Entrevista nota 10: Alexandre Pellaes e o futuro do trabalho com propósito e sentido

seg, 27 outubro 2025 18:38

Entrevista nota 10: Alexandre Pellaes e o futuro do trabalho com propósito e sentido

Pesquisador e palestrante participou do Mundo Unifor 2025 e conversou com exclusividade com o Unifor Notícias Mobile sobre significado do trabalho, realização profissional e novas configurações de emprego


Pesquisador e palestrante participou do Mundo Unifor 2025 e conversou com exclusividade com o Unifor Notícias Mobile sobre significado do trabalho, realização profissional e novas configurações de emprego
Pesquisador e palestrante participou do Mundo Unifor 2025 e conversou com exclusividade com o Unifor Notícias Mobile sobre significado do trabalho, realização profissional e novas configurações de emprego

Você é feliz no seu trabalho? A pergunta, que é frequentemente ouvida por quem atua em qualquer cenário profissional, ganha uma nova perspectiva de debate sob a ótica do pesquisador e professor Alexandre Pellaes, que é mestre e doutorando em Psicologia Organizacional.

Segundo ele, a exigência de ser feliz no trabalho pode trazer uma carga psicológica intensa, mas também se faz necessário abrir espaço para felicidade. “É nesse encontro que, de fato, vamos conseguir decidir se aquela experiência é positiva ou não”, pontua o palestrante.

O especialista em novos modelos de gestão compartilhada e relações humanas no trabalho se denomina como um “apaixonado pelo desafio de ajudar pessoas e organizações a terem uma relação mais saudável e produtiva, com propósito e sentido”.

No dia 21 de outubro, Pellaes esteve no campus da Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz — para participar do Mundo Unifor 2025. Ele ministrou a palestra magna “Felicidade e significado no trabalho”, onde suscitou reflexões sobre autorrealização, carreira, propósito e protagonismo.

Antes de subir ao palco do Mundo Unifor, Pellaes concedeu uma Entrevista Nota 10 exclusiva para o jornal Unifor Notícias Mobile desta semana, onde falou sobre significado do trabalho, realização profissional e novas configurações de emprego.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Na sua visão, como se configura hoje o significado de emprego e trabalho? Qual a influência desses conceitos no desafio de construir uma carreira sólida e satisfatória atualmente? 

Alexandre Pellaes — Acho que é excelente começarmos por esse ponto, porque temos uma grande confusão entre significado de trabalho e emprego. Usamos, historicamente, como se fossem sinônimos e não são. Gosto de explicar que trabalho é a sua relação com o mundo por meio de uma ação intencional. Eu vejo um mundo presente, projeto um mundo diferente na minha cabeça e decido o que eu vou fazer para tornar aquela realidade presente numa realidade próxima do que eu queria.

É uma relação que é incerta, imprevisível, mas é produtiva no sentido de que eu me coloco como um agente de expressão e de mudança do mundo. Essa é a natureza do ser humano. A única maneira que o ser humano tem de interferir no mundo e na natureza é por meio deste trabalho, o trabalho do agir.

Mas quando começamos a desenvolver ou flertar com os limites desse trabalho no mundo que já foi socialmente desenhado, aprendemos que existe uma hierarquia imposta: tem alguém que chegou antes, alguém que tem mais poder, alguém que vai decidir dizer o que podemos ou não fazer.

Somos direcionados muito cedo na nossa infância para relações muito próximas à que seria uma relação de emprego, que é uma relação de obediência e disciplina. Alguém com mais poder vai dizer o que você deveria fazer. E aí a sua relação começa a ser linear, simplificada e, muitas vezes, falsamente produtiva. Você faz de conta que você estuda, você faz de conta que obedece aos seus pais, depois você faz de conta que trabalha. Então, vamos para esse lugar do emprego vazio de significado.

Para que possamos agora retomar essa discussão com mais qualidade, devemos entender que existe um trabalho do viver, que é a forma como interagimos com o mundo como um todo, e existe o trabalho do emprego, o trabalho profissional, que é um apêndice, um pedacinho da nossa vida, mas que acabou de alguma maneira se tornando a nossa forma recorrente de agir. Só com obediência, com pressão externa, com o que é chamado heteronomia.

