Entrevista Nota 10: Carlos Alberto Mattos e o universo da crítica cinematográfica

seg, 25 outubro 2021 14:41

Entrevista Nota 10: Carlos Alberto Mattos e o universo da crítica cinematográfica

Jornalista, escritor, pesquisador e crítico de cinema fala sobre sua trajetória profissional marcada por grandes experiências nas áreas de análise fílmica, escrita para imprensa, blogs e curadoria 


O jornalista Carlos Alberto Mattos é curador de festivais e já publicou livros a respeito de cinema documental (Foto: Instituto Moreira Salles)
O jornalista Carlos Alberto Mattos é curador de festivais e já publicou livros a respeito de cinema documental (Foto: Instituto Moreira Salles)

A paixão de Carlos Alberto Mattos pelo cinema teve início ainda na infância, quando assistiu ao filme “A Noviça Rebelde” (1965), do diretor Robert Wise. Na década seguinte, já adolescente, iniciou seu trabalho na área de crítica, escrevendo ao longo da carreira para veículos como Tribuna da Imprensa, IstoÉ, Estadão e O Globo.  

Carlos chegou a atuar como presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) e a participar do júri de festivais internacionais. Hoje, segue exercendo trabalhos de curadoria em festivais e publicando livros a respeito do assunto. Sua principal obra é “As Sete Faces de Eduardo Coutinho”, sobre o cineasta de mesmo nome, conhecido por seu trabalho no gênero documental – um dos que mais fascinam Carlos.

Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, o jornalista, escritor, pesquisador e crítico de cinema fala compartilha as entrelinhas de seu percurso profissional. Confira na íntegra: 

Entrevista Nota 10 - Quando foi que você se apaixonou pelo cinema?

Carlos Alberto - Foi bem antes de ser jornalista, ainda na infância. Eu sentia atração pelas salas com ar-condicionado, pelos cartazes nas portas do cinema. Sou da Bahia, vim para o Rio aos 7 anos de idade e aqui eu comecei a ser tomado por esse fascínio pelo “objeto” cinema, o ambiente cinema, mais do que com os filmes em si. Aos poucos, fui vendo os filmes, e o primeiro que me apaixonei mesmo foi o musical “A Noviça Rebelde”. Fiquei voltando ao cinema para rever. Já na adolescência, fui descobrindo os filmes de arte, e “8 ½”, do Fellini, me deixou completamente pirado por semanas; “Morangos Silvestres”, de Bergman, também. São outros filmes que eu voltava aos cinemas para rever. 

Entrevista Nota 10 - Como sua trajetória de crítico de cinema teve início?

Carlos Alberto - Eu comecei de um jeito meio engraçado! Nem tudo é planejado, e algumas coisas acontecem ao acaso. Em 1976, eu estudava jornalismo na Universidade Federal Fluminense, e achava que ia trabalhar em redações. Nesse mesmo ano, por meio de um amigo meu que publicava no suplemento literário no jornal Tribuna da Imprensa, hoje extinto, publiquei um texto sobre livros que existiam sobre cinema brasileiro. A editora do suplemento gostou e me falou que quando eu tivesse mais material sobre cinema, eles publicariam. Então, comecei a escrever mais para esse suplemento.

No final de 1976, já estava no final da graduação e precisava de um certificado de estágio, então propus ao editor da Tribuna da Imprensa que, em troca do certificado, eu faria críticas de cinema para eles por um período de seis meses. Acabei escrevendo seis anos para a Tribuna, sem pagamento, trabalhando de graça, mas assim me estabeleci como crítico. Trabalhei no Tribuna, no Pasquim, no Jornal do Brasil, n’O Globo, no Estado de São Paulo... passei por muitos veículos. Hoje, publico no meu blog, “Carmattos”, e no portal de notícias Carta Maior.

Entrevista Nota 10 - Por que sua predileção por documentários?

Carlos Alberto - Começou na época em que eu trabalhava no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), no Rio de Janeiro. Eu já era crítico desde 1978 e fui chamado para ser o coordenador de cinema e vídeo do primeiro Centro Cultural, inaugurado em 1989, e meu trabalho era fazer a programação. Em uma conversa com o crítico Amir Labaki, criador do festival “É Tudo Verdade”, em 1993, chegamos à conclusão de que não havia nenhum evento voltado para documentário no Brasil. A demanda por documentários estava crescendo no mundo inteiro, então, propus ao Amir a criação de um projeto de um festival de documentário no CCBB e ele, então, criou o projeto “É Tudo Verdade”. Eu vendo os filmes das edições do festival, ajudando o Amir a pensar e organizar o festival, e a selecionar os filmes, fui me apaixonando.

Então, percebi que existia um campo de invenção muito grande dentro do documentário e que, às vezes, era até maior do que na ficção. As possibilidades de você tratar as fronteiras entre o real e o imaginário eram muito ricas. Foi a partir do festival que comecei a me apaixonar pelo documentário.                   

Entrevista Nota 10 - Como surgiu a ideia do projeto “NaReal_Virtual”, do qual você é curador?     

Carlos Alberto - Ele também vem desse meu interesse por documentários, e três anos atrás, junto com o meu parceiro nesse projeto, Bebeto Abrantes, pensamos em realizar um evento chamado “Na Real”; depois se juntou a nós o Márcio Blanco, para viabilizar a produção. A ideia era realizar um seminário presencial (na época não se pensava em pandemia), a edição de um livro e uma série de TV sobre o documentário brasileiro contemporâneo e suas principais características. 

Demoramos a conseguir patrocínio. Quando chegou a pandemia, vimos que precisávamos reinventar nossa ideia, já que não podia ser presencial. Resolvemos fazer online, e assim surgiu o “NaReal_Virtual”. A primeira parte do seminário aconteceu em julho de 2020 e a segunda em outubro do mesmo ano. Teve a participação de 26 documentaristas brasileiros, enviávamos os links dos filmes a serem assistidos e depois acontecia o encontro com os cineastas por meio do Zoom.

Entrevista Nota 10 - Você é, também, curador do Espaço Eduardo Coutinho. Como ocorreu sua jornada até esse posto?     
   
Carlos Alberto - Eduardo Coutinho sempre despertou meu interesse, desde que vi o “Cabra Marcado Para Morrer” na estreia, em 1984, no FestRio. Lembro que foi uma consagração: todo mundo ficou impressionado com o processo que o filme trazia: o histórico e a invenção cinematográfica. Desenvolvi um interesse pessoal nas realizações de Coutinho.

Quando ele voltou à ativa em 1999, com “Santo Forte”, “Edifício Master”, “Babilônia 2000”, “Jogo de Cena” e outros, continuei acompanhando o trabalho dele e escrevendo a respeito. Em 2003, fui convidado pelo Festival de Cinema Luso-brasileiro de Santa Maria da Feira para escrever um catálogo sobre Coutinho, pois iria ter uma retrospectiva sobre o diretor. Mas acabei fazendo mais do que um catálogo; fiz um livro chamado “Eduardo Coutinho, o homem que caiu na real”. Eu e Coutinho fomos para Portugal para o lançamento do livro durante o festival em que foi homenageado.         

Em 2019, o Itaú Cultural decidiu fazer a “Ocupação Eduardo Coutinho” e, por causa do meu livro sobre ele, me chamaram para realizar a curadoria. O Itaú, a editora Boitempo e o Instituto Moreira Salles lançaram a versão atualizada do meu livro de 2003 sobre o diretor no mesmo ano, sob o título “As Sete Faces de Eduardo Coutinho”. 

Entrevista exclusiva realizada por: Julia Freitas (Estudante do curso de Jornalismo da Unifor)