Glitter comestível? Entenda a polêmica que colocou o microplástico no centro do debate alimentar

seg, 17 novembro 2025 16:33

Glitter comestível? Entenda a polêmica que colocou o microplástico no centro do debate alimentar

Professor da Unifor explica riscos a saúde pública, regulações e alternativas seguras ao uso de glitter em alimentos


Microplásticos são pequenas partículas de plástico com dimensões inferiores a cinco milímetros (Foto: Getty Images)
Microplásticos são pequenas partículas de plástico com dimensões inferiores a cinco milímetros (Foto: Getty Images)

Brilhante, chamativo e popular em bolos, doces e bebidas decoradas, o glitter se tornou um item quase indispensável em festas e confeitos temáticos. Mas recentemente, veio à tona uma dúvida essencial: afinal, glitter comestível existe? A resposta, segundo Antonio Augusto Ferreira, docente do curso de Nutrição e doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), é que nem todo brilho pode ser colocado na comida e muitos dos produtos vendidos como “comestíveis” não passam de plástico triturado.

A discussão ganhou força após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitir alertas reforçando que microplásticos não são ingredientes autorizados em alimentos, ainda que sejam vendidos com rótulos confusos ou enganadores. O problema vai além da estética culinária: envolve riscos à saúde, lacunas na fiscalização e desinformação no mercado, impactando tanto consumidores quanto profissionais da confeitaria.

A Universidade de Fortaleza, instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz, tem se destacado como um importante centro de produção de conhecimento científico em temas relacionados à saúde, alimentação e sustentabilidade no Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI), responsável pela formação de profissionais éticos e com a disseminação de informações que contribuem para a proteção da saúde e do meio ambiente. 

O que é o glitter e por que ele não é alimento?

O professor Augusto destaca que o glitter é um material particulado brilhante, geralmente em forma de pó ou pequenos fragmentos, produzido a partir de plásticos como PET (polietileno tereftalato) ou PP (polipropileno), muitas vezes misturados com alumínio e corantes. Esses componentes são os mesmos usados em embalagens, tecidos sintéticos e objetos decorativos, o que já indica que não têm qualquer função alimentar ou digestiva.

O docente explica que o chamado “glitter decorativo” é, na verdade, microplástico, e que não há base legal para classificá-lo como alimento. “Se a empresa rotula ou divulga como ‘comestível’ um produto que não é grau alimentício, isso pode configurar publicidade enganosa e infração sanitária”, afirma.

A confusão costuma acontecer porque muitos desses produtos carregam no rótulo termos como “não tóxico”, o que dá uma falsa sensação de segurança. “‘Não tóxico’ significa apenas que, em pequenas exposições acidentais, não deve causar intoxicação imediata. Mas isso não quer dizer que foi feito para ser ingerido”, esclarece o professor.

O professor Augusto faz uma distinção importante entre os termos usados para classificar os produtos:

  • Comestível: refere-se ao que é produzido com ingredientes próprios para o consumo humano, seguindo as normas e listas de aditivos alimentares aprovados pela legislação;
     
  • Digerível: diz respeito ao que o organismo é capaz de metabolizar ou eliminar sem causar acúmulo de substâncias nocivas;
     
  • Glitter plástico: não se enquadra em nenhuma dessas classificações, pois é feito de materiais que não foram desenvolvidos para ingestão.

Microplásticos no prato: os riscos invisíveis

Apesar de boa parte das partículas atravessar o trato gastrointestinal e ser eliminada, o docente alerta que os microplásticos representam riscos reais e cumulativos para o corpo humano e para o meio ambiente.

Estudos vêm mostrando que essas partículas podem causar inflamação, estresse oxidativo, alterações na microbiota intestinal e até carregar contaminantes químicos adsorvidos. “Em partículas muito pequenas, há potencial de passagem para a corrente sanguínea. Ainda há incertezas, mas o suficiente para preocupar as autoridades”, comenta Augusto.

O especialista destaca que o uso de glitter plástico em alimentos contraria o princípio da precaução, fundamental nas políticas de segurança alimentar. Segundo ele, não há justificativa para permitir a ingestão de uma substância que não oferece valor nutricional e ainda representa riscos potenciais à saúde.


