Unifor Plástica: o eterno retorno das artes

seg, 18 outubro 2021 10:55

Unifor Plástica: o eterno retorno das artes

Mostra chega a sua 21ª edição instigando uma revisão histórica afetiva entre artistas veteranos e da novíssima geração


Consolidada no circuito nacional das artes, a Unifor Plástica celebra 21 edições, atraindo os olhares da classe artística e do público em geral. Registro fotográfico realizado na edição de 2019 (Foto: Ares Soares)
Consolidada no circuito nacional das artes, a Unifor Plástica celebra 21 edições, atraindo os olhares da classe artística e do público em geral. Registro fotográfico realizado na edição de 2019 (Foto: Ares Soares)

Um abraço uterino. Na Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, conhecimento científico e criação artística nascem umbilicalmente atrelados, olhos nos olhos. A rigor, nunca houve Unifor sem a presença das artes. É assim desde 1973, quando o campus abriu suas portas para o ensino superior de excelência ao mesmo tempo em que presenteou a cidade e a cultura cearense com a primeira edição da Unifor Plástica, em junho do mesmo ano. Em 2021, a mostra comemora uma maioridade simbólica e chega a sua 21ª edição ensejando elogios, ao mesmo tempo em que instiga uma revisão histórica afetiva entre artistas veteranos e da novíssima geração.

Quem já participou da mostra que se repete bienalmente e no próximo dia 19 volta a atrair os olhares da classe artística e do público em geral assume um tom de reverência ao se rever nela. Caso do artista visual Fernando França, que na 21ª edição foi convidado a pintar o retrato de um dos homenageados, o pesquisador da cultura popular tradicional e professor Gilmar de Carvalho. “A Unifor Plástica tem uma importância na minha trajetória como pintor e desenhista. Foi o primeiro salão oficial que participei com pintura, no final dos anos 1980, começo dos 1990, participando de diversas edições na sequência. Era um dos poucos espaços, à época, que os artistas tinham para se fazerem conhecidos e irem se firmando no mercado. Comigo foi dessa forma. Hoje a internet é a grande vitrine, rapidamente você se faz conhecido no mundo todo, se o algoritmo deixar, claro. Mas antes não”, relembra. 


O artista visual Fernando França, que na 21ª edição foi convidado a pintar o retrato de um dos homenageados, o pesquisador da cultura popular tradicional e professor Gilmar de Carvalho (Foto: Acervo pessoal)

A mostra que acolhia novos talentos e artistas cearenses já consagrados também se mostrou desafiadora desde o princípio. “Quando se aproximava a época de inscrição da mostra via vários colegas artistas quebrando a cabeça para enviar um trabalho diferente, ousado... quer dizer. Às vezes nem era a expressão ou a linguagem a qual aquele artista estava habituado, mas tinha que suar para entrar no salão e tentar inovar, então saía-se mesmo do lugar de conforto. Eu consegui me manter coerente, não queria reinventar a pólvora, apenas me firmar como um bom desenhista e pintor, fazendo o que me dava prazer. E a Unifor Plástica de certa forma credenciou esse meu traço e estilo, por ser democrática e abraçar diversas linguagens”, acrescenta Fernando.

De 1982 a 1986, o artista visual Sérgio Helle foi graduando do curso de Administração de Empresas da Universidade de Fortaleza e já nessa década também começou a expor na Unifor Plástica. “Inicio minha participação na mostra em 1983 e participo de mais de uma dezena de edições. Em duas delas fui premiado. E participo dessa 21ª edição com muita honra, porque é um evento que faz parte da minha própria formação artística. A Unifor sempre fomentou as artes no Ceará, seja pelas exposições que promove ou quando dá visibilidade a novatos e artistas consagrados a um só tempo. Já visitei muitas exposições e fui a muitas palestras no Espaço Cultural da Unifor, um lugar de formação de público que nos dá acesso gratuito a obras de valor inestimável que só vemos em grandes museus do mundo. Volpi, Amilcar de Castro, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Antonio Bandeira, Sérvulo Esmeraldo, Frans Krajcberg, Guignard, Hélio Oiticica, Lasar Segall, Lygia Clark, Cildo Meireles, Adriana Varejão, Beatriz Milhazes. Todos os grandes artistas estão ao alcance de nossos olhos através da coleção da Fundação Edson Queiroz e isso dá muito prestígio ao Ceará”, vibra.


