Entrevista Nota 10: Santosha Natália Garcia e a experiência de viver as cidades para transformá-las

seg, 29 abril 2024 15:38

Entrevista Nota 10: Santosha Natália Garcia e a experiência de viver as cidades para transformá-las

Jornalista especialista em planejamento urbano e neurourbanismo fala sobre como viver nas cidades molda a vida e os comportamentos humanos, além de pontuar a importância da transformação de hábitos para se ter uma população mais feliz


Santosha é criadora do projeto Cidades para Pessoas, tendo sido premiada por seu trabalho de pesquisa e atuação ao redor do mundo (Foto: Arquivo pessoal)
Santosha é criadora do projeto Cidades para Pessoas, tendo sido premiada por seu trabalho de pesquisa e atuação ao redor do mundo (Foto: Arquivo pessoal)

“As cidades são um reflexo da consciência humana. É expandindo a consciência que podemos transformar as cidades”. A frase inspiracional no site da Academia da Nova Cidade reflete a filosofia norteadora da jornalista e escritora Santosha Natália Garcia, especialista em inovação para a vida urbana e mentora de cultura de hábitos.

Ela criou o projeto Cidades para Pessoas, com o qual percorreu mais de 100 destinos pelo mundo ao longo de dez anos pesquisando cases de inovação urbana. Na sua jornada, experienciou a vida em diversas cidades para entender como as pessoas vivem e existem, assim como o ambiente urbano afeta os indivíduos e seus hábitos (e vice-versa).

“Acho que o grande aprendizado que tive foi de que a cidade, externamente, é um reflexo do que se passa no nosso mundo interno, na nossa consciência. O caminho para transformar as cidades é trabalhar com as pessoas, é transformar as pessoas, é apoiá-las nessa reconexão interna. E o link entre esse mundo interno e o mundo externo, o elemento ou a ferramenta de transformação, é o hábito, a mudança dele”, afirma.

Para Natália, é no hábito que nosso mundo interno começa a se transformar, assim como nossa percepção da cidade. “E a própria cidade começa a se transformar também”, acrescenta. Sua empresa — que está sendo reformulada e passará a se chamar Plasticidade — promove treinamentos imersivos, que potencializam as soluções técnicas de empreendimentos, organizações e prefeituras nas urbes por meio da construção de uma nova cultura de costumes.

No próximo dia 9 de maio, a jornalista irá ministrar uma aula magna sobre saúde urbana para o Mestrado Profissional em Ciências da Cidade (MPCC) da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz. O evento ressalta a relevância das condições urbanas para promover o bem-estar físico, mental e social dos habitantes dos centros urbanos.

Natália trabalhou com empresas como Fiat, CBIC, Lello e Sabesp, além de ter criado e apresentado o programa Brechas Urbanas, no Itaú Cultural. Foi gestora e hoje é mentora do Lellolab, o laboratório de inovação da vida em condomínios da Lello. Ainda criou e liderou o treinamento Escala Humana na prefeitura de Buenos Aires, na Argentina.

Speaker TEDx, já expôs suas ideias na Bienal de Arquitetura e escreveu o livro “Sete Dias no Butão – O Que Aprendi Sobre Felicidade”. Na Entrevista Nota 10 desta semana, ela fala sobre como viver nas cidades molda a vida e os comportamentos humanos, além de pontuar a importância da transformação de hábitos para se ter uma população mais feliz.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Você é jornalista de formação, sendo também especializada em planejamento urbano e neuro urbanismo, além de ser mentora de mudança de hábitos. Como essas áreas cruzaram caminhos em sua trajetória? E de que forma elas dialogam entre si, principalmente em sua atuação profissional? 

Santosha Natália — Tudo começou no jornalismo. Sinto que o jornalismo deu uma base muito importante para o meu trabalho e para minha atuação profissional porque ele me ensinou a buscar pela verdade, a procurar diferentes pontos de vista, diferentes formas de abordar uma mesma questão em busca da compreensão mais profunda das coisas. No jornalismo, treinamos muito para entrevistar especialistas, analisar dados, ouvir perspectivas diferentes de um mesmo tema, trazer reflexões aprofundadas. Isso foi uma base muito importante para começar a entrar no tema das cidades.

Entrei no tema do planejamento urbano por uma motivação pessoal. Eu comecei a ir pra redação, na época em que eu trabalhava como repórter, de bicicleta, e os meus deslocamentos pela cidade formaram meu interesse e a minha curiosidade: “Por que que a cidade é desse jeito? Por que é tão difícil pedalar aqui? Por que as ruas alagam quando chove?”. E eu fui começando a compreender esse organismo complexo que são as cidades com esse olhar mais humano que o jornalismo traz.