O trabalho é regido pela autonomia. Eu, de dentro para fora, tenho um desejo e um interesse genuíno de transformar algo que enxergo. E o emprego é regido pela heteronomia - hétero, outro, externo, diferente, me diz o que é que eu deveria fazer para agir com a minha capacidade produtiva.

Então, eu preciso resgatar essa autonomia em duas dimensões: a dimensão em que a empresa me dá espaço, uma autonomia que a empresa vai me oferecer, e tem uma autonomia que eu trago, que é a minha capacidade, de fato, de fazer. É preciso ajustar esses dois elementos para podermos começar a experimentar bem-estar diferente.

Entrevista Nota 10 — A realização profissional costuma ser algo muito almejado e até vendido na sociedade, tal como naquele famoso ditado “faça o que você ama e nunca mais terá que trabalhar na vida”. De que maneira a pressão pela felicidade no trabalho pode prejudicar ou ajudar o cotidiano e a saúde dos trabalhadores?

Alexandre Pellaes — Eu acho que ela pode prejudicar se ela se tornar mais uma meta: você tem que ser feliz no seu trabalho. Você fala “Pelo amor de Deus, ainda nem sei porque eu escolhi o que eu faço aqui e a pessoa já quer que eu faça e seja feliz”. Quando isso vira mais uma nova obrigação, uma carga - e é algo muito complexo, porque quando falamos de trabalho, estamos falando de identidade -, quando eu começo a obrigar ou colocar expectativas adicionais sobre isso, estou colocando uma carga psíquica sobre os indivíduos. Então, nesse momento, vira prejudicial.

Mas o que eu acho que é bom é falarmos que é possível ser feliz no trabalho, que é necessário abrir espaço para a felicidade, porque senão ficamos com elementos discursivos muito contrários. Ou aceitamos que o trabalho é só sofrimento, é só castigo, ou o trabalho é a sua obrigação absoluta de felicidade. Tem um meio caminho. Tem dia que você acorda e adora o que você faz, tem dia que você acorda e odeia o que você faz, não mudou nada fora. Foi a sua interpretação.

A percepção que temos sobre a nossa experiência de trabalho sempre acontece a partir de um sistema externo que é definido pela sociedade, pela legislação, pelas normas da organização, pela cultura, pela liderança; e um sistema interno que é a nossa forma de agir com as nossas capacidades, com as nossas limitações, com os nossos sonhos, com os nossos traumas, que vão criar um elemento subjetivo que interpreta a realidade. Então, é nesse encontro que, de fato, vamos conseguir decidir se aquela experiência é positiva ou não.

Entrevista Nota 10 — O Brasil vive um contexto efervescente nas discussões sobre relações trabalhistas, com a jornada 6x1 em pauta, o aumento da “pejotização” no mercado de trabalho e as possibilidades de home office e trabalho híbrido. A que se deve essa diversidade de debates simultâneos? Isso se relaciona com o “fim do emprego como conhecemos”?

Alexandre Pellaes — Eu acredito que o que está em discussão em todos esses elementos é o que significa autonomia no trabalho, que historicamente sempre foi colocado como elemento estrutural. A pessoa ter autonomia no trabalho significava que ela podia tomar algumas decisões sobre como ela ia realizar o seu trabalho. Isso é bem apertadinho, né? Depende historicamente até do tipo de sistema que você ia usar, havia empresas que só te entregavam uma caneta nova se você entregava a carga anterior vazia. Então, isso era muito restrito.

Na hora que começamos a ampliar — e esse é um caminho natural, de ampliar esse espaço de autonomia para que a pessoa tenha mais agência para fazer do seu jeito, porque existe uma inteligência para que ela possa se realizar por meio dessa autonomia, que é a agência do ser humano -, as empresas começam a tentar encontrar quais são os limites para que elas não percam o controle.

Porque existe este delírio na organização de que ela sempre terá o controle sobre o funcionário, e ela não terá. Ela pode obrigar o funcionário a ficar oito horas sentado de frente para a tela do computador, e ele pode estar pensando no que ele quiser. Aquilo não vai, de maneira alguma, funcionar como um proxy ou um exemplo de produtividade. Então, as organizações estão tentando verificar qual é o limite.

