Setembro Amarelo: entenda a relação entre neurodivergência, saúde mental e prevenção ao suicídio
Discussão sobre inclusão e acolhimento destaca a necessidade de adaptar ambientes e políticas públicas para reduzir o sofrimento psíquico de pessoas neurodivergentes
Setembro é marcado por diversos movimentos de conscientização em saúde, como o Setembro Amarelo . A campanha, que reflete sobre saúde mental e conscientiza sobre a prevenção ao suicídio, ganha espaço em diferentes dimensões. Uma delas foca na relação entre a neurodivergência e o risco aumentado de sofrimento emocional, depressão e pensamentos suicidas.
De acordo com o psicólogo e neurocientista Tauily Claussen D'Escragnolle Taunay, professor do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza — instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz —, pensar nesse público é essencial para ampliar o alcance da campanha.
“Populações neurodivergentes têm risco aumentado de ideação e comportamento suicida por razões sociais e clínicas combinadas e, frequentemente, são negligenciadas nas campanhas que usam mensagens e serviços pouco adaptados. Incluir a neurodivergência na prevenção significa ampliar a eficácia da campanha e reduzir estigmas”, afirma o docente.
O que significa ser neurodivergente?
A palavra neurodivergência é cada vez mais presente em debates sobre saúde mental e inclusão. Ela se refere a modos de funcionamento cerebral e comportamental diferentes do padrão considerado “neurotípico”. Tauily explica que essa condição deve ser vista como uma variação natural da espécie humana e não como um defeito.
“A pessoa neurodivergente apresenta características de comportamento e cognição distintas do padrão dominante, derivadas de um funcionamento neurológico singular. Não seriam, portanto, ‘defeitos’ a serem corrigidos”, pontua. Entre alguns dos quadros mais associados à neurodivergência estão:
- Transtorno do Espectro Autista (TEA),
- Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH),
- Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC),
- Síndrome de Tourette,
- dislexia,
- discalculia,
- alguns transtornos de personalidade.
Ainda que diferentes entre si, essas experiências têm em comum a dificuldade de lidar com ambientes planejados apenas para pessoas neurotípicas. Segundo o professor, os principais desafios enfrentados por neurodivergentes não surgem apenas de suas condições, mas da forma como a sociedade se organiza.
“É como se nossa sociedade fosse talhada para um tipo específico de sujeito capaz de se adaptar a múltiplos estímulos, muitos ruídos, horários rígidos e alta produtividade. Muitos neurodivergentes procuram camuflar seu funcionamento para se adequar, o que gera estresse e desgaste emocional crônico”, explica Tauily.
Esse esforço para parecer neurotípico é chamado de camuflagem e está associado a sérias consequências emocionais. A constante tentativa de esconder características próprias leva à fadiga, perda da autoestima e a sentimentos de inautenticidade. A longo prazo, essa pressão pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos como depressão e ansiedade, além de aumentar o risco de ideação suicida.
Pesquisas apontam riscos elevados
Pesquisas da National Library of Medicine apontam que pessoas neurodivergentes apresentam índices significativamente mais altos de sofrimento psíquico quando comparadas à população geral. Em populações autistas sem deficiência intelectual associada, por exemplo, os números de ideações suicidas são alarmantes.
“Diversos estudos acadêmicos mostram prevalências muito elevadas de ideação suicida, tentativas e mortalidade por suicídio em populações autistas. No caso de pessoas com TDAH, também há maior risco de depressão, ansiedade e comportamentos suicidas, muito em função das comorbidades e fatores psicossociais”, detalha o neurocientista.
Pessoas neurodivergentes demonstram maior tendência de
desenvolver depressão e outras condições de saúde mental do que
pessoas neurotípicas (Ilustração: Getty Images)
Entre os fatores que ajudam a explicar essa realidade estão o estigma, a rejeição, a discriminação cotidiana e o acesso limitado a diagnósticos precoces e tratamentos adequados. Tauily alerta ainda a necessidade de olhar para as interseccionalidades do tema. “Não podemos deixar de falar de interseccionalidades: as influências de gênero, raça e pobreza que agravam a circunstância e as condições de vida de neurodivergentes pobres, pretos e LGBTQPIA+”, pondera.