Uma grande inspiração para mim foi a Jane Jacobs, que era também uma jornalista e que escreveu livros que hoje inspiram muito os urbanistas no mundo todo, como o “Morte e Vida das Grandes Cidades”, que é o livro mais conhecido dela. E ela foi uma grande inspiração porque trazia essa abordagem humana e complexa para o assunto das cidades. Mas aí veio mais um aprofundamento quando eu comecei a compreender que as cidades, na verdade, são um produto dos nossos hábitos, daquilo que fazemos com consistência no dia a dia, do nosso estilo de vida, da nossa forma de viver, de trabalhar, de se relacionar, da cultura que nós vamos criando na forma de organizar a vida mesmo.

Então, eu compreendi que, às vezes, nós olhamos para a cidade e pensamos “como que transformamos os espaços públicos, a mobilidade, como recuperamos e regeneramos os rios urbanos?”. São coisas importantes mesmo, que precisam ser pensadas em larga escala, em grandes projetos. Mas fui percebendo também que o que produz a cidade dessa forma são os hábitos individuais das pessoas, das empresas, da cultura que nós criamos. E eu compreendi que, no mercado, não tem ninguém trabalhando com isso. Não tem ninguém que trabalhe com essa transformação de dentro para fora mesmo.

Foi aí que eu comecei a atuar com empresas que prestam serviços de saneamento básico, empresas de mercado imobiliário e da indústria automotiva, com essa abordagem. Vamos mudar a cultura, mudar os hábitos? Vamos compreender qual é a transformação que essa empresa pode trazer?

No caso de empresas de saneamento básico, eu trabalhei profundamente no ano passado com a SABESP em um treinamento com todo o departamento de comunicação deles, mostrando qual é a transformação de cultura que eles querem trazer, que é basicamente recuperar o rio como um elemento da cidade. É um trabalho que eles já vêm fazendo tecnicamente — o Rio Pinheiros passou por uma profunda revitalização. Tem pedaços do Rio Pinheiros em que ele já está limpo, já tem sistema de peixes, patos, passarelas em que as pessoas atravessam o rio a pé ou de bicicleta, passando bem pertinho dele. Essa reaproximação com o rio já está acontecendo, mas tem uma mudança nos hábitos de como as pessoas percebem o rio, passam por ele. Então, trabalhamos muito esse ponto.

Eu vejo que essas áreas se cruzam porque, no fundo, é a mesma coisa. O jornalismo me ajudou a compreender, o planejamento urbano me trouxe uma compreensão maior da complexidade do problema, e o hábito é a ferramenta para trabalhar e lidar com isso que eu utilizo hoje nos treinamentos na minha empresa.

Entrevista Nota 10 — Pelo “Cidades para Pessoas”, você visitou mais de 100 destinos, em mais de 15 países, documentando histórias e projetos de transformação da vida urbana. O que seu projeto autoral, ao longo de uma década, revelou sobre a vida nos espaços urbanos? Existem desafios e soluções que são compartilhados ou que se assemelham com outros lugares no mundo? 

Santosha Natália — Eu estive em muitos destinos, morei em alguns desses lugares e pude estudar profundamente esse desafio humano que são as cidades, porque nós nos tornamos uma forma de vida no planeta Terra que criou esse habitat que são as cidades. Todos os seres vivos da Terra tem o seu habitat. Cada espécie de vida tem um conjunto de comportamento, de forma de viver: o passarinho faz ninho, a formiga faz o formigueiro, e assim por diante. Eles entram numa sinergia com o ecossistema e formam ali um habitat.

Os seres humanos, na expressão da sua racionalidade, da sua cultura, criaram esse habitat chamado cidade. Só que nós não estamos fazendo um bom trabalho, porque boa parte das cidades hoje nos apresenta enfermidades muito profundas. Enfermidades emocionais, mentais, sociais, ecológicas. E por que isso acontece? Na minha percepção, isso acontece porque nós nos desconectamos da nossa verdadeira natureza, do nosso propósito, da nossa felicidade verdadeira, da nossa essência humana, dos nossos valores humanos. Nós nos desconectamos disso, e nossa forma de produzir a cidade reflete essa desconexão. 

Quando eu fui para cidades modelos — cidades que tinham ali prosperidade, bons espaços públicos, que tinham infraestrutura de qualidade, bons meios de transporte —, o que acontecia ali é que essa estrutura estava refletindo uma população mais conectada com seus dons, com seus talentos, podendo expressar isso através do seu trabalho. As cidades que desabrocham, ou seja, que de fato são um modelo para nós, que têm rios limpos, que têm essas qualidades que nós buscamos criar nas cidades, elas estão refletindo pessoas mais conectadas com elas mesmas, no geral.

