seg, 23 dezembro 2024 16:12
4 projetos que saíram das salas de aula para impactar o mundo
Alunos de diferentes cursos da Universidade de Fortaleza compartilham ações que desenvolveram nos projetos de extensão, contando com uma formação mais humana de profissionais comprometidos em transformar realidades
Desenvolver uma inteligência artificial para auxiliar pessoas cegas a acessarem informações de seus processos judiciais com mais autonomia. Participar de um projeto para levar a importância e o cuidado com a saúde bucal para crianças. Realizar palestras sobre cibersegurança para ajudar idosos no uso das novas tecnologias.
Estes são apenas alguns exemplos de produtos e ações desenvolvidos por alunos dos mais diversos cursos de graduação da Universidade de Fortaleza, mantida pela Fundação Edson Queiroz, em mais de 300 ações de extensão vinculadas aos currículos existentes atualmente na Unifor.
Por meio delas, os estudantes atravessam a ponte entre o aprendizado e a realização com uma formação mais conectada à sociedade. É também uma forma de devolver à cidade um pouco do que é construído cotidianamente dentro da Unifor.
Nos últimos anos, as atividades extensionistas têm ganhado cada vez mais espaço no cenário acadêmico, unindo o ensino e a pesquisa a experiências no mundo real. Desde o ano passado, elas estão em 10% da carga horária curricular dos cursos de graduação, tornando a formação ainda mais comprometida em construir um futuro melhor. Na extensão, os futuros profissionais ampliam o aprendizado técnico e compreendem seu papel como agentes de transformação social.
“A curricularização da extensão pressupõe uma via de mão dupla. Por um lado, há um público-alvo beneficiário da ação, por outro, os alunos protagonistas. Ambos são impactados e transformados”, afirma a assessora de desenvolvimento curricular da Vice-Reitoria de Ensino de Graduação e Pós-Graduação (VRE), Cristina Maia.
Somente neste semestre, 14.214 alunos e 469 docentes participaram de ações de extensão curricularizadas. Ciente da relevância dessas atividades para a comunidade acadêmica e a sociedade, a Universidade de Fortaleza criou o Encontro de Curricularização da Extensão (ECOE), organizado pela VRE.
O evento, que acaba de chegar à sua quarta edição, tem como objetivo principal valorizar o protagonismo estudantil e apresentar práticas exitosas que integram ensino, pesquisa e extensão nos currículos dos cursos de graduação e pós-graduação da instituição. Vamos conhecê-las?
Ajudar a acessar direitos por meio da tecnologia
Os estudantes de Direito Raissa Carioca e João Pedro Prado desenvolveram uma inteligência artificial chamada Iara (Inteligência Artificial de Resumo de Ações) para auxiliar pessoas cegas a acessar informações de seus processos judiciais com mais autonomia. A ideia partiu de um brainstorming na sala de aula para o projeto “A disciplina de Engenharia Jurídica e sua extensão acadêmica como forma de promoção dos direitos sociais e evolução acadêmica” e contou com a orientação do professor Francisco Jucá.
“Escolhemos o tema porque percebemos que pessoas com deficiência visual enfrentam grandes dificuldades para acessar seus processos judiciais de forma autônoma”, relata Raissa. “Com a Iara, elas podem consultar seus processos a qualquer momento, de maneira independente, promovendo maior inclusão e autonomia”, complementa.
Os estudantes contam que a concepção e elaboração da iniciativa vieram a partir da inclusão da disciplina de Engenharia Jurídica na nova matriz curricular do Direito. “Desenvolver o projeto foi muito desafiador pelo fato de não existir bibliografia abundante e concreta sobre a Engenharia Jurídica, justamente por ser uma área nova”, afirma João Pedro.
Ele conta que a Unifor os auxiliou com a orientação e estrutura. Nos laboratórios de informática, o produto foi desenvolvido em plataformas de programação como o OutSystems. Para João Pedro, estar a frente de um projeto como este é uma forma de demonstrar que a tecnologia pode promover direitos sociais e auxiliar a sociedade.
