Disciplina organiza o caos e ajuda na vida profissional

Especialista dá dicas para estudantes buscarem disciplina nos estudos

Por Revista Ensino Superior

“Meu amor, disciplina é liberdade”. O verso da canção Há tempos, do Legião Urbana, é relembrado pelo professor João Jonas Veiga Sobral, que vê a disciplina como ferramenta-chave para dar conta das demandas da vida e de si mesmo. “Ao conseguir se autodisciplinar para os estudos, para as relações interpessoais e para o trabalho, você é relativamente livre. Não se torna escravo do próprio caos”, evidencia o educador.

Há 35 anos na área da educação, Sobral é também orientador educacional e autor de livros didáticos. Para o educador, no campo dos estudos, a falta de disciplina pode ser fatal para uma carreira brilhante. Nesta entrevista, o especialista fala sobre a importância de se manter uma rotina de estudos e traz dicas de como conquistá-la.

 

A falta de disciplina pode ser prejudicial para os estudantes?

A menos que você seja uma pessoa absurdamente genial, é só com disciplina que você conseguirá aprofundar os seus estudos para se tornar um especialista ou para buscar mais excelência de resultados. Sim, sem disciplina é possível fazer um curso “mais ou menos” e passar. Mas não é possível se tornar um profissional de excelência, mestre ou doutor sem disciplina nos estudos. E estudar sem disciplina é o que a maioria das pessoas fazem.

Então ter disciplina é também um diferencial?

Fundamentalmente. É a disciplina que organiza o caos e te liberta. Em uma sociedade ansiosa e no mundo fragmentado de hoje, a disciplina não apenas organiza o estudante para um estudo razoável, mas também pode tirá-lo do sofrimento. Porque o que nos faz sofrer é a desorganização da vida. Uma pessoa que estuda em cima da hora e não se programa é como o coelho de Alice no país das maravilhas. Ele vive correndo, mas está sempre atrasado. Então além de qualificar e melhorar os estudos, a disciplina pode evitar o adoecimento e um pouco do sofrimento causado pela vida.

Quais as dicas para estudante que quer se autodisciplinar?

Há dicas mais simples e mais sofisticadas. Entre as mais simples, é preciso conceituar o que é disciplina. Ao contrário do que muitos veem, não se trata de um castigo, mas de uma ferramenta para controlar a sua vida, tempo e prioridades. É um ato de liberdade para que seja dono(a) de sua vida, tempo e resultados.

O controle de foco também é importante. Com a internet e com o celular, as pessoas são convidadas a perder o foco e o Método Pomodoro pode ser uma solução. Por meio dessa técnica, o estudante pode estabelecer períodos de 15 a 20 minutos para se concentrar em uma tarefa sem olhar para o celular. Aos poucos, conseguirá aumentar a resiliência e a capacidade de focar.

Procurar uma rotina é também uma boa dica entre as mais simples. Muitos jovens do ensino superior bebem água regularmente e fazem academia. Sabem que os exercícios não podem ser feitos de forma aleatória ou escolhidos por gosto pessoal, pois não alcançariam o resultado esperado. Esses jovens fazem isso bem e aquilo que é feito na academia pode ser levado para a vida.

E quanto às dicas “mais sofisticadas”?

Digo mais sofisticadas porque se trata de entender o que é disciplina e que sua ausência é uma geradora grave de ansiedade. A verdadeira liberdade está no método e o problema não é a disciplina, mas o caos. O caos da vida, dos desejos e da forma de se organizar a existência. O caos te desestrutura.

Quando a resistência do chuveiro queima e você não sabe trocá-la, parece um inferno. Quem sabe, troca com muita facilidade, porque tem método. Essa é uma ferramenta de conquista, que pode ser alcançada com disciplina. Outro ponto é a “arquitetura do tempo”. Para qualquer coisa que se faça, é preciso dispor de minutos ou de horas. Dispor de algum tempo para executar. Ao olhar para o seu tempo e aprender a disciplinar-se para o tempo certo das coisas, a vida rende mais.

Você mencionou o celular como um ponto de desvio de foco. Hoje temos os ensinos a distância e semipresencial. Para aqueles que estão nessas modalidades, a rotina de estudos requer ainda mais disciplina?

Não tenho dúvidas disso. Embora não seja ineficiente, o EAD é pouco atrativo no sentido de engajamento. Ele elimina as interações presenciais. E é mais difícil ficar por muitas horas com a atenção firme em uma tela. Além disso, a tela gera a possibilidade de fugir do compromisso com a abertura de outras guias. Para encarar um curso dessa natureza, é preciso muito método e resiliência para disciplinar-se.

Embora possa ser feito um mau uso de Inteligência Artificial, você acredita que as ferramentas de IA possam ser benéficas para a construção da disciplina?

Pode bastante. E aí entra de novo o processo do método. Eu poderia consultar a IA para dar essa entrevista. Faria uma pergunta básica sobre o que é disciplina. Ela me daria uma resposta, mas tenho repertório e então acrescentaria perguntas. “Como é a disciplina no ponto de vista do [Mário Sérgio] Cortella? E de [Christian] Dunker?”. A IA me daria outros olhares. Faço então outra pergunta, relacionando a disciplina com a noção de desejo. À medida que leio as respostas, faço conexões e peço para que a ferramenta estabeleça as conexões que a IA não faz sozinha, não receberei apenas informações chapadas ou fragmentadas. Nesse sentido, a inteligência artificial vem para ajudar. Mas se a pessoa não sabe trabalhar com as primeiras informações que a IA traz, torna-se um caos. Pois aceitará um conteúdo pronto, notoriamente irá emburrecer. E com burrice a pessoa é menos livre.