seg, 18 novembro 2024 18:21
Pesquisa Unifor: Estudo analisa caso de transmissão vertical do vírus Oropouche no Brasil
Desde a descoberta, o agente infeccioso tem causado surtos periódicos e impactado áreas com infraestrutura limitada
O vírus Oropouche (OROV) é um arbovírus transmitido principalmente pelo mosquito Culicoides paraensis. Identificado no Brasil pela primeira vez em áreas florestais, ele expandiu-se posteriormente para regiões urbanas, aumentando seu impacto na população. Conhecido por surtos periódicos, o vírus recentemente foi reportado no Maciço do Baturité, localizado no sertão do Ceará, estado brasileiro que, até então, era historicamente livre dessa enfermidade.
Com 171 casos registrados na região, a pesquisa foi conduzida pela Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) e contou com a participação de Antonio Lima Neto (Tanta), professor do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza e secretário executivo de vigilância em saúde do estado. O estudo teve início a partir de uma atividade de rotina, na qual foi registrado o caso de transmissão vertical da Oropouche evoluindo para perda fetal.
Com isso, os pesquisadores realizaram o artigo “A Case of Vertical Transmission of Oropouche Virus in Brazil” (“Um caso de transmissão vertical de Oropouche no Brasil”, em tradução livre), que tem como objetivo investigar e documentar a ocorrência de infecção pelo vírus Oropouche e avaliar as implicações da infecção em mulheres grávidas.
Um dos principais focos do artigo é descrever o caso clínico de uma gestante infectada e a associação da infecção com natimorto, destacando os riscos da infecção por OROV durante a gravidez. A pesquisa também aponta a necessidade de vigilância e diagnóstico precoce em mulheres grávidas que apresentam os sintomas da enfermidade onde o vírus tem atuação endêmica ou emergente.
Tanta comenta sobre a importância do artigo ao estudar sobre o primeiro caso de transmissão vertical do vírus, trazendo luz para essa nova realidade de contágio da doença ao passo que possibilita o fornecimento de novas informações para lidar com ela.
“Este trabalho é uma evidência a mais nesse campo e, possivelmente, a primeira publicação em um periódico de alto impacto com uma documentação tão completa. Desde exames de ultrassonografia iniciais e subsequentes até o isolamento do vírus na mãe e no feto em diversos tecidos, e a realização do sequenciamento viral, conseguimos estabelecer uma cadeia de eventos sólida. Esse achado reforça que a transmissão vertical do Oropouche pode ser danosa e está potencialmente associada a desfechos adversos para o feto” — Antonio Lima Neto (Tanta), professor de Medicina da Unifor e secretário executivo de vigilância em saúde do Ceará.
Além do docente, a equipe responsável pelo estudo foi composta por Luciano Pamplona, superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE); Anacélia Gomes de Matos, diretora-geral do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO); e Ítalo Cavalcante, diretor-geral do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen). A equipe técnica da Sesa incluiu Ana Cabral, Luiz Osvaldo Rodrigues, Robson da Costa, Kamilla Carneiro, Rebeca de Souza, Sami de Andrade, Deborah Nunes, Shirlene Telmos, Karene Ferreira, Larissa Duarte e Leda Simões.
Além da Unifor e Sesa, outras instituições também estiveram envolvidas na pesquisa, sendo elas:
- Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza
- Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro
- Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas
Metodologia
Para chegar às conclusões sobre a presença do vírus OROV na mãe e a infecção no feto, os estudiosos utilizaram o método RT-PCR para isolar o vírus na genitora e identificá-lo. Em seguida, foi realizada uma autópsia minimamente invasiva, aprovada pela mãe e conduzida pelo Serviço de Verificação de Óbito (SVO) do Estado do Ceará.
A conduta envolveu a coleta de fragmentos de vísceras e líquido cefalorraquidiano do feto por meio de agulhas, sem necessidade de necropsia completa. O resultado revelou a presença do vírus em todas as amostras fetais.
Para aprofundar a análise, todas as amostras foram enviadas para a Fundação Oswaldo Cruz, onde foi realizado o sequenciamento genômico, que evidenciou uma nova linhagem do OROV, resultado de um rearranjo genômico ocorrido aproximadamente em 2015.
"Essa nova linhagem está associada à maioria dos casos nessa grande expansão que o vírus apresentou no Brasil durante a transição de 2023 para 2024", pontua Tanta.
Achados e recomendações
Com a aplicação dos métodos, os pesquisadores concluíram que o vírus Oropouche ressalta os riscos graves associados à infecção durante a gravidez, destacando a necessidade urgente de medidas de vigilância, especialmente para gestantes.
