Entrevista Nota 10: Luiz Antonio Pessan e as estratégias para fomentar a pós-graduação stricto sensu no Brasil

seg, 17 março 2025 20:14

Entrevista Nota 10: Luiz Antonio Pessan e as estratégias para fomentar a pós-graduação stricto sensu no Brasil

Atual diretor de Programas e Bolsas da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ele aborda a importância de se investir na formação de mestres e doutores para o desenvolvimento de um país


Luiz Antonio Pessan esteve na Unifor participando de três importantes seminários de acompanhamento da Capes (Foto: Ares Soares)
Luiz Antonio Pessan esteve na Unifor participando de três importantes seminários de acompanhamento da Capes (Foto: Ares Soares)

O cenário da pós-graduação stricto sensu no Brasil tem mostrado sinais de crescimento, com aumento significativo no número de matriculados em 2023, ultrapassando a marca de 350 mil estudantes, segundo dados do Ministério da Educação (MEC).

Esse avanço, que representa um acréscimo de mais de 35 mil ingressantes em mestrados e doutorados, é impulsionado por fatores como o reajuste de 40% nas bolsas da Capes, após uma década sem reajustes. Contudo, apesar do aumento, o país ainda enfrenta desafios em relação à formação de doutores, com a taxa de doutores na população brasileira bem abaixo da média de países desenvolvidos.

“Em relação aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que conta atualmente com aproximadamente 30 membros da Europa, Américas, Ásia e Oceania, estamos muito abaixo da média para mestrado e também para doutorado com relação ao número de mestres e de doutores por 100 mil habitantes”, aponta o diretor de Programas e Bolsas da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Luiz Antonio Pessan.

Com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) e mitigar assimetrias na formação de mestres e doutores no país, de 11 a 13 de março, a Capes reuniu, na Universidade de Fortaleza, especialistas, gestores e representantes de instituições de ensino e agências de fomento em três seminários de acompanhamento: Programa de Redução de Assimetrias da Pós-Graduação (PRAPG), Programa de Extensão da Educação Superior na Pós-Graduação (PROEXT-PG) e Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação – Apoio ao Desenvolvimento da Região Semiárida Brasileira (PDPG).

O diretor de Programas e Bolsas da Capes esteve na Unifor apresentando as estratégias do órgão para fomentar a pós-graduação stricto sensu no Brasil. Graduado e mestre em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e PhD em Engenharia Química pela University of Texas at Austin, com pós-doutoramento também na instituição americana, Luiz Antonio Pessan é professor titular do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar.

Além de diretor de Programas e Bolsas da Capes, cargo que assumiu em abril de 2024, o docente é também membro do Conselho Diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Na Entrevista Nota 10 desta semana, o professor comenta o cenário da pós-graduação no Brasil, bem como a sua importância para acelerar o desenvolvimento do país. O diretor da Capes destaca ainda como o órgão tem atuado para promover mais oportunidades para os profissionais cursarem programas de mestrado e doutorado, a fim de aumentar o índice de mestres e doutores.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – No início da sua gestão, você falou que uma das suas primeiras providências seria fazer um levantamento extenso dos resultados do modelo de concessão de bolsas, criado em 2020. Esse movimento trouxe quais benefícios para a pós-graduação brasileira?

Luiz Antonio Pessan – Em relação ao modelo de distribuição de bolsas, todo ano fazemos ajustes, adaptações, conversamos, ouvimos a comunidade e sugestões, as quais algumas podem ser aplicadas. Para esse ano, estamos fazendo um ajuste que foi anunciado preliminarmente em novembro do ano passado no Encontro Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (ENPROP), que foi em Belo Horizonte.

Na ocasião, anunciamos que a ideia era inserir no modelo um fator que chama taxa de utilização, ou seja, às vezes tem alguma instituição que está com um número de bolsa disponível e está usando pouco. Então, nós fizemos um ajuste para que parte dessas bolsas que não estão sendo usadas pelas instituições em sua totalidade volte para o modelo para serem redistribuídas para as demais [instituições]. Isso daí já está sendo implementado e devemos anunciar em breve o resultado. Obviamente, o modelo ainda tem uma série de mudanças a serem feitas, estamos constantemente rediscutindo.

