qui, 9 outubro 2025 14:11
Curta sobre feminicídio no sertão cearense vence Prêmio Unifor de Cinema no 35º Cine Ceará
“Vermelho de Bolinhas”, que retrata a história de Benigna Cardoso, vítima de feminicídio em 1941, também conquista o prêmio de Melhor Curta-metragem da Mostra Olhar do Ceará

O curta-metragem “Vermelho de Bolinhas”, dirigido por Joedson Kelvin e Renata Fortes, foi o grande vencedor do Prêmio Unifor de Cinema na Mostra Olhar do Ceará, parte da programação do 35º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema. A produção conquistou ainda o Troféu Mucuripe de Melhor Curta-Metragem da Mostra, recebendo um prêmio em dinheiro no valor de R$ 5.000.
A obra aborda a construção da imagem de Benigna Cardoso, menina sertaneja que, aos 13 anos, foi vítima de feminicídio no interior do Ceará em 1941. Diante da ausência de registros fotográficos originais da jovem, o documentário propõe uma jornada entre o visível e o imaginado, reconstruindo sua imagem por meio de relatos orais, documentos históricos e disputas simbólicas em torno da figura conhecida como “Heroína da Castidade”.
Para a diretora e co-roteirista Renata Fortes, o curta nasceu a partir de uma pesquisa acadêmica já desenvolvida por Joedson Kelvin, que investigava a história de Benigna Cardoso, além de elementos centrais ao filme, como a fé popular e o contexto territorial do Cariri. Renata destaca que, com quase dez anos de experiência como realizadora, seu papel foi “encontrar caminhos que pudessem transformar essa história em uma obra cinematográfica”.
Na ocasião, a Universidade de Fortaleza — instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz — foi representada por Max Eluard, diretor da TV Unifor.
Reconhecimento e incentivo à produção local
Pelo décimo ano consecutivo, a Unifor reafirma seu compromisso com o fortalecimento do audiovisual cearense ao conceder o Prêmio Unifor de Cinema. A premiação incentiva novas vozes e linguagens no cinema regional, destacando produções com forte identidade local e alto potencial narrativo.
Todos os curtas selecionados para a Mostra Olhar do Ceará concorrem automaticamente ao prêmio, que se consolidou como uma das principais vitrines para filmes autorais, experimentais e de relevância sociocultural no estado.
Renata Fortes ressalta a importância da cooperação entre iniciativas públicas e privadas para o desenvolvimento do cinema: “Além disso, considero essa interação fundamental para a existência, desenvolvimento, continuidade e democratização do Cinema. É um investimento para que o setor seja visto tanto como uma indústria econômica quanto como um pilar da identidade cultural e do acesso social”.
Sobre o reconhecimento recebido, Renata descreve a premiação como “muito gratificante”, destacando seu valor simbólico e prático. “Receber o prêmio foi muito gratificante, é um reconhecimento de trajetória, é um reconhecimento da importância do filme, é também um investimento. O filme está chegando ao mundo e ele tem muitos outros caminhos ainda para seguir, muitos outros lugares para chegar, muito mais gente para alcançar”.
Uma narrativa que resgata memória e imaginação
Renata explica que o filme explora a ausência da imagem original de Benigna, utilizando múltiplas linguagens visuais, como desenho, pintura e fotografia, para criar uma trajetória imagética que dialoga com o que está ausente.
“Mais do que encontrar ou propor respostas, era do nosso interesse transferir as perguntas que encontramos e incentivar esse exercício no espectador. O que a gente propõe é, antes de tudo, a imaginação”, ressalta.
A cineasta enfatiza ainda o caráter fragmentado da obra, que se assemelha a um caleidoscópio, representando não só a própria história de Benigna, mas também a fé popular, a imaginação e a memória, com um aspecto arqueológico que escava camadas históricas e geográficas.
Além disso, ela destaca a crítica do filme à construção da imagem feita pela Igreja Católica, que historicamente embranqueceu a figura de Benigna; “Fazemos uma análise crítica sobre a construção da imagem feita pela igreja católica. Então geramos um tensionamento sobre a colonialidade, sobre o que a igreja costuma fazer com a imagem de pessoas, que é embranquecer. Nós traz imagens de pessoas que são do Cariri, que são de Santana, de mulheres e meninas, enquanto caminhos muito mais possíveis para um rosto de uma menina que foi embranquecida pela igreja”.
Por fim, a diretora reforça a responsabilidade do filme ao tratar de um tema urgente e atual: a violência contra a mulher, que permanece presente especialmente na América Latina e no Nordeste brasileiro. Ela acredita que o curta pode ser um instrumento para mobilizar debates e influenciar políticas públicas.
“Temos uma enorme responsabilidade em cima da criação desse filme. Desde as possibilidades sugeridas de possíveis rostos mais próximos de características do território ao fato de que a gente está falando ainda sobre violência contra a mulher que é algo ainda tão presente no mundo todo, mas especialmente na América Latina, especialmente no Brasil, no Nordeste”, enfatiza.
Um festival que vai além da tela
A 35ª edição do Cine Ceará contou com a exibição de 13 longas-metragens e 29 curtas, incluindo obras das mostras competitivas Ibero-Americana de Longa-Metragem, Brasileira de Curta-Metragem e Olhar do Ceará, além de sessões especiais e 14 debates.
Durante o mês de outubro, o festival segue com as Mostras Sociais, que incluem a Mostra Melhor Idade, no dia 21, às 9h; a Mostra O Primeiro Filme a Gente Nunca Esquece, no dia 22, às 8h30; e a Mostra Acessibilidade, também no dia 22, às 14h30.
Também fazem parte da programação a Oficina de Cinema de Animação, com Telmo Carvalho (20 a 23 de outubro), e o Cine Itinerante, com sessões ao ar livre da animação “Meu AmigãoZão – O Filme”, de Andrés Lieban, em Pindoretama (4 de outubro) e na Aldeia Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz, no dia 23.
Por trás das lentes
Joedson Kelvin e Renata Fortes, diretores criativos do curta “Vermelho de bolinhas” (Foto: Arquivo pessoal)
Joedson Kelvin, natural de Santana do Cariri, é artista, pesquisador e comunicador social. Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Cariri (UFCA) e mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), desenvolve pesquisas sobre a representação visual de Benigna Cardoso
Já Renata Fortes é realizadora audiovisual nordestina com formações pela Escola Pública da Vila das Artes (CE) e EICTV (Cuba). No Cinema, transita entre palavras e imagens, atuando principalmente como roteirista e diretora de fotografia. Curadora independente com curadorias realizadas para Mostras e Festivais de Cinema. Possui ainda experiência com formação em Cinema/Fotografia e orientação/seleção de projetos/roteiros.
Ficha técnica de “Vermelho de Bolinhas”
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Direção e Roteiro: Joedson Kelvin e Renata Fortes
- Pesquisa e Produção: Joedson Kelvin
- Produção Executiva: Joedson Kelvin e Renata Fortes
- Direção de Fotografia: Renata Fortes
- Direção de Arte: Joedson Kelvin
- Montagem: Lucas Santos, Joedson Kelvin e Renata