A companheira de projeto, Raissa, diz que os projetos de extensão possuem finalidades engrandecedoras, com os objetivos de transformar os alunos em melhores cidadãos, mas também prestar algum auxílio à sociedade com ajuda dos estudantes.
“Sabia que estava realizando um trabalho que ia muito além dos muros acadêmicos e ajudaria, possivelmente, uma parcela da população. Creio que tenho aprendido que sempre podemos ajudar o outro, sempre há como se desenvolver pessoalmente e desenvolver algo maior que vai realmente impactar a sociedade” — Raissa Carioca, aluna do curso de Direito
Ela diz que participar de projetos de extensão é fundamental para ajudar a abrir os olhos para o desenvolvimento social como estudantes e, futuramente, como profissionais do Direito.
“A extensão contribui justamente para aprimorar os meus conhecimentos nessa área e proporcionar uma melhor introdução no mercado de trabalho, cada vez mais exigente com o crescimento de novas tecnologias. Como formação pessoal, contribui como uma forma de crescer como estudante, profissional do direito e, principalmente, humano” — João Pedro Prado, aluno do curso de Direito
Cuidar do outro e ser um profissional humano
Foi para propagar a importância de cuidar da saúde bucal que o aluno de Odontologia Igor Fontenele foi até uma instituição não-governamental no bairro Barroso, em Fortaleza. A ação era parte do projeto “Manhã de Sorriso”, por meio da qual levou orientação e serviço a crianças e adolescentes que usam o Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas não ficou só aí. O relato da experiência vivida pelos estudantes do curso foi um dos vencedores do ECOE neste semestre. “Nossa missão era elaborar estratégias em prol da comunidade do bairro Barroso, onde vimos uma carência nas crianças da localidade, e com isso, nasceu o projeto”, afirma Igor.
Ele conta que, no primeiro momento, eles observaram o espaço e os frequentadores do local para compreender o ambiente de trabalho. Isso ajudou a entender quem era o público alvo e quais as dores que iriam tentar sanar ali. “Partimos para um encontro na própria Unifor, onde desenvolvemos o planejamento do projeto, baseado na metodologia do 5W2H”, diz, referindo-se a uma ferramenta de gestão para análise do cenário e do custo.
Durante a ação, muitas dessas crianças relataram medo de ir ao dentista, disseram não saber quem era o profissional responsável por cuidar dos dentes deles. “Alguns chegando aos seus 11 anos, entrando na pré-adolescência, e nunca tendo ido ao dentista”, conta Igor. O projeto era, então, uma forma de lembrá-los da importância de cuidar do sorriso. “Queríamos levar para eles a importância desde cedo em não negligenciar a ida ao dentista”, acrescenta o aluno.
Igor afirma que participar do projeto de extensão foi um processo “enriquecedor” e que lhe ensinou como trabalhar em diferentes contextos. “O que me motivou a trabalhar nesse projeto de extensão foi saber que eu estou contribuindo para uma sociedade que por vezes é desigual e inacessível, ajudando e impactando na vida de pessoas menos favorecidas. Então, saber que ali eu estaria levando tudo o que venho aprendendo nesse tempo como estudante de Odontologia é uma forma de contribuir de maneira positiva para a sociedade”, declara.
“Esse tipo de experiência contribui em diversos contextos. Não se limita apenas às nossas competências estudantis vividas em sala de aula e em clínica, mas também no nosso desenvolvimento profissional e pessoal, capacitando o olhar mais humanizado e nos instruindo para sermos líderes dentro dos projetos” — Igor Fontenele, aluno do curso de Odontologia
O estudante diz que, além da orientação do professor Paulo Leonardo Ponte, contou com materiais e suporte da Unifor para desenvolver o projeto. Para ele, participar de uma ação com impacto no serviço na promoção da saúde e qualidade de vida de crianças e adolescentes despertou o interesse prático de realizar ciência e contribuir com a sociedade e o país.
Conectar gerações por meio da extensão
No oitavo semestre de Ciências da Computação, o aluno Alberto Huarastaca mergulhou de cabeça no projeto “ConectIdoso”, que promoveu uma palestra com o público idoso sobre cibersegurança. “Escolhemos este tema pois nós, os jovens que estamos sempre em contato com a tecnologia, sentimos que é nosso dever disseminar esse conhecimento”, conta Alberto.
