Adultização e exposição infantil: entenda as consequências da exploração de menores na internet

seg, 25 agosto 2025 11:48

Adultização e exposição infantil: entenda as consequências da exploração de menores na internet

Especialistas apontam que a superexposição e a manipulação de algoritmos tornam crianças alvos vulneráveis, enquanto o caso do influenciador Hytalo Santos evidencia brechas na proteção legal e os impactos psicológicos dessa realidade


Adultização de menores é a exposição precoce a conteúdos inadequados nas redes sociais, gerando riscos a infância (Foto: Getty Images)
Adultização de menores é a exposição precoce a conteúdos inadequados nas redes sociais, gerando riscos a infância (Foto: Getty Images)

As recentes acusações contra o influenciador Hytalo Santos, preso no dia 15 de agosto, acenderam um alerta sobre a exploração de crianças e adolescentes nas redes sociais. O criador de conteúdo foi denunciado por expor menores em situações de adultização, em vídeos que sensualizam seus corpos e transformaram suas infâncias em mercadoria digital.

A repercussão ganhou força após o youtuber Felipe Bressanim Pereira, mais conhecido como Felca, publicar um vídeo expondo como práticas desse tipo são normalizadas e até monetizadas nas plataformas digitais. O episódio abriu espaço para um debate que vai além da conduta individual de Hytalo Santos: são falhas estruturais em como a sociedade, as famílias e, sobretudo, as empresas de tecnologia lidam com a infância no ambiente digital. 

No documentário, que já conta com mais de 47 milhões de visualizações, Felca relaciona o tema da adultização ao contexto da pedofilia, apontando que a manipulação de algoritmos nas redes sociais favorece a exposição e exploração de crianças, tornando-as alvos mais vulneráveis para criminosos.

Apesar da repercussão nacional do caso Hytalo Santos ter acontecido após o vídeo de Felca, o influenciador paraibano já vinha sendo investigado desde 2024 pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) por exploração de menores em conteúdos publicados nas redes sociais. As acusações ainda apontam para possível tráfico de pessoas, exploração sexual e trabalho infantil artístico, entre outros crimes.

Direito é ferramenta essencial contra a exploração de menores

De acordo com Eduardo Régis Girão, professor do curso de Direito da Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz —, o caso traz à tona não apenas a denúncia da exploração desses menores, mas a reflexão sobre como as grandes plataformas de mídia têm um papel fundamental nesse processo, seja incentivando ou falhando em proibir esse tipo de conteúdo em seus espaços.

Há uma cadeia de responsabilidades a ser considerada, diz o docente. “Estamos diante de um cenário em que não apenas pais ou responsáveis exploram seus filhos em troca de likes ou dinheiro, mas também empresas como Meta e TikTok permitem que esse conteúdo seja divulgado e, pior, monetizado”, ressalta. Para o especialista, essa troca de curtidas e exploração é grave, pois transforma a violação da dignidade infantil em um modelo de negócio.

Eduardo aponta que a legislação brasileira já prevê proteção contra esse tipo de exploração, mas ainda existem brechas que facilitam a recorrência do problema. “O Estatuto da Criança e do Adolecente (ECA) é claro ao criminalizar a exposição sexual de menores. No entanto, a realidade digital traz novos desafios, como a chamada ‘adultização digital’, que ainda não encontra tipificação específica no nosso ordenamento jurídico”, explica. 

Ele reforça que, nesses casos, a discussão vai além da liberdade de expressão, pois envolve direitos fundamentais como a imagem, a intimidade, a honra e a integridade psíquica de crianças e adolescentes, todos garantidos pela Constituição (Lei N 8.069) desde 1990. No entanto, o mestre e doutor em Direito Constitucional também chama atenção para a necessidade de mudanças rápidas na forma como o Estado e a sociedade enfrentam o problema.


“Enquanto um vídeo desse tipo pode alcançar milhões de visualizações em horas, a resposta judicial pode levar meses ou anos. O dano psicológico à criança é imediato e, muitas vezes, irreversível. Isso exige mecanismos de fiscalização e punição muito mais ágeis”Eduardo Régis Girão, pesquisador e professor do curso de Direito da Unifor

Nesse sentido, os debates em andamento no Congresso sobre a regulação das plataformas digitais ganham nova urgência. O projeto de lei que está sendo pautado sobre a adultização de menores nas redes sociais é essencial, pois reconhece que as empresas são intermediárias neutras. Proposta pelo senador Alessandro Vieira, essa lei obrigará plataformas a remover conteúdos de exploração infantil e irá monitorar conteúdos que podem injuriar a integridade da criança e adolecente.

Segundo o professor Eduardo, ao influenciarem comportamentos e obterem lucro com determinados conteúdos, as plataformas de mídias sociais também devem assumir corresponsabilidade pela proteção da infância, o que inclui a necessidade de responsabilização jurídica de quem possibilita a exploração ou abuso infantil como fonte de lucro.

Impactos emocionais da adultização

Além da dimensão legal, o caso também levanta questões sobre os efeitos psicológicos da exposição precoce de crianças na internet. A infância é período extremamente delicado do desenvolvimento, em que o indivíduo ainda não compreende plenamente o que está acontecendo.

Segundo a psicóloga e psicanalista Sabrina Serra Matos, professora do curso de Psicologia da Unifor, adultizar precocemente uma criança e explorar sua imagem nas redes sociais é uma forma de violência, com um impacto emocional que pode ser devastador.

“Quando essa angulação falha ou simplesmente não existe, os efeitos podem ser drásticos para uma criança. De sintomas como apatia, irritabilidade, agressividade, insônia, dificuldades de aprendizagem, de estabelecimento de vínculos, entre outros”, pontua.

A psicóloga ressalta que, nesse contexto, a responsabilidade pelos limites e pela proteção das crianças recai sobre os adultos, que muitas vezes acabam expondo os menores a conteúdos inadequados, incentivando comportamentos ou aparências que não correspondem à idade e deixando de assumir o papel de orientação necessário.

“Cada vez mais, [os pais] têm dificuldade de dizer não, de estabelecer limites. É preciso ensinar os filhos a falhar, a lidar com as frustrações que fazem parte da vida. Mas o nosso tempo diz o tempo todo que é preciso fazer sucesso, é preciso ser visto. Se você não é visto, você não existe. Daí a superexposição das crianças nas redes sociais, a erotização precoce, a exploração”, explica.

Sabrina chama atenção para o contexto atual de superexposição, destacando que a busca por visibilidade a qualquer custo tem levado crianças a situações de exposição excessiva, erotização precoce e exploração. Diante disso, a professora defende que a transformação passa pelo diálogo.


“Não vejo outra possibilidade de mudança nesse cenário senão abrirmos vias de debate, de diálogo nas famílias, nas escolas, com as próprias crianças. Enquanto cidadãos que somos, é preciso fazer resistência, denunciar”Sabrina Matos, psicóloga, psicanalista e professora do curso de Psicologia da Unifor

O professor Eduardo Girão deixa um alerta a pais e responsáveis: “O caso Hytalo Santos, assim como o vídeo viral do Felca, devem servir como catalisadores para construção de uma cultura nacional de responsabilidade digital em que a proteção da infância seja reconhecida como compromisso ético inegociável de toda a sociedade”.