Sérgio Helle iniciou sua participação na mostra em 1983, expondo em mais de uma dezena de edições (Foto: Acervo pessoal)

“Não se ama o que não se conhece”. Para o artista visual Roberto Galvão, que participou da primeira edição da Unifor Plástica, em 1973, sendo premiado em uma delas com a série Arraias, que hoje pertence ao Governo do Estado, a produção artística do Ceará sempre foi carente de espaços de divulgação. Sendo assim, a mostra até hoje é a maior das vitrines locais. Não bastasse isso, ele acrescenta, a Unifor desenvolveu internamente uma verdadeira política de fomento às artes,casada à educação. 


Roberto Galvão participou da primeira edição da Unifor Plástica, em 1973 (Foto: Ares Soares)

Conhecer e debater arte dentro da universidade tem outro peso, porque o pensamento crítico e técnico também passa a ser criativo. Ao promover exposições com importantes nomes das artes no Brasil e no mundo a Unifor refina a sensibilidade do povo de um lugar. Isso não é pouca coisa. A arte amplia nossa visão de mundo e incita a imaginação a criar outros mundos possíveis. Por isso, a população precisa ver mais arte e de qualidade como existe na Unifor”, convida o veterano. 

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Tempo que dá voltas. E capricha nas simbologias. Destaque entre os novos talentos, o artista multimídia Cadeh Juaçaba, que participa da 21ª Unifor Plástica, hoje repisa o caminho trilhado pela tia-avó, Heloísa Juaçaba, que participou da primeira edição da mostra, em 1973. “Me sinto lisonjeado de estar entre os artistas participantes da Unifor Plástica pela segunda vez e é bonito esse fio que me traz de volta à tia Heloísa, através de uma mostra que até hoje une diferentes gerações de artistas do Ceará e do Brasil. Convivi desde criança com ela em seu ateliê e sempre a vi como uma profissional dedicada, generosa e muito aberta a compartilhar conhecimento com todos. Comigo não foi diferente. E agora celebro esse vínculo afetivo e esse legado de paixão pelas artes com um sentimento de gratidão e responsabilidade”, credencia o sobrinho-neto da “dama das artes” no Ceará.    


O artista multimídia Cadeh Juaçaba participa da Unifor Plástica pela segunda vez (Foto: Acervo pessoal)

Na 21ª edição da Unifor Plástica, Cadeh flerta com ambivalências em duas diferentes obras: Traçante é uma escultura-instalação criada a partir de um monumento histórico que cultua a figura política de Getúlio Vargas e o artista que lhe crava uma bandeira no peito também assina a pintura Alvorada, desvelando diante dos olhos dos espectadores uma paisagem distópica. “Acho massa a Unifor Plástica também ter aderido desde 2011 às curadorias que vêm acolhendo propostas conceituais e recados políticos contundentes. No início, a seleção dos artistas era feita através de editais. Acho mais interessante e rico essa abertura à pluralidade de pensamento e às conexões possíveis não só entre artistas do Ceará, mas também do Brasil, promovida pelos curadores de cada edição. Que se torne uma marca”, torce o sobrinho-neto de Heloisa Juaçaba, artista que também já foi homenageada na edição de 2013 da Unifor Plástica.  

Para a artista visual Raisa Christina, a Unifor Plástica que possibilita o encontro e as trocas simbólicas entre artistas com trajetórias diversas também é aquela que tem um inestimável potencial de formação de plateia. “O Espaço Cultural da Unifor vem sendo um espaço de educação não formal valioso quando traz estudantes de escolas públicas e privadas para atividades formativas em artes, oficinas ou visitas guiadas. Sem falar que há obras de arte nos corredores e em toda a área verde da universidade, o que é um convite não só a fruição artística, como à criação mesmo. Participei da 20º edição, em 2019, com a curadoria da Denise Mattar, e meu trabalho 'Beijo de despedida' foi uma ação propositiva que me levou a passar dias no campus ouvindo histórias de despedida de quem se dispusesse a parar e falar comigo, ao mesmo tempo em que eu desenhava os seus retratos. Não faltou interlocutor. E percebi que a maioria era gente sensibilizada para as artes, estudantes, funcionários, visitantes. Foi uma experiência muito forte e surpreendente. Fiz até amigos! Então sou muita grata à Unifor Plástica e à curadoria por esse aprendizado”, credencia.

Ter passado pelos crivos do curador Ivo Mesquita, em 2017, da curadora Denise Mattar, em 2019, e mais recentemente do curador Marcelo Campos, participando assim de três edições seguidas da Unifor Plástica, também é feito que o artista visual Diego dos Santos se orgulha em estampar no portfólio. Segundo ele, não há dúvida de que o trabalho conceitual amadurece significativamente diante da possibilidade de ter contato com curadores experientes e consagrados a cada dois anos, tempo ideal para intensificar pesquisas e maturar desdobramentos possíveis. 