O impacto da neurodivergência também é visível em espaços de estudo e de trabalho. Salas de aula barulhentas, provas padronizadas e processos seletivos pouco adaptados são apenas alguns exemplos de barreiras que se impõem diariamente. “Ambientes sensoriais hostis, avaliações que privilegiam neurotípicos e a falta de flexibilidade de horários são obstáculos. Tudo isso gera estresse crônico, burnout , exclusão e até abandono escolar e desemprego”, afirma o psicólogo.
A ausência de acomodações adequadas, como tempo extra em provas, possibilidade de trabalho remoto ou locais tranquilos para descanso, amplia os riscos de exclusão e de agravamento de quadros emocionais. Nesse sentido, pensar em ambientes inclusivos é também uma medida de cuidado em saúde mental.
O papel da aceitação e do acolhimento
Para o professor do curso de Psicologia da Unifor, a chave para melhorar a saúde mental de pessoas neurodivergentes está em mudar o foco: buscar a normalização de comportamentos, oferecer suporte funcional e ambientes adaptados. “O apoio especializado deve adotar uma abordagem de validação e adaptações, não apenas normalização. Espaços de acolhimento, onde a pessoa não precise se camuflar, fazem diferença no cuidado psicológico”, reforça.
Entre as estratégias que podem ajudar o indivíduo com neurodivergência a navegar melhor pelo cotidiano estão:
- elaboração de rotinas com pausas sensoriais,
- higiene do sono,
- prática de atividade física,
- alimentação equilibrada,
- uso de ferramentas de organização.
Grupos de apoio geridos por pessoas neurodivergentes e comunidades online seguras também aparecem como alternativas importantes. Além disso, o diagnóstico, mesmo quando tardio, pode representar um marco na vida de muitas pessoas.
“O diagnóstico favorece o entendimento do próprio funcionamento, permite acesso a acomodações, conecta a redes de apoio e reduz a culpa. Muitos relatam alívio ao compreender que não se trata de uma falha pessoal, mas de uma diferença legítima”, ressalta Tauily.
Sociedade e políticas públicas: quem deve se adaptar?
Uma das perguntas centrais levantadas pelo professor é: deve a pessoa neurodivergente se adaptar ao ambiente ou o ambiente se adaptar à pessoa neurodivergente? Para ele, a resposta mais recomendada é a segunda. Ambientes escolares e de trabalho mais ajustados, menos barulhentos, com avaliações alternativas e maior flexibilidade podem reduzir significativamente o sofrimento de pessoas neurodivergentes.
Para completar, campanhas antiestigma, capacitação de equipes de recursos humanos e contratação inclusiva são estratégias institucionais que fortalecem o acolhimento. “É fundamental treinar professores, gestores e profissionais de saúde sobre neurodiversidade. Isso contribui para reduzir o isolamento e criar condições de vida mais dignas para essas pessoas”, defende.
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Setembro Amarelo: ampliar o alcance da prevenção
Trazer o tema da neurodivergência para o Setembro Amarelo é, para o psicólogo e neurocientista Tauily, uma oportunidade de tornar a campanha mais inclusiva e eficaz.
“Incluir a neurodivergência na
prevenção significa adaptar materiais de comunicação, treinar
equipes de crise para reconhecer sinais diferentes e criar
caminhos de acesso ao apoio que respeitem especificidades
sensoriais e comunicacionais. Isso aumenta a eficácia da
prevenção ao suicídio” — Tauily Taunay,
psicólogo, mestre em Ciências Médicas e professor de Psicologia da
Unifor
Na visão do professor, o debate também ajuda a reduzir preconceitos e a construir uma sociedade mais empática. “É preciso deslocar o foco da normalização para a qualidade de vida e a autonomia. Aceitar diferenças que não causam sofrimento em si e intervir sobre fatores sociais que tornam a vida mais difícil é uma forma de prevenir não apenas o suicídio, mas de promover saúde coletiva”, conclui.
Embora o mês de setembro seja um marco importante para a conscientização, o cuidado com a saúde mental de pessoas neurodivergentes deve ser permanente. Reconhecer os desafios enfrentados por esse grupo, oferecer apoio adequado e promover ambientes inclusivos são passos essenciais para reduzir o sofrimento psíquico e, consequentemente, prevenir casos de depressão e risco de suicídio.
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