Recebi uma fake news… E agora?

Entenda melhor o funcionamento e as consequências das fake news na atualidade, além de dicas para combater a desinformação e conselhos para futuros professores tratarem o assunto com seus alunos.

Por Tiago Vechi/Revista Ensino Superior
 

Sedento e no meio do mar, por vezes, assim se sentem os leitores na internet ao se verem cercados por fake news. Procuram informações, estão rodeados pelo que precisam, mas não devem consumir aquilo que, aparentemente, saciaria sua necessidade.

Assim como a água, a informação é essencial para a vida humana e precisa ser tratada, coletada e distribuída da maneira correta. Caso contrário, o que poderia ser elixir, vira veneno. Uma pesquisa, realizada pelo Instituto Locomotiva em 2024, exemplifica bem esta metáfora: 90% dos entrevistados admitiram já ter acreditado em fake news em algum momento.

Diante desse cenário, e na busca de compreender melhor as fake news e como combatê-las, conversamos com Bruno Ferreira, coordenador pedagógico do Instituto Palavra Aberta e com Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e jornalista.

O que é fake news?
 

O professor Eugênio diferencia a ignorância clássica da desinformação contemporânea. Aquela é uma simples ausência de conhecimento, ao passo que esta é uma construção, uma fabricação de fake news em moldes industriais, o que a torna um fenômeno relativamente inédito na história.

“A desinformação contemporânea já nasce associada à manipulação
política”, afirma o professor Eugênio Bucci (Crédito: TV Cultura/Divulgação)

 

O jornalista detalha o seu raciocínio. “Ela [a desinformação contemporânea] já nasce associada à manipulação política. Porque ela é produto de uma indústria relacionada ao que se denomina big techs, que vivem de explorar o olhar e o tempo das pessoas e desenvolveu maneiras de despertar sensações, emoções, para ir escravizando o olhar e a atenção nos seus dispositivos. Isso rapidamente se associou à política da extrema direita antidemocrática de perfil fascista que se vale da desinformação para criar fanatismo”.

Eugênio reforça que a desinformação atualmente não é apenas um instrumento de manipulação política, mas sim a manipulação política em si mesma. 

Consequências das fake news
 

O que parece inocente, ou até mesmo uma piada, pode ter consequências nefastas. A desinformação propagada de forma desenfreada já foi responsável por mortes de maneira direta, como exemplo, o linchamento no Guarujá, ocorrido em 2014.

Neste acontecimento, Fabiane foi vítima de uma fake news que a associava com sequestros de crianças e rituais macabros. Foi espancada por uma multidão no meio da rua e deixou uma filha de 13 anos. Tudo começou com um simples post no Facebook. 

Além das consequências que afetam indivíduos, há os desenrolamentos sociais. Tais como a queda na busca por vacinas, associação de remédios ao autismo, arrefecimento dos preconceitos e fanatismos, dentre outros exemplos.

Outro acontecimento cultural que constantemente promove debates sobre desinformação são as manifestações de rua. Eugênio declara que as manifestações políticas nas cidades são um fenômeno antigo que acontece, pelo menos, desde o século 21.

Mas que, contemporaneamente, observa-se iniciativas manipuladas pela desinformação desde o ano de 2016. Como exemplo, ele cita pessoas que declaram apoio a Israel por ser um país cristão, mesmo sendo fato sabido que são uma nação judaica.

Como identificar uma fake news?


Diante da gravidade e da constante expansão das fake news, é preciso desenvolver estratégias para identificá-las, para não se tornarem vítimas da desinformação. Confira algumas dicas para ajudar e lembre-se: na dúvida, não compartilhe.

  1. Tenha um pé atrás com títulos chamativos e exagerados.
  2. Repare se há erros ortográficos e gramaticais ao longo do texto.
  3. Fique atento à estrutura do texto, se tem opinião deve ser em formato opinativo e não de notícia.
  4. Atenção nas fontes da notícia e nas datas de publicação. A notícia pode até ser verdadeira, mas aconteceu em outra época.
  5. Confira em múltiplas fontes, é improvável que a mesma fake news apareça em diversos portais jornalísticos.
  6. Procure saber quem está por trás daquela fonte, quem financia o site, quem escreve a matéria e outros detalhes.
  7. Verifique a URL dos sites se não são falsificadas, muitos criadores de fake news dão roupagem oficial para suas postagens.