A produção do glitter consiste na formação de filmes finos em várias camadas, que posteriormente são cortados em pequenas partículas com efeito refletivo e colorido (Foto: Getty Images) 

Os perigos, porém, não se limitam ao corpo humano. Os microplásticos persistem no ambiente, contaminam solos e águas e voltam à cadeia alimentar por meio de peixes e plantas. “Usar glitter plástico em alimentos é empilhar risco individual, coletivo e ambiental sem qualquer benefício real”, informa. 

Além dos microplásticos, alguns outros ingredientes usados para dar cor e brilho, como dióxido de titânio e mica também não são digeríveis. A diferença, segundo Augusto, é que esses aditivos estão em listas positivas da Anvisa, com pureza controlada e limites de uso estabelecidos. “Microplásticos não têm essa avaliação, por isso estão fora de qualquer regulamentação de segurança alimentar”, acrescenta.

O papel da Anvisa e os desafios da fiscalização

O caso do glitter plástico evidencia falhas estruturais que vão desde a legislação até a fiscalização de produtos alimentícios, especialmente nas vendas online. O professor Augusto explica que o Brasil já possui um marco regulatório robusto sobre aditivos e rotulagem, e que em nenhum momento o plástico está autorizado como ingrediente alimentar. O problema é a distância entre a lei e a prática.

A fiscalização não consegue acompanhar a velocidade do mercado, e isso abre espaço para brechas exploradas por fabricantes. Termos ambíguos como “não tóxico” ou “uso artístico” acabam sendo usados para burlar a legislação, levando o consumidor ao erro. 

Para ele, a resposta do poder público é muitas vezes lenta, o que gera sensação de negligência. “A nota recente da Anvisa, que reforça a proibição dos microplásticos, é um passo importante, mas poderia ter vindo antes”, afirma. 

Segundo o doutor em Saúde Pública, a Anvisa é responsável por definir e autorizar ingredientes e aditivos, enquanto a Vigilância Sanitária (órgão de nível estadual) atua na ponta, fiscalizando estabelecimentos, recolhendo produtos irregulares e notificando empresas.


“A legislação brasileira é clara: o Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante o direito à informação adequada e proíbe qualquer forma de publicidade enganosa, conforme os artigos 6º, 31 e 37. Além disso, órgãos como a Anvisa e os Procons têm autoridade para autuar empresas, determinar o recolhimento de produtos, aplicar multas e exigir a correção de rótulos e propagandas que violem essas normas”– Antonio Augusto Ferreira, docente do curso de Nutrição e doutor em Saúde Pública

Diante desse cenário de confusão e riscos, o especialista em segurança alimentar defende mudanças concretas na legislação e na cultura de consumo. Ele sugere medidas como a proibição explícita de microplásticos em preparações alimentícias, rotulagem obrigatória com avisos em destaque, como “não comestível”, maior controle sobre o comércio eletrônico e campanhas educativas para confeiteiros, buffets e consumidores.

Além da fiscalização, Augusto destaca a importância de investir em alternativas seguras e sustentáveis. Ele cita glitters produzidos a partir de açúcar, amido, celulose, goma arábica e corantes alimentares aprovados, além de pigmentos com base em mica grau alimentício. 

Outra recomendação é investir em decorações naturais — como flores comestíveis, frutas e castanhas — que valorizam o alimento, acrescentam textura, cor e sabor, e ainda reforçam uma confeitaria mais consciente

Por fim, Augusto deixa orientações diretas ao consumidor. “Ler o rótulo é o primeiro passo. Se aparecerem termos como PET, PP, PVC, ‘não ingerir’ ou ‘não tóxico’, é sinal de alerta: esse produto não deve ir para o prato”, enfatiza.

Augusto recomenda que, ao identificar a venda de glitter plástico como produto comestível, o consumidor procure os órgãos de defesa, como o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) e a Vigilância Sanitária, para registrar a ocorrência, e, assim, agilizar as medidas de fiscalização e evitar que outras pessoas sejam expostas ao mesmo risco.

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A Universidade de Fortaleza, assim, assegura educação inclusiva, equitativa e de qualidade, promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, e também garante uma vida saudável e propicia o bem-estar para todas e todos, em todas as idades.