Então, o que eu acho ser o grande aprendizado que tive foi que a cidade, externamente, é um reflexo do que se passa no nosso mundo interno, do que se passa na nossa consciência. O caminho para transformar as cidades é trabalhar com as pessoas, é transformar as pessoas, é apoiá-las nessa reconexão interna. E o link entre esse mundo interno e o mundo externo, o elemento ou a ferramenta de transformação, é o hábito, a mudança dele. É no hábito que nosso mundo interno começa a se transformar e a nossa percepção da cidade começa a se transformar, e a própria cidade começa a se transformar também. 

Vou dar um exemplo. Kopenhagen é uma cidade que tem seus rios limpos. Eu inclusive, quando morei lá, terminava o meu expediente e nadava no rio. Era muito gostoso! E aí eu fui investigar como eles fizeram isso, conversei com as pessoas que tocaram esse projeto ali. Foram 20 anos de revitalização até o rio ficar limpo de novo, porque ele era poluído assim como nossos rios no Brasil. O que percebi é que antes do projeto de revitalização acontecer, muitas pessoas voltaram a se reconectar com a cultura ancestral de Kopenhagen, que era uma cultura viking, conectada com os rios. E essa reconexão foi levando as pessoas a ocuparem [o lugar], a chegarem perto do rio de novo.

Teve uma escultura que foi criada para ficar bem ali na beira do rio de Kopenhagen, que levava as pessoas, as crianças, para estarem perto do rio de novo. E essa reconexão com as origens, com a cultura ancestral, foi abrindo caminhos, motivando também os olhares de políticos e técnicos para esse tema. Mais e mais pessoas foram se reconectando com esse elemento urbano que era o rio. Junto com isso, o corpo técnico da cidade foi trabalhando para revitalizá-lo. Hoje as pessoas nadam nele, tem gente que vai trabalhar à nado, que sai de casa, entra no rio, nada, chega no trabalho, toma uma ducha, põe a roupa social e vai trabalhar.

Isso é possível hoje porque houve uma mudança de hábitos 40 anos atrás. Essas mudanças são lentas mesmo, às vezes elas são sementes que nós plantamos para gerações futuras, mas há que se ter coragem de fazer isso. Talvez o grande aprendizado seja esse: que o hábito é a engrenagem da transformação das cidades.

Entrevista Nota 10 — No TEDxFloripa, em 2013, você explica que pontos de alagamento na capital São Paulo coincidem com os caminhos naturais dos rios, canalizados e correndo embaixo do asfalto, que existem na região. Nessa fala, você comenta que a falta de repertório sobre o tópico dificulta a criação de uma solução para ele. De que forma esse conhecimento prévio pode ajudar na criação de saídas para esses problemas urbanos? A troca de experiências e o trabalho conjunto entre áreas diferentes são uma resposta para isso? 

Santosha Natália — Lembro que na época que eu fiz esse TED, esse tema dos  rios que existem em São Paulo canalizados ainda era um tema pouco explorado e falado, mas já havia muitas iniciativas, projetos de conscientização e de reconexão com os rios, um pouquinho parecido com o que falamos aqui na resposta anterior.

Um exemplo que vem à mente é de uma empresa que foi criada, se não me engano, em 2010, chamada Rios e Ruas. Uma das coisas que o Rios e Ruas faz são expedições com algumas pessoas para que elas, caminhando pelas ruas, reconheçam os sinais de que tem um rio caminhando ali canalizado. E isso é muito transformador, passar por uma rua e saber que tem um rio ali! A experiência de estar ali é diferente. E quando essa rua, por algum motivo, alaga quando chove demais, saber que aquilo é um rio subindo traz uma nova perspectiva do assunto. Só essa consciência já começa a mudar a realidade. Foram sementes muito importantes, por exemplo, para o projeto de revitalização do novo Rio Pinheiros, que está a todo vapor acontecendo, sendo puxado pela SABESP hoje, dez anos depois.

Eu vejo que a consciência mais aprofundada dos fenômenos que se apresentam na cidade, como uma rua que alaga ou qualquer outro fenômeno, ajuda muito a compreender o problema, a compreender que a resposta do desafio está no próprio desafio. Claro que é importante conhecer outros lugares que lidaram com isso, conhecer boas práticas, ter boas referências, mas é muito importante também se aprofundar no aspecto local do problema, se conectar mesmo com ele. 