Entrevista Nota 10 – Qual o papel das ações estratégicas e das demandas induzidas em áreas estratégicas para a qualidade da pós-graduação brasileira?

Luiz Antonio Pessan – Um dos exemplos dessas ações estratégicas são os três eventos realizados aqui na Unifor: Programa de Redução de Assimetrias da Pós-Graduação (PRAPG), Programa de Extensão da Educação Superior na Pós-Graduação (PROEXT-PG) e Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação – Apoio ao Desenvolvimento da Região Semiárida Brasileira (PDPG). Esses três programas já estão em funcionamento. Estamos fazendo seminários de acompanhamento para que possa ter interlocução, conversas, diálogos entre os coordenadores dos diferentes projetos e os pró-reitores das diferentes instituições, em compartilhar com os outros o que está fazendo e com a CAPES também. Ideias de um podem ser utilizadas nos [outros] projetos. 

Outras que nós temos realizado são ações em áreas específicas, áreas estratégicas que podemos ter parceiros tanto governamentais como não governamentais. Uma das ações que estamos discutindo e já tem ação em andamento é a formação de redes de desenvolvimento, inclusive está sendo discutida uma aqui para o Nordeste. Temos parcerias com as fundações estaduais de apoio à pesquisa e são ouvidas as instituições da região. Os problemas levados para o edital, para o programa, são problemas que são levantados junto à comunidade acadêmica. Então, são [realizadas] ações de forma estratégica para conseguirmos atender da melhor forma possível os problemas e as demandas da região.

Entrevista Nota 10 – Qual a importância da pós-graduação stricto sensu para acelerar o desenvolvimento do país? Como podemos avançar?

Luiz Antonio Pessan – A educação como um todo é fundamental para o desenvolvimento de um país, em todas as áreas. E a pós-graduação tem um papel também essencial para que consigamos profissionais cada vez mais qualificados em todas as áreas, que possam atender às necessidades da comunidade e levar o seu conhecimento para resolver questões específicas da população.

Então, o discente que participa de um programa de mestrado, doutorado ou mesmo de um pós-doutorado se qualifica cada vez mais para atender às necessidades que temos na nossa sociedade. E as necessidades mudam de tempos em tempos. Você pode verificar que, às vezes, existem questões que estão resolvidas, mas podem retornar. E se não tivermos profissionais qualificados para ajudar na solução daqueles problemas, sofreremos muito para buscar novamente a solução.

Você tem um problema que está resolvido no país, vacina para alguma doença, por exemplo. Se descuidarmos e deixarmos de tomar vacina e esse problema voltar e não tivermos profissionais qualificados para desenvolver novamente a vacina, para sensibilizar a população de que a vacina é importante, nós vamos perder muito tempo e, fatalmente, muitas vidas. Então, o profissional qualificado em qualquer área só tende a ajudar a evolução, o progresso da sua comunidade e, consequentemente, do país.

Para avançarmos na qualificação desses profissionais, é necessário dar oportunidades para que as pessoas possam se qualificar. E dar oportunidade é tornar acessível, no caso, o ensino de pós-graduação para que as pessoas ingressem em um programa, aumentar o número de programas que atendam a comunidade e que atendam com qualidade. É fundamental que as pessoas tenham a possibilidade de ingressar, cursar um programa de pós-graduação e conseguir terminá-lo, pois a oportunidade não pode ser apenas para a entrada, tem que ser também de permanecer e finalizar um curso de pós-graduação.

Eu acho que isso, de alguma maneira, vai contribuir, se não agora, no momento futuro. Nesse sentido, as bolsas são um importante instrumento para que a pessoa ingresse, permaneça e tenha um pouco de condições para finalizar a pós-graduação.