De maneira similar, as pessoas também estão tentando enxergar qual é o limite. E está difícil para todo mundo. Porque algumas pessoas vão experimentar, por exemplo, um home office com qualidade e vão conseguir performar bem. Será que todo dia ela performa bem? Ou o dia que o vizinho está fazendo uma obra e estourou um cano e o cachorro ficou doente, ela trabalhou mais ou menos, mas ela também não falou “Ah, gente, tem dia que aqui fica meio complicado”? Também falta um vínculo de confiança para que a possamos esticar um pouquinho esses limites para sair um pouco do que seria o conforto. O conforto do ponto de vista do que seria a confiança.

Claro que não devemos, de forma alguma, romantizar o sofrimento, mas o trabalho tem um viés de esforço, de fato. Todo o trabalho — seja limpar o banheiro, fazer exercício, cozinhar, fazer uma planilha Excel ou fazer a entrevista que estamos fazendo junto — tem um esforço. Isso não quer dizer que isso vai tirar algum nível de prazer e algum nível de realização. Mas quando vamos muito para esses extremos, começamos a engessar.

Isso é diferente de falar, por exemplo, de pejotização porque aí estamos mexendo no sistema externo. Claro, há a capacidade de autonomia de um indivíduo para viver a sua capacidade de empreender, mas aí eu começo a sair do risco que era apenas de identidade para um risco legal, para um risco jurídico, para um risco, inclusive, social. Sobre como essa pessoa talvez não tenha capacidade de honrar com algumas obrigações que a organização não vai oferecer para ela.

Temos aqui, nessa movimentação, a grande discussão sobre uma disputa de poder entre quem controlava o dinheiro e o poder decisório e quem controla a produção e a entrega. Precisamos, talvez, ter um pouco mais de clareza sobre esses pontos, darmos nome, de fato, para o que está em jogo para poder definir quais são parâmetros saudáveis. Porque, senão, vamos ver esse delírio de que eu, para ter autonomia, queria fazer tudo: eu queria ser dono da minha própria empresa, contratar todas as pessoas PJ e trabalhar em home office. Não vai dar. Vai ter algum limite que eu preciso ceder.

Entrevista Nota 10 — A chegada da geração Z e da expansão tecnológica no mercado têm “chacoalhado” muitas estruturas e dinâmicas profissionais cristalizadas, exigindo adaptação do ambiente corporativo à nova leva de trabalhadores e tecnologias. Essas mudanças fazem parte do “futuro do trabalho” do qual você fala? O que podemos esperar de transformações para os próximos anos?

Alexandre Pellaes — Elas fazem, e eu acho que temos um atraso em compreender que elas fazem, principalmente no que tange o uso da tecnologia pelas pessoas. Há muitas organizações que estão com medo que as pessoas comecem a usar demais a inteligência artificial ou outras formas de desenvolvimento cognitivo automatizado, como se isso não fosse justo para a empresa. Dizem “Eu paguei você para pensar, não para você colocar na inteligência artificial!”, sem compreender que, na verdade, o elemento que entrega o resultado do trabalho agora é um ser humano com tecnologia. É de fato os dois.

Por outro lado, também tem o desafio do ser humano compreender que é muito tentador eu terceirizar este trabalho para uma máquina, se é que ela é capaz de fazer com um limite mínimo do que será entregue. Eu preciso reconhecer que isso talvez comece a cobrar um preço de mim, porque eu não vou mais me enxergar naquela atividade. Então, ao mesmo tempo em que a tecnologia pode se tornar uma grande fomentadora de produtividade do ponto de vista de volume, ela pode se tornar um elemento de castração da criatividade.

Mas quem está no comando é o indivíduo que aperta o botão e que vai utilizar aquela tecnologia. O que não deveria acontecer, e mais acontece, são as organizações interferindo nesse sistema e tentando até coibir as pessoas de utilizarem a tecnologia. Deveria ser o contrário. Deveria ajudar essa pessoa a encontrar uma forma saudável de agir com essa tecnologia para trazer mais qualidade no resultado do trabalho e mais qualidade na experiência daquele trabalhador. Aí é o ganha-ganha.

Entrevista Nota 10 — E a geração Z?