Ciente de que hoje os idosos usam bastante aparelhos eletrônicos, ele sentiu que era importante ajudar quem eventualmente não estivesse conseguindo acompanhar os desafios impostos pela acelerada evolução tecnológica. “Existem pessoas que sabem usar e aproveitam esse fácil acesso à tecnologia utilizando para o mal, atrapalhando, criando um ambiente hostil e tirando vantagens sobre aqueles que não têm muitos conhecimentos sobre a internet”, lamenta.
Foi deste entendimento que veio a ideia de fazer um workshop para ensinar os idosos se protegerem online. Alberto e seus colegas buscaram o Instituto Katiana Pena e conseguiram reunir um grupo para desenvolver a ação no bairro Granja Lisboa. “Atuei com essa iniciativa desde o início deste semestre para a cadeira de Projeto Técnicos Intercursos”, celebra.
O que o motivou pessoalmente a desenvolver a palestra foi ver sua própria família com dificuldades ao utilizar tecnologia. “Durante esse projeto, eu aprendi a melhorar minhas habilidades de comunicação falando para os idosos. O que me tocou nessa experiência foi a felicidade que eu senti ensinando e a recepção calorosa das pessoas idosas, tirando suas dúvidas e falando suas experiências com o tema”, afirma.
“O projeto de extensão me ajudou muito com o processo de formação pessoal, pois eu almejo melhorar minhas habilidades comunicativas. Ver a felicidade das idosas e meu sentimento de prazer ao dar a aula me fez pensar em seguir uma carreira profissional de disseminar conhecimentos deste tipo” — Alberto Huarastaca, aluno do curso de Ciências da Computação
Mergulhar em temas relevantes e atuais
João Paulo Nunes Alvares está no 8º semestre de Ciências Contábeis. Na extensão, mergulhou em um estudo de caso em um hospital privado em Fortaleza, especializado no atendimento de pacientes com transtornos psiquiátricos e dependência química. “O objetivo foi investigar a aplicação de práticas de contabilidade ambiental e sustentabilidade corporativa”, conta.
O projeto, que se chama “Contabilidade ambiental e Sustentabilidade corporativa: estudo de caso em uma unidade hospitalar em Fortaleza”, busca demonstrar a relevância da contabilidade ambiental como ferramenta estratégica para promover a sustentabilidade em unidades hospitalares.
João Paulo explica que, em um primeiro momento, pensou em fazer apenas uma pesquisa bibliográfica. No entanto, ao longo da escrita, observou junto com a orientadora, Roselene Couras, que seria mais enriquecedor trazer um estudo de caso, aplicando um questionário adaptado e focando em critérios como governança, práticas ambientais e impacto social.
“Pensei em escrever sobre um tema relevante e atual, não só para a contabilidade, mas que pudesse abranger, além das organizações, as pessoas e o meio ambiente”, afirma o aluno, que trabalhou no projeto durante dois semestres.
“Foi gratificante e pude aprender muito sobre o tema abordado. Pude ajudar a empresa a adotar práticas cada vez melhores. Também tive desafios na pesquisa e no levantamento das informações, tive que conciliar com o trabalho. Em vários momentos viajando e sendo acompanhado pela orientadora em outro estado”, relata.
“Vencer a seleção [do ECOE] e estar à frente de um projeto de extensão não é apenas uma conquista pessoal, mas uma experiência transformadora. Ela proporciona um conjunto de competências que são essenciais tanto para a formação profissional, com foco na prática e desenvolvimento de habilidades de gestão, quanto para a formação cidadã, ao promover uma maior consciência social. Esse projeto é, portanto, uma oportunidade de aprender, crescer e contribuir positivamente para a sociedade” — João Paulo Nunes Alvares, aluno do curso de Ciência Contábeis
É sobre se engajar em resolver problemas reais
Participar de ações de extensão é como lançar sementes, durante o período universitário, para a construção de um futuro e uma sociedade melhores. “É uma relação de ganha-ganha”, define Cristina Maia, assessora de desenvolvimento curricular da Vice-Reitoria de Ensino de Graduação e Pós-Graduação (VRE).