Entrevista Nota 10 – Em se tratando da formação de mestres e doutores no Brasil, qual a realidade do nosso país em comparação a outros países?

Luiz Antonio Pessan – Uma comparação que sempre usamos é o número que temos de mestre e doutores formados em relação aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em relação a esses países, estamos muito abaixo da média para mestrado e também para doutorado em número de mestres e de doutores por 100 mil habitantes. A meta nossa é aumentar esse número, para isso acompanhamos ano a ano esse quantitativo. Acompanhamos também não só a média para o Brasil, mas a média nas diferentes regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. E tem um perfil parecido, embora o número seja bem diferente entre as regiões. 

Isso é uma das diferenças — assimetrias, como chamamos — que tentamos melhorar. Reduzir um pouco dessa assimetria, porque isso está diretamente vinculado com o desenvolvimento econômico do país. Quanto mais profissionais qualificados você tem, melhor o atendimento à população, qualidade de vida, desenvolvimento econômico, social. Além disso, a qualidade do que é desenvolvido tem relação também com a interação dentro do próprio país e com outros países, que podem estar mais avançados ou menos avançados que o Brasil. Nesse último caso, podemos contribuir para que eles se desenvolvam. Então, tudo vem em conjunto.

Entrevista Nota 10 – Onde estão atuando e onde mais deveriam estar atuando os egressos de pós-graduação no Brasil? Como avançar nesse quesito? Qual o papel da universidade, do mercado e da sociedade?

Luiz Antonio Pessan – Onde mais estão atuando os mestres e doutores, principalmente, é na academia, nas instituições de ensino. No Brasil, o número ainda de profissionais formados em diferentes áreas, a nível de doutorado, não está indo para o meio produtivo não acadêmico, como indústrias, por exemplo. Isso precisaria melhorar, pois esses profissionais têm muito a contribuir em todas as áreas, algumas mais, outras menos, mas é importante que esses profissionais possam atuar também fora da academia. Se não tem essa oportunidade de ser absorvido no mercado nacional, eles podem receber propostas e ir para outros países, e tem acontecido. Por isso, temos que tentar melhorar, aumentar o número de oportunidades para que esses profissionais fiquem aqui.

Uma forma de fazer isso é aproximar os programas de pós-graduação, as instituições e universidades da comunidade. Durante o processo de formação de um aluno de graduação, de mestrado ou doutorado, é fundamental que ele já tenha um pouco de interação com o meio produtivo não acadêmico, onde ele poderá ser absorvido, seja por meio de algum treinamento, estágio ou alguma interação por meio de projetos. Isso facilita que essas outras instituições vejam a importância de ter aquele profissional, que às vezes é desconhecido. Podem não saber que um profissional de uma área ou de outra pode contribuir muito com uma formação mais especializada dentro da instituição. Então, é um caminho longo, porque se tenta, se luta para melhorar isso em algumas áreas há muitos anos. A própria CAPES já está tentando fazer essa aproximação.

Entrevista Nota 10 – Qual a sua visão sobre o papel da Unifor no contexto da pós-graduação brasileira?

Luiz Antonio Pessan – De forma geral, a Unifor tem tido um bom desempenho, tem uma característica diferente de uma universidade pública, federal ou estadual, mas tem tido, sim, um desempenho muito bom. Não quer dizer que não precisa melhorar, todo mundo precisa melhorar.

Neste ano, a CAPES está realizando a avaliação quadrienal dos programas de pós-graduação, na qual acompanhamos a evolução dos programas. Nessa avaliação podemos perceber algum efeito da pandemia ainda. Não sei como a Unifor foi afetada em relação às outras universidades, mas todas foram afetadas por conta da pandemia. Há grande chance de o número de mestres e doutores formados ter caído, pois caiu para quase todos os programas, algo em torno de 30% de queda. Mas está retomando, e a nossa expectativa é que, com essa avaliação que faremos na Unifor, não tenha afetado tanto o desempenho, porque os programas voltaram a crescer nesse período. Em resumo, a Unifor tem tido uma contribuição muito significativa.