Entrevista Nota 10: André Carvalhal e o papel da sustentabilidade na criação de marcas com propósito

seg, 3 junho 2024 18:29

Entrevista Nota 10: André Carvalhal e o papel da sustentabilidade na criação de marcas com propósito

Escritor especialista em design para sustentabilidade explica como trazer a noção de sustentabilidade para o presente e mostra como seus livros se relacionam com sua trajetória profissional


André também é palestrante e professor de Marketing e Branding em instituições como FGV e ESPM (Foto: Guilherme Daniel Alecrim)
André também é palestrante e professor de Marketing e Branding em instituições como FGV e ESPM (Foto: Guilherme Daniel Alecrim)

Marcas, branding, propósito e sustentabilidade. Esses termos dominam as redes sociais atualmente, além de nortear ações e construir narrativas voltadas para o futuro, com pouco olhar para o presente. O papel das marcas na sociedade atual deixou de ser apenas o de vender – talvez esse nunca tenha sido seu único objetivo – e se tornou algo muito maior. 

Hoje, as organizações fazem parte da vida das pessoas de forma muito mais intrínseca, detendo um poder capaz de guiar as ações e escolhas até de quem não consome seus produtos e serviços. Nesse contexto, o propósito e a sustentabilidade se tornaram temas centrais nos últimos anos e passaram a ser cobrados de todas as marcas, independente do seu tamanho e alcance. 

Assim, como transformar a noção de sustentabilidade de algo futuro para algo que é implementado hoje? E qual o papel do propósito na criação e longevidade das marcas? Essas são algumas perguntas que André Carvalhal, autor dos best-sellers “Como salvar o futuro”, “Moda com Propósito” e do livro finalista do Prêmio Jabuti 2019 “Viva o fim: Almanaque de um novo mundo”, busca responder. 

“Acredito que é a gente que precisa se conscientizar e entender que não adianta viver no passado ou no futuro. O passado já passou e o futuro não sabemos se vai chegar. O que temos é o agora”, pontua o consultor e especialista em design para sustentabilidade, que já passou por agências de publicidade, foi diretor de marketing da FARM Rio e atuou como consultor de projetos em marketing, diversidade, inclusão e sustentabilidade para marcas como Do Bem e Disney.

Na última terça-feira (28), André esteve na Universidade de Fortaleza e palestrou para alunos dos cursos de Moda (tecnólogo e bacharelado) e Publicidade e Propaganda da instituição sobre “Marcas com Propósito”. Em sua fala, Carvalhal navegou pelo mundo das marcas com maestria, mesclando autoconhecimento propósito e valores sociais, culturais e econômicos.

O autor também é docente de Marketing e Branding em instituições como Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), ambas na cidade de São Paulo.

À Entrevista Nota 10 desta semana, Carvalhal cita a importância de momentos como esse na construção de novos profissionais preocupados com um futuro guiado por propósitos significativos. Além disso, explica a relação entre autoconhecimento e sustentabilidade e aponta como seus livros se relacionam com sua trajetória profissional.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Você é formado em publicidade e jornalismo, migrou para o marketing, atuou na moda e depois se especializou em design para sustentabilidade. O que motivou essa transição e como essa mudança influenciou sua visão sobre o mercado?

André Carvalhal — Eu fiz um ciclo de sete anos trabalhando com propaganda e depois comecei a ver que aquele trabalho não tinha muito mais sentido para mim. Foi quando fiz a minha primeira transição de carreira para a moda, e foi a moda que me levou também para a sustentabilidade depois. É muito interessante, porque hoje, quando olho pra trás, vejo que cada coisa contribuiu muito com a outra.

O aprendizado em propaganda sobre construção de marca, branding e marketing me fortaleceu e ajudou no trabalho com a moda durante todo o tempo que passei na FARM. Depois, todo o aprendizado que tive na moda foi importante para eu levar também para outros segmentos. E foi trabalhando com moda que eu descobri a sustentabilidade e comecei a despertar a pré-noção de que o nosso trabalho também gera um impacto muito grande no mundo, assim como todas as nossas escolhas. 

Entrevista Nota 10 — Em 2021, você palestrou no TEDx Leblon, cuja temática central era “Olhando para o futuro”. Em sua palestra, você mencionou a desconexão das pessoas com a natureza e a importância de trazer a sustentabilidade para o presente. Como podemos restabelecer essa conexão e transformar a noção de sustentabilidade de algo futuro para algo que precisamos implementar hoje?

André Carvalhal — Essa noção de separação que a gente tem, não é só do que chamamos de natureza, é muito da gente em relação a gente também, gosto muito de falar isso. Da nossa natureza e da natureza que está à nossa volta, que são as outras pessoas, outros seres, fauna, flora, todas as coisas. Acredito que as pessoas que têm essa consciência, esse entendimento, quem já se conectou ou quem não se desconectou, têm um papel muito importante nessa reconexão, porque o que a gente precisa é trazer as pessoas para esse lugar novamente. 