Ela conta que a Unifor tomou como desafio estruturar um modelo para a implementação da curricularização da extensão na instituição, inserindo as ações extensionistas como parte da própria metodologia ativa de ensino e do currículo dos cursos. Agora, todo aluno passa obrigatoriamente por um itinerário formativo que inclui a extensão.
Como isso ocorre na prática? Durante o próprio itinerário formativo, o aluno cursa determinadas disciplinas, categorizadas como componente curricular de extensão (CCEX), em que a metodologia de ensino-aprendizagem é ancorada na prática extensionista. As ações de extensão curricularizadas são cadastradas em cinco modalidades:
- programa,
- projeto,
- curso ou oficina,
- evento,
- prestação de serviço.
“Os alunos realizam ações de extensão que almejam resolver um problema real, de pessoas reais que precisam de uma solução. Assim, ao transformar uma realidade, também contribuem para o alcance de um ou mais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU)” — Cristina Maia, assessora de desenvolvimento curricular da Vice-Reitoria de Ensino de Graduação e Pós-Graduação (VRE)
Ela acrescenta que, ao fazer isso na trajetória acadêmica, além das competências técnico científicas esperadas para a formação profissional, os estudantes desenvolvem novas competências, que na Unifor são conhecidas como Competências de Vida (CVida). Elas são divididas em quatro eixos: cognição, comunicação, colaboração e cidadania. “Desse modo, a curricularização da extensão promove a formação cidadã de nossos alunos”, conclui Cristina.
E quais os primeiros passos para quem deseja participar e quais as iniciativas disponíveis? Todo estudante que estiver matriculado em curso de graduação da Unifor já irá participar de ações extensionistas curricularizadas, pois a prática extensionista vem como metodologia de ensino-aprendizagem atrelada à disciplina.
Mas, para além dessas ações, os Centros de Ciências e a Pós-Graduação também cadastraram diversos projetos de extensão não vinculados a disciplinas, junto à Vice-Reitoria de Extensão e Comunidade Acadêmica (Virex). Assim, há inúmeras iniciativas em que os estudantes da Unifor podem engajar-se voluntariamente.
Nos quatro Centros de Ciências, os alunos podem procurar as coordenações de cursos e as Assessorias de Curricularização dos Centros para maiores informações. “E o melhor de tudo é que os alunos da graduação podem, com essas outras participações, solicitar aproveitamento de estudos para as disciplinas de consignação de horas denominadas Atividades Extensionistas (obrigatórias ou optativas, a depender do curso)”, informa Cristina.
+ Ações de ensino de graduação e pós-graduação vinculadas à extensão
Um encontro para compartilhar boas práticas
Os próprios alunos reconhecem que, ao participar das atividades extensionistas, são impactados de diversas formas. Se por um lado é uma oportunidade de ter uma experiência prática a partir do conteúdo visto em sala de aula ou mesmo de desenvolver novas competências, por outro é uma forma de contribuir com a sociedade e se comprometer com um futuro melhor.
Nesta perspectiva, o Encontro de Curricularização da Extensão (ECOE) é uma oportunidade de compartilhar as principais práticas de impacto nascidas nesta ponte entre a universidade e a sociedade. Nas três primeiras edições do evento, cada Centro de Ciências fazia uma seleção prévia de trabalhos para que os professores de CCEX participassem da exposição de painéis ou da apresentação oral.
A quarta edição trouxe como novidade a “participação expandida dos alunos”. Agora, eles não só realizaram a ação de extensão, mas também escrevem o trabalho que vai para os anais. Os quatro melhores, selecionados por notas, participaram do ciclo de apresentação oral, sendo daí selecionado o trabalho ganhador do Certificado de Melhor Experiência de Curricularização da Extensão da Universidade de Fortaleza.
Participar de uma atividade extensionista é, antes de tudo, um exercício de empatia. Requer olhar para o aprendizado acadêmico para além dos muros da universidade. É sobre escutar as necessidades do outro e pensar em soluções que façam sentido para a sociedade. Neste processo, tudo fica claro: a universidade pode ser uma ponte para conectar e transformar diferentes realidades.