado em termos de suporte regional, todavia, desfruta de apoio quase incondicional dos Estados Unidos, com ajuda militar, política, econômica e financeira. A União Europeia tende a seguir a mesma linha, reafirmando seu suporte após os recentes atentados do Hamas.

Apesar da Palestina ter apoio da maioria das populações árabes, o amparo político e militar das potências regionais árabes é mitigado devido às rivalidades entre as nações da região. O Hamas, por seguir a linha doutrinal da Irmandade Muçulmana, é mal visto em monarquias do Golfo. Além disso, o fato de receber apoio do Irã é mais um motivo de resistência por parte daquelas lideranças.

“Como ilustração das mudanças em curso, a Arábia Saudita, fiel aliada dos Estados Unidos na região durante décadas, tem se aproximado dos BRICS, no seio do qual foi recém aceita, assim como Egito e Irã, rebatendo as cartas daquelas rivalidades globais na região”, observa Phillipe Gidon. 

O docente ainda aponta que a China tem, por exemplo, promovido a reaproximação dos inimigos Irã e Arábia Saudita, o que trouxe a possibilidade de uma nova era de estabilidade na região.


“Para grandes potências, como EUA, China e Rússia, o Oriente Médio deve ser entendido como um dos múltiplos palcos em sua rivalidade global. Esses países aproveitam aquelas complicadas relações regionais para assegurar presença, impedir a extensão de influência dos demais e gerar um certo nível de controle no acesso, especificamente a petróleo e gás, além de garantir o livre trânsito de navios no canal de Suez, estreitos de Ormuz e Bab el Mandeb, essenciais ao comércio internacional”Philippe Gidon, docente do curso de Comércio Exterior da Unifor

Ecossistema econômico global

A nível global, o enraizamento e potencial extensão do conflito na região tende a desestabilizar o fornecimento de petróleo e gás, duas fontes essenciais à atividade econômica mundial. A falta destas fontes de energia, além de prejudicar os processos produtivos, é fator gerador de inflação, já sob tensão desde a pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia.

De acordo com o professor Philippe, os mercados reagiram negativamente no dia da invasão do Hamas em Israel, mas se recuperaram rapidamente. Até o presente momento, têm ficado em compasso de espera pela resposta israelense na Faixa de Gaza.

“[Quanto] maior a força exercida, maior a probabilidade de demora no conflito e piores serão as consequências para a economia global, que já passa por muitas dificuldades, aumentando, portanto, as perspectivas de recessão em 2024”, analisa o docente.


A economia global é intensamente afetada pelos conflitos geopolíticos (Ilustração: Getty Images)

Gidon acrescenta ainda que a perspectiva econômica negativa é reforçada em meio à piora das relações geopolíticas que tais confrontos tendem a gerar, haja vista essas relações já estarem abaladas em vários outros palcos de confrontação entre o Ocidente e o dito Sul Global.

Proteção de civis

De acordo com Marina Cartaxo, docente do curso de Direito da Unifor, a IV Convenção de Genebra, de 12 de agosto de 1949, dispõe sobre a proteção de civis em tempos de guerra. E o Protocolo Adicional II, da mesma data, fala sobre a proteção de vítimas dos conflitos armados não-internacionais.

Marina explica que a população civil goza de proteção contra perigos resultantes das operações militares. Há, inclusive, a proibição de fazê-los sofrer qualquer violência cujo objetivo principal seja espalhar terror entre o povo.

Bens indispensáveis à sobrevivência (como gêneros alimentícios e reservas de água potável) também devem ser preservados, assim como atos de hostilidade contra monumentos históricos, obras de arte ou lugares de culto são proibidos.

Porém, muitas dessas orientações estão sendo descumpridas, causando mortes, sofrimento e dificultando a sobrevivência de civis. Segundo o professor Philippe, a situação humanitária nos territórios palestinos já é muito crítica devido aos cortes no abastecimento de água, gás e comida, além dos bombardeios israelenses, preparativos para a invasão de Gaza, que está na iminência de acontecer.

O Estado de Israel pode ser responsabilizado na Corte Internacional de Justiça de Haia pelo descumprimento das Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais. Indivíduos também podem passar pelo Tribunal Penal Internacional por acusação de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão.

Quanto ao Hamas, por ser um grupo armado em Gaza, que é território israelense (já que a Palestina não existe oficialmente como Estado), a punição pelos atos de terrorismo cometidos caberia à própria justiça de Israel. Isso, desde que não seja comprovado o apoio de outras nações ao grupo extremista.


“Em suma, o conflito Israel e Hamas, bem como com outros grupos armados, vai além da pauta política ou territorial. Envolve também questões de origem étnica e religiosa, sobre a disputa de uma terra sagrada, mas que coloca a vida de civis inocentes em risco, em ambos os lados. E é por causa desses civis que a comunidade internacional tenta mediar e pacificar essa região”Marina Cartaxo, docente do curso de Direito da Unifor

Tensão no mundo árabe

Para o professor Philippe, as nações árabes não poderão ficar em silêncio caso ocorra uma invasão em Gaza pelo Estado de Israel, visto que é grande a probabilidade de as próprias populações manifestarem repúdio.

“Uma invasão em um território urbano pequeno, densamente povoado, com as pessoas impedidas de deixar o território, já que todas fronteiras estão fechadas, só pode gerar mais massacres e garantir um desastre humanitário de proporções ainda não vistas nesse conflito”, reflete Gidon. 

O docente destaca ainda que os BRICS estão ventilando o anúncio de um plano de paz, mas que deve ainda demorar para ser apresentado, enquanto a ONU, até o fechamento desta matéria, não conseguiu promover nenhum cessar-fogo.