E como fazemos isso? Por meio da nossa postura, do que falamos, das nossas ações. Isso vai desde, por exemplo, colocar no meio de uma palestra sobre moda e comunicação uma fala sobre esse tema, até convidar um amigo para fazer uma caminhada, uma escalada, convidar alguém para provar um prato diferente, comer uma comida que não tem animais, por exemplo. Então, acho que em todas essas coisas vamos moldando nossa percepção e a cultura mesmo, porque eu acho que é uma coisa cultural.

Olhar para o presente também é um exercício e uma prática, mas acho que, diferente do que falei anteriormente, essa é uma auto responsabilidade. Acredito que somos nós que precisamos nos conscientizar e entender que não adianta viver no passado, não adianta viver no futuro. O passado já passou e o futuro não sabemos se vai chegar, o que temos é o agora. 

E aí, acho que esse é um exercício que precisamos praticar em tudo e todos os momentos. Então, na hora que estamos comendo, dando uma entrevista, estudando ou assistindo a um filme, devemos estar presentes. Eu acho que é dessa forma que começamos a valorizar e entender que a vida é agora.

Entrevista Nota 10 — Você advoga bastante sobre a relação entre sustentabilidade e autoconhecimento. Pode nos explicar mais sobre como o autoconhecimento pode contribuir para práticas sustentáveis? 

André Carvalhal — Aprendemos sobre sustentabilidade, como venho dizendo, de uma forma muito limitada. Entendemos a sustentabilidade como uma questão somente relacionada a recursos, reciclagem e reaproveitamento de materiais etc. Mas a sustentabilidade está totalmente relacionada à cultura e ao nosso modo de viver. O modo de vida ao qual estamos acostumados hoje – que é um modo de competição, comparação, carência, enfim, de muitos sentimentos ruins e negativos –  muitas vezes nos leva a consumir mais do que precisamos, a comprar coisas que não conhecemos, a comprar por impulso, a querer acumular, e a querer ter e usar coisas para parecer algo.

Quando você tem o autoconhecimento no meio dessa dinâmica, você começa a sair do piloto automático e a questionar mais. Você começa a questionar se de fato tem desejo de comprar aquilo, porque você quer comprar aquilo, se de fato aquilo tem sentido para você e qual o impacto que aquilo pode ter no mundo, na vida das outras pessoas. Então, acredito que o autoconhecimento pode ajudar na sustentabilidade de diversas formas e uma delas é nos fazer sair do piloto automático, principalmente no que diz respeito ao consumo.

Mas também leva à outra pergunta, porque se você se conhece, você entende a sua origem e entende que você é natureza, que faz parte da natureza. Entende que você faz parte do outro, e isso tudo muda também atitudes em diversas maneiras, não só as atitudes de consumo – as relações interpessoais também, a forma como você se alimenta, os lugares que você vai, a forma como você está nos lugares. Tudo isso colabora para um modo de vida mais sustentável ou, caso contrário, mais insustentável. 

Entrevista Nota 10 — Seus livros trazem reflexões profundas sobre nosso papel na construção de um mundo mais sustentável, passando pela moda, consumo e questões sociais, econômicas e culturais. O que você espera que os leitores absorvam dessas obras e como elas se conectam com sua trajetória profissional?

André Carvalhal — Assim como o processo de construção de uma marca, o processo de construção da nossa identidade e da nossa trajetória é uma jornada evolutiva, e vice-versa. O que eu gostaria que as pessoas percebessem a partir dos meus livros é justamente isso: que estamos sempre em movimento e que são as nossas ações, as nossas escolhas, que vão definindo o nosso futuro e o futuro do que está à nossa volta. 

Os meus livros não são biografias. Eles falam sobre o mundo, mercado e comportamento, mas estão totalmente conectados a essa minha evolução também, desde o momento em que eu trabalhava com marcas que não tinham a ver comigo, o momento que eu passei pela propaganda, até o momento de querer buscar cada vez mais sentido para aquilo que eu faço e falo.

Entrevista Nota 10 — Na última semana, você palestrou sobre “Marcas com Propósito” para alunos da Unifor. Para você, qual a importância de momentos como esse na construção de futuros profissionais engajados e preocupados com um presente sustentável e um futuro conduzido por propósitos que façam sentido?

André Carvalhal — Eu acho esses eventos extremamente importantes e necessários. Foi interessante porque vários professores falaram que, na época em que estudaram e se formaram, eles não tinham acesso a isso. Geralmente, é assim que acontece na academia: os professores, para se dedicar, acabam se tornando excelentes docentes, mas com uma dedicação integral à academia, se desconectando, às vezes, um pouco do mercado. E ter pessoas do mercado, que vivem na prática tudo aquilo que é ensinado na teoria, eu acho que é fundamental para o desenvolvimento e amadurecimento de todos os profissionais. Então, eu tenho muito prazer em fazer isso e fiquei muito feliz com a experiência na Unifor.