Alexandre Pellaes — Eu acho que geração Z é um tema quase caricato. Se você buscar as últimas três gerações, todas elas tiveram capas de revista que as menosprezavam. Acho que em 1968, a revista Time falava mal dos baby boomers, temos 1984 falando mal da geração X, depois temos 1993 falando mal dos millenials, que era mimimi. Então, você tem as capinhas de revista lá, bonitinhas, descendo a porrada na nova geração.

A nova geração que entra sempre vai movimentar a estrutura de trabalho. Primeiro porque ela entra com características do jovem, não é da geração Z. O jovem vai questionar a autoridade, o jovem vai querer mais liberdade, o jovem vai falar com uma postura como se ele já soubesse. Isso é característica do jovem.

A geração Z nasceu em um mundo de relações hierarquizadas que dava mais espaço para falar. Eu tenho 50 anos, na minha geração, se eu falasse eu levava um tapa ou era demitido imediatamente. A geração Z achou um caminho para colocar essa voz. Então, talvez essa caricatura da geração Z hoje seja um pouco um apagamento da memória das gerações anteriores em relação a quem elas eram naquele lugar.

Claro que não dá para acolher todas as demandas ou exigências, porque muitas delas são fantasiosas, de fato. Mas ao invés de rotular uma geração, deveríamos discutir qual é o problema que está por trás de um determinado desejo ou qual é a ilusão.

Porque eu, você, todos nós adoraríamos trabalhar talvez três ou dois dias por semana. Eu posso expor isso como um desejo, mas também podemos discutir juntos e discutir que isso não é um desejo, é um delírio, porque economicamente não vai ser viável. Se eu corto a discussão e já imponho que essa pessoa não sabe o que está dizendo, eu crio um afastamento ao invés de criar uma criação conjunta. E acho que é isso que acontece com a geração Z.

Entrevista Nota 10 — Você está na Universidade de Fortaleza para participar do Mundo Unifor com a palestra “Felicidade e significado no trabalho”. Como você enxerga a importância de trazer esse debate para o ambiente acadêmico? De que modo a Unifor pode aproveitar a oportunidade para fortalecer a formação de novos profissionais e gestores conectados ao futuro do trabalho?

Alexandre Pellaes — Acho excelente essa pergunta. Primeiro, é um privilégio estar aqui com vocês, então, agradeço muito essa oportunidade. São poucas universidades, poucas escolas que têm falado sobre o significado do trabalho. O trabalho surge na nossa vida como emprego, como carreira, como uma discussão ferramental de você usar o seu tempo para ganhar dinheiro.

E a discussão que trazemos hoje aqui é uma ampliação de possibilidades sobre o trabalho. Reconhecer que o trabalho é formador de identidade. Que ao mesmo tempo em que alguém grita em um canto “Você não é o seu trabalho!”, alguém deveria gritar do outro “Mas você vai ser afetado por ele em algum nível!”.

Eu não posso simplesmente escolher que a minha vida não será afetada pelo trabalho. Então, eu preciso discutir para que eu possa compreender o quanto antes, por isso tão importante no mundo universitário, que o trabalho terá três grandes impactos na nossa vida. Um deles é o financeiro. Ok, a guerra contra os boletos segue e trabalhamos para ganhar dinheiro. Mas também tem o impacto social, que é a marca que deixamos sobre as outras pessoas quando nos conectamos em uma ação coletiva. E o terceiro, que é o impacto psicológico. Quem é que eu estou me tornando por meio dessa ação?, trazendo essa intencionalidade.

Porque se olhamos para o futuro do trabalho e ele se desenha com mais tecnologia, com mais autonomia, isso quer dizer que as pessoas terão mais poder de escolha com relação a como vão trabalhar, como vão agir. E aí talvez precisamos compreender que o trabalho passará a ser a nossa intenção, a nossa decisão de ser uma interferência positiva numa história que vai acontecer com ou sem a nossa presença.

Porque ela vai acontecer. Você vai estar dentro de uma estrutura que o trabalho vai sair. A diferença é que você pode aproveitar este lugar, este momento e a sua atuação. Ou você decidir que aquele não é um lugar de expressão - e o trabalho precisa ser um lugar de expressão, senão temos problemas de saúde mental.

 


Esta notícia está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), contribuindo para o alcance do ODS 4 – Educação de Qualidade e ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico

A Universidade de Fortaleza, assim, assegura a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.