Além disso, a infecção por OROV foi vinculada a natimortos e potencialmente a outros desfechos fetais desfavoráveis, situação semelhante aos riscos observados com outros arbovírus, como o vírus Zika.
Esse caso sublinha a importância de incluir o vírus Oropouche como possibilidade diagnóstica em gestantes que apresentem febre ou sintomas compatíveis.
A transmissão vertical pode resultar em infecções sistêmicas e lesões no feto, o que destaca a necessidade de protocolos específicos de triagem e acompanhamento para infecções por OROV em grávidas. O estudo evidencia ainda que o reconhecimento precoce da infecção pode ser essencial para compreender os impactos da infecção no desenvolvimento fetal e os riscos de complicações.
"Os profissionais de saúde devem tratar o pré-natal como um acompanhamento de médio risco, reduzindo o intervalo entre as visitas e mantendo proximidade constante com a gestante. É essencial recomendar e monitorar sinais de síndrome febril para identificar, o mais rapidamente possível, qualquer ocorrência de infecção. Assim, ao detectar casos suspeitos, os profissionais podem acompanhar a gestante com avaliações frequentes e todos os recursos disponíveis, garantindo uma vigilância atenta sobre a evolução do quadro", enfatiza Tanta.
Proliferação do vírus
A proliferação da doença causada pelo OROV está diretamente ligada ao comportamento do seu principal vetor, o Culicoides paraensis, um tipo de inseto que se assemelha a uma pequena mosca, conhecido popularmente como "maruim".
Diferente do Aedes aegypti (transmissor da dengue), que coloca seus ovos em recipientes com água parada, o Culicoides paraensis deposita seus ovos em solos úmidos, especialmente em áreas com acúmulo de folhas.
Esse padrão de oviposição é especialmente relevante em regiões agrícolas, como os vales e baixadas do Ceará, onde há cultivos de banana e chuchu. A proximidade dessas plantações com residências favorece a presença do vetor próximo às áreas habitadas, facilitando a proliferação do vírus.
Esse vetor possui hábitos distintos em relação ao Aedes aegypti. Enquanto o mosquito da dengue é solitário e realiza a alimentação de sangue humano em repouso, o maruim vive em grupos, formando "nuvens" de insetos que atacam em conjunto.
Seu comportamento alimentar é mais ativo ao nascer do sol e no final da tarde, momentos em que a proteção contra picadas deve ser redobrada. Esse padrão dificulta o controle da sua população, uma vez que os criadouros estão em áreas de solo úmido e vegetação, impossibilitando a eliminação direta, como ocorre com os criadouros do Aedes aegypti.
Devido a dificuldade em eliminar o vetor, a prevenção contra a infecção pelo Oropouche, especialmente para gestantes, depende de métodos de proteção física. Recomenda-se o uso de roupas que cubram a maior parte do corpo, principalmente nos períodos do dia em que o Culicoides paraensis está mais ativo.
Além disso, o uso de repelentes, como aqueles à base de Icaridina, é indicado para reduzir o risco de picadas. O monitoramento rigoroso da rota de transmissão do vírus é crucial para prever e controlar surtos, prevenindo que a disseminação da doença surpreenda a população e os sistemas de saúde locais.
Publicação internacional em uma das principais revistas científicas
Com a relevância do estudo ao trazer uma descoberta de impacto para a sociedade, o artigo foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM), uma das revistas médicas mais prestigiadas e influentes do mundo, reconhecida globalmente pela qualidade e rigor de suas publicações científicas.
Fundada em 1812, a NEJM é uma das publicações médicas mais antigas ainda em circulação, e é amplamente respeitada tanto pela comunidade científica quanto por profissionais da saúde de diversas áreas. Sua influência é medida não apenas por seu elevado fator de impacto — um dos mais altos entre as revistas científicas, com impacto superior a 90 — mas também por sua capacidade de moldar práticas clínicas e políticas de saúde pública em escala global.
A revista é conhecida por publicar estudos que abordam avanços médicos, revisões clínicas, relatos de casos e ensaios clínicos randomizados que frequentemente definem novos padrões de cuidado em medicina. Muitos dos artigos publicados na NEJM servem de referência e são citados extensivamente, evidenciando sua autoridade nas áreas de pesquisa e inovação médica.
Além de servir como uma fonte confiável para médicos e pesquisadores, a revista também tem impacto direto em políticas de saúde pública, sendo frequentemente utilizada como base para a formulação de diretrizes clínicas e políticas globais.
A publicação do artigo no periódico destaca sua importância para a sociedade e seu potencial para fundamentar iniciativas destinadas a mitigar a problemática abordada.