Nesse caso dos rios urbanos de São Paulo, vejo que quando as pessoas iam caminhar por cima dos rios canalizados, elas podiam quase sentir a dor dessa água represada, reprimida. É muito interessante porque São Paulo é a cidade com maior índice de ansiedade per capita, com muitos transtornos mentais, muitas questões ligadas à ansiedade e à depressão, muita dificuldade de lidar com as emoções, muito estresse. E a água é o símbolo das nossas emoções, nós somos compostos de água — 70% de nós é água. É quase que natural que essa relação com a água fisicamente na cidade reflita na mente das pessoas.

Tem, inclusive, uma disciplina chamada neurourbanismo, que estuda o impacto das cidades no cérebro das pessoas. E o neurourbanismo nos mostra que os rios são um elemento de saúde mental muito importante: olhar para um rio regenera o nosso cérebro imediatamente. Então, é muito importante ter conhecimento técnico sobre soluções para problemas urbanos, mas é muito importante também se conectar com o problema que está emergindo, chegar perto dele, olhar com os próprios olhos, conversar com as pessoas. Porque a resposta está no próprio problema.

É assim também na nossa vida pessoal, quando um desafio aparece e nos aperta, nos angustia e nos desafia, o trabalho não é fugir, não é ir pra fora procurar uma solução, é ficar naquele desafio, respirar fundo dentro dele e encontrar o aprendizado que ele quer nos trazer. O rio quando transborda está nos ensinando a nos harmonizar. Precisamos desenvolver a humildade de aprender com isso. Eu sinto que essa é a direção.

Entrevista Nota 10 — A Academia da Nova Cidade foi criada por ti para desbloquear a inteligência única de ação de pessoas, projetos e organizações que querem ser um elo de uma vida urbana mais feliz. Você, no entanto, tem passado por uma transição de carreira, aproveitando para reformular também seu empreendimento de acordo com um novo posicionamento e necessidades diferentes. Poderia contar mais sobre o que te levou a investir nessa mudança? O que vai mudar e o que irá permanecer? 

Santosha Natália — Meu trabalho com cidades vem se transformando bastante porque eu compreendi que, se a cidade é um organismo, as células desse organismo são os hábitos que formam a cultura, que formam as estruturas, que formam a cidade. Depois de passar muito tempo estudando soluções para as cidades, visitando cidades modelos, estudando o processo de florescimento de cidades que hoje tem lições importantes para nos ensinar, eu também estive um bom tempo no Butão, que é um país que fica ali no Oriente entre a China, a Índia, o Tibete e o Nepal. 

O Butão é um país que criou um índice chamado FIB - Felicidade Interna Bruta, que é uma alternativa ao PIB - Produto Interno Bruto. E o FIB é um novo indicador, uma nova forma de medir o que é desenvolvimento, porque eles entendem que a métrica do PIB é uma métrica importante, porém incompleta. O PIB mede o nosso crescimento econômico, a quantidade de produtos e serviços gerados num país ao olho humano, mas como é que podemos saber se esses produtos e serviços são, de fato, benéficos? Quanto eles, de fato, estão nos ajudando a florescer como humanos? É uma métrica muito importante para o crescimento econômico, mas ela não é totalizante para identificar desenvolvimento. Já o FIB junta desenvolvimento econômico com outras dimensões, como saúde, educação, nosso uso do tempo em diferentes áreas da vida. Tudo isso é medido para criar políticas públicas no Butão.

Estou dizendo isso porque eu fui compreendendo que uma das dimensões do trabalho pelas cidades é a dimensão macro. É a dimensão das políticas públicas, das prefeituras, das grandes empresas do mercado imobiliário. A outra dimensão é a micro, a dimensão dos hábitos e comportamentos que formam o nosso entendimento, nossa forma de agir e reagir diante da realidade, e que são as engrenagens dessas grandes estruturas. Esse micro é como se fosse a engrenagem do macro. Eu aprendi que existe um gap no mercado, tem pouca gente trabalhando com isso. E vejo que muitas das soluções que vêm desse macro enfrentam dificuldades porque elas esbarram nos hábitos atuais das pessoas.

Vou te dar um exemplo. Quando foi criada uma faixa exclusiva de ônibus para algumas avenidas na cidade de São Paulo, houve uma medição que mostrou que a velocidade média dos carros aumentou, e que a qualidade de como as pessoas iam dentro dos ônibus melhorou. Então, tecnicamente, essa faixa exclusiva de ônibus melhorou a vida de todo mundo. Só que, muitas vezes, as pessoas que estavam andando de carro ali, que tinham o hábito de passar por aquela faixa, ficaram com muita raiva de não poder mais andar de carro ali.