Raisa Christina acredita que a Unifor Plástica possibilita o encontro e as trocas simbólicas entre artistas com trajetórias diversas (Foto: Acervo pessoal)

“De uma edição para a outra da mostra apresento instalações onde trabalho com o mesmo tema: a noção de morada. Primeiro com a obra Poema 193, onde provocava incêndios dentro de conchas do mar, registrando a ação em vídeo. Era uma crítica aos incêndios criminosos que expulsam as pessoas de suas casas na periferia da cidade. Na 21ª edição, uso faixas de ráfia com propaganda de lotes de terras à venda para questionar a apropriação de territórios pertencentes a povos originários pelos grandes empreendimentos mobiliários, chamando atenção para o apagamento desses lugares de pertencimento e desses corpos, o que remete ao tema Corpo Ancestral. E para discutir poeticamente esse assunto foi fundamental passar pela Unifor Plástica e contar com o pensamento curatorial”, afirma.

Graduada em Arquitetura e mestre em Ciências da Cidade pela Universidade de Fortaleza, a artista visual Andrea Dall’Olio também se orgulha em afirmar que apurou o olhar artístico ao longo de toda a trajetória acadêmica. 


Andrea Dall’Olio participou da 20ª edição da mostra e acredita que a universidade tem papel fundamental para pensar em diálogos com diferentes produções artísticas (Foto: Acervo pessoal)

“Ver arte em todos os cantos da Unifor e ter acesso por todos esses anos de graduação e pós-graduação ao acervo e às exposições promovidas pela Fundação Edson Queiroz  me despertaram para as artes e me tornaram artista, sem dúvida. E até hoje, tudo o que passa pelo Espaço Cultural da Unifor está sempre na minha agenda. Visito cada exposição mais de uma vez: Terra Brasilis, Leda Catunda, Adriana Varejão, 50 Duetos, Uma constelação para Sérvulo Esmeraldo... quantas oportunidades tive dentro da universidade para pensar em diálogos com produções artísticas nascidas nos mais diversos contextos e com as mais variadas linguagens. Só tenho que parabenizar e agradecer, feliz por também ter participado da 20ª edição da Unifor Plástica, com a obra Entrelaçando Percursos - 1,80x1,20, pintura e bordado livre sobre tela”, encerra a artista que também se dedica à arte urbana.

Nice Firmeza, presente! Letícia Parente, presente! As artistas homenageadas in memorian na 21ª edição da Unifor Plástica não deixam dúvida de que a condição feminina e o próprio lugar da mulher nas artes vêm ganhando centralidade a cada edição da mostra. 


Nice Firmeza (1921-2013) e Leticia Parente (1930-1991) serão homenageadas pela 21ª edição da Unifor Plástica (Fotos: Divulgação)

Para a artista visual Cecília Bichucher, que participou pela primeira vez da Unifor Plástica em 1991, aos 22 anos, a conquista gradual de visibilidade e reconhecimento no circuito das artes tem valor dobrado para quem se arvora a levar à frente uma carreira artística, mas também precisa assumir o desafio de ser mãe e dona de casa a um só tempo. 


A artista visual Cecília Bichucher participou pela primeira vez da Unifor Plástica em 1991, aos 22 anos (Foto: Acervo pessoal)

“Sou de São Paulo, me graduei em artes plásticas em Nova Iorque e sou o típico caso de uma artista que teve sua trajetória profissional diversas vezes interrompida ao longo da vida por conta dos papeis reservados à mulher historicamente, o que inclui cuidar dos filhos e da casa. Não me arrependo de minhas escolhas e nem quero diminuir o valor das tarefas domésticas. Mas é preciso falar sobre o peso de certos papeis sociais, além de fazer reverberar uma luta atávica por reconhecimento e valorização da mulher junto as mais diversas camadas da sociedade. Voltei a participar da mostra somente em 2011, mas só agora, em 2021, posso me dedicar integralmente à arte. Por isso mesmo essa edição é tão importante pra mim. Volto, com orgulho e alegria juvenil, para o meu ponto de partida no Ceará: a Unifor Plástica, uma mostra que evolui em sintonia fina com a produção artística do Brasil”, comemora a autora da gravura “MiMeMa - Sombra do cajueiro”. 