Recebi uma fake news… E agora?
 

Quando se deparar com uma pessoa espalhando desinformação, como se deve agir? Foi esse questionamento que encerrou a conversa com o professor Eugênio Bucci.

“É muito difícil, não basta mostrar a informação correta. Como se trata de um tipo de desinformação artificial, ela é fabricada. Ela ocupa espaço, isso é muito importante, ela ocupa espaço e obstrui as vias cognitivas, não adianta você mostrar os fatos para as pessoas que estão propagando este tipo de coisa. Elas vão rejeitar, estão fanatizadas, em alguns casos, têm até sintomas de dependência de dispositivos digitais, estão viciadas, fanatizadas. A melhor maneira foi verificar a fonte da notícia e mostrar que aquilo é uma fraude. Hoje, isso não adianta muito, a melhor maneira é tentar falar com as pessoas em torno, tentar conversar e prestar atenção nesses agentes de propagação da fraude informativa porque, normalmente, eles estão psicologicamente desorganizados. Eles estão, ou em condição de sofrimento, ou numa espécie de fantasia paralisante”

A abordagem proposta pelo professor se assemelha ao tratamento de pessoas viciadas em drogas ou em jogo, inclusive porque todos estes grupos podem ter reações violentas ao serem confrontados e demonstram forte dependência.

Educação contra fake news
 

Bruno Ferreira, do Instituto Palavra Aberta, explica que existe uma tendência na educação, chamada abordagem regulatória, que pretende normatizar e estabelecer um processo de aprendizado baseado em regras para nortear o comportamento online das crianças. Na visão do coordenador pedagógico, esta estratégia é importante mas não suficiente.

Bruno Ferreira, do Instituto Palavra Aberta: “O estudante precisa comparar
diferentes abordagens para ter visão crítica da realidade” (Crédito: Michele Marques)

 

“Educação midiática vai muito além disso. Os riscos precisam ser colocados em debate, em questão, precisam ser problematizados invés de apenas o professor dizer para o aluno como ele tem que se comportar nesses ambientes. Essa não é a proposta da educação midiática, de nenhum tipo de educação. A ideia é partir da experiência do estudante, ou seja, o que você já faz nas plataformas digitais? O que você acha interessante fazer na rede social? Que tipo de informação você compartilha? Vamos pensar.”

O coordenador diz que não é que regras não devam ser estabelecidas, elas são essenciais; mas em conjunto com uma educação holística que ensine a pensar o mundo, questionar o que lhe é dito e isso a partir de conhecimentos que o estudante já tenha. Isso é mais profundo que a simples regulação.

Abordagem didática


Bruno, além de coordenador pedagógico no Instituto Palavra Aberta, pesquisa formação continuada de professores. Dessa forma, fala de estratégias didáticas para ensinar aos alunos instrumentos para interpretar o mundo de uma forma mais segura.

A prática pedagógica precisa fazer sentido para os alunos, senão acontece o distanciamento. O pesquisador explica:

“Pode falar de regra, desde que ele faça isso a partir da realidade do estudante, se aproximando primeiro do lugar do estudante, sabendo o que ele faz nas redes sociais. É o que Paulo Freire chama de mobilizar o repertório prévio em qualquer área do conhecimento, “O que você já sabe sobre isso?” 

Para o professor não ficar repetindo regras que o aluno já sabe. Mas o fato de eu saber uma regra não significa que vou cumpri-la. Sensibilizar para a importância da regra é mais importante que a regra em si.”

Principais desafios para futuros professores


Bruno declara que, por vivermos em uma sociedade midiatizada, os professores precisam conhecer as mídias e se formar também neste sentido. É preciso envolver as novas tecnologias nas salas de aula, utilizar buscadores, inteligência artificial, é necessário conhecer estas ferramentas não só como usuários, mas ter reflexões com profundidade sobre estas questões

Já concluindo, Bruno dá conselhos para quando os professores encontrarem com alunos que já vivem em uma realidade distorcida pela desinformação. Para além da simples confrontação com fatos, é preciso ensinar o aluno a verificar informações, apresentar fontes variadas e ensinar a pensar de forma mais científica

“O estudante precisa comparar diferentes abordagens para ter visão crítica e precisa da realidade. As pessoas podem ter qualquer crença, é um direito, mas precisam também entender que existem visões contraditórias.”