Posso entender elas porque essa mudança, no começo, gerou algumas ondas de congestionamento inesperadas. Até o sistema se acomodar, ele passou por fricções. Nas primeiras semanas, uma pessoa que não estava acostumada a pegar trânsito às 5h30 da tarde pegou um trânsito ali a mais, e aí, dentro do hábito que a pessoa tinha, ela já entendeu que essa mudança, essa inovação é ruim. “Piorou minha vida! O hábito que eu tinha não estou podendo mais ter”. E aí houve uma recusa muito grande contra aquelas faixas.

Então, veja, é uma inovação que melhorou a vida de todo mundo, mesmo que tenha passado por um por um período de fricção. Só que ela esbarrou nos hábitos das pessoas, nos comportamentos individuais. Quando houve essa esbarrada, houve uma resistência, uma dificuldade de fazer com que essa solução pudesse ser ampliada e implementada em larga escala e melhorar, assim, o sistema de transporte como um todo. A solução técnica é uma parte da história, mas a outra parte é a mudança de hábito.

Estou há 16 anos trabalhando com inovação para cidades, mas agora que estou achando meu lugar de verdade nesse ecossistema, com essa nova empresa que estou lançando, chamada Plasticidade. Plasticidade é o nome do nosso poder de transformar nossos hábitos, um termo da neurociência — eu gosto dessa palavra porque ela tem “cidade” no nome! E fiz essa transformação, esse alinhamento de posicionamento e de carreira porque eu entendi que isso vai ajudar muito a potencializar as soluções, as iniciativas, as empresas, as prefeituras que têm poucas soluções técnicas, mas que ainda não estão conseguindo fazer isso rodar na velocidade que nós precisamos.

O que vai mudar é a ferramenta, é a forma de trabalhar. Agora eu trabalho com as pessoas, com treinamentos de culturas e de hábitos. O que vai permanecer é esse objetivo da gente ter um estilo de vida urbano que esteja conectado com a verdadeira felicidade humana, entendendo que essa felicidade é individual, é coletiva e é ecossistêmica também.

Entrevista Nota 10 — Logo no início de maio (9), você vai ministrar uma aula magna sobre saúde urbana para o Mestrado Profissional em Ciências da Cidade da Unifor. Qual a relevância das condições urbanas para promover o bem-estar físico, mental e social dos habitantes das cidades? Por que discutir esse tema dentro da academia? 

Santosha Natália —  Estou muito animada para dar essa aula magna! Sinto que vai ser realmente muito bom para todos nós.

A relevância da cidade para a saúde, o bem-estar físico e social dos habitantes, é total. Como já falei aqui um pouquinho antes, eu estudo bastante o neurourbanismo, que é uma ciência que estuda o impacto das cidades no cérebro humano. E vejo que as nossas cidades estão produzindo cérebros estressados, cérebros que estão agindo no sistema do piloto automático, que muitos chamam de luta ou fuga, nosso modo mais primitivo de reagir. É o medo, o estresse. Nós estamos sendo estimulados constantemente a atuarmos nesse modo altamente reativo. 

Temos estudado muito como muitas pessoas têm tido problemas sérios de saúde mental, casos de burnout, de ansiedade, de depressão. Uma parte importante disso é o estilo de vida urbana que nós construímos, que infelizmente está produzindo  sofrimento. Compreender isso é muito importante porque quem vai passar por um mestrado como esse, que vai se tornar um profissional que atua em empresas ou prefeituras, precisa compreender qual é o impacto disso na experiência individual de cada cidadão, o impacto dos seus projetos. Não dá para ter um olhar só técnico para resolver problemas técnicos, temos que começar a pensar a cidade a partir da experiência que ela provoca nas pessoas. 

Nós, enquanto seres humanos, fizemos essa escolha de viver em cidades para que pudéssemos florescer em nossa humanidade. Temos um potencial criativo muito grande. A cidade foi a forma que encontramos de organizar nossa sobrevivência para poder expressarmos a nossa cultura, os nossos dons, os nossos talentos, para podermos florescer mesmo. Mas esse projeto coletivo chamado cidades teve um erro de execução: esquecemos porque estávamos fazendo isso. E eu compreendo que é muito importante que esse projeto volte pra rota, se ajuste.

Sinto que, nessa aula, eu vou oferecer insights importantes. Importantes para quem vai trabalhar com isso, importantes para quem tem interesse em saber mais sobre isso. E eu estou muito animada com as discussões, com esse encontro e com o impacto positivo que isso deve gerar em todos.