“Como curador da 21ª edição da Unifor Plástica, penso na mostra como uma possibilidade de atualização da cena artística e de um pensamento que vai analisando os sintomas recorrentes de uma produção contemporânea. Esses sintomas aparecem quando a gente cria uma pesquisa mais ampla, não somente em Fortaleza, como em Juazeiro do Norte, como se deu agora, em Corpo Ancestral. Exposição é sempre um momento em que a gente faz relações entre um e outro artista, entre a ampliação desse campo conceitualmente e materialmente, entendendo que são linguagens diferentes e obras com riqueza própria. Entendo a curadoria de arte como uma escuta, não se trata de juízo de valor ou julgamento do que é bom ou ruim. Sou professor e venho da pesquisa e do ensino, então curadoria sempre foi lugar de escuta, de atualização do meu olhar sobre as artes e de partilha também”, Marcelo Campos foi curador da Unifor Plástica em 2011, ao lado de Paulo Herkenhoff, e é curador da 21ª edição, em 2021.

"A Unifor Plástica mostra a qualidade da arte cearense, como os artistas produzem e como há um paralelo com o que está sendo produzido no Brasil e no mundo inteiro. É uma exposição tradicional, que foi se adaptando aos novos tempos até chegar a ser uma mostra com curadoria. E uma das suas grandes qualidades é a continuidade do evento. O fato de uma exposição no Brasil chegar à 21ª edição é muito bom, porque geralmente ações do tipo começam e não têm continuidade. A adoção do método da curadoria tem um lado interessante porque mostra diferentes facetas das obras. Ano passado me chamou atenção a frequência com que os artistas cearenses se utilizam da palavra nos seus trabalhos, o que eu atribuo aos contadores de histórias, à tradição do cordel e à oralidade própria do Nordeste. O Ceará tem produzido artistas incríveis, como Luiz Hermano, Efraim de Almeida, Leonilson, que ficaram conhecidos no Brasil inteiro como os que agora estão sendo vistos, vide Francisco de Almeida, que integra a exposição Brasilidades no Rio de Janeiro. Isso sem falar em Antonio Bandeira e em Aldemir Martins, único artista brasileiro que em 1956 foi considerado o melhor desenhista do mundo na Bienal de Veneza”, Denise Mattar, curadora da 20ª edição da Unifor Plástica. 

“A Unifor Plástica é uma mostra periódica de uma universidade que cresceu com Fortaleza, que se fez notável e respeitada no âmbito das ciências exatas, médicas e humanas. Referência por seu engajamento com a universalização dos saberes, a Fundação Edson Queiroz goza de prestígio internacional também por expor em seu campus universitário uma das maiores e mais importantes coleções de artes plásticas e bibliográficas do País. Tenho especial apreço por estes espaços de trocas e somas de conhecimentos. Cultivada neste meio, o que podemos esperar da 21ª edição da Unifor Plástica? No mínimo que ela pouse no próximo 19 de outubro com a atualidade que vem mantendo nos últimos anos, crescente e alvorecendo. Com plumagem generosa, asas mais largas e mais compridas que sobrevoe o Jardim de Esculturas do Campus e jogue flores para os artistas que lá habitam: Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Sérgio Camargo, Sérvulo Esmeraldo... Que adentre os espaços sagrados e labirínticos da Reitoria, do Espaço Cultural, da Biblioteca e saúde os Leonilson, os Di Cavalcanti, os Volpi, as Maria Martins, os Bandeira, as Nice Firmeza, os Frans Post, os Frans Krajcberg, os Eckhout, as Leda Catunda, os Babinski, os Luiz Hermano. Este último que nos seus inícios expôs na Unifor Plástica, assim como Francisco Zanazanan, que queira Deus esteja na prodigiosa coleção. Uma vez participei como júri da Unifor Plástica nos longínquos anos 80. E sempre que pude, participei da mostra na confortável posição de público. É mais uma chance para o cotejamento, a autoavaliação dos artistas e dos interessados em arte. Sobretudo pelo item surpresa que ela sempre traz como trunfo”, Dodora Guimarães, curadora de artes.    

21ª Unifor Plástica – Corpo Ancestral
Abertura: 19 de outubro de 2021, às 19h
Visitação: a partir de 20 de outubro de 2021. Terça a sexta, 9h às 18h; sábados e domingos, 10h às 18h
Local: Espaço Cultural Unifor (Av. Washington Soares, 1321 - Bairro Edson Queiroz)
Curadoria: Marcelo Campos
Co-curadoria: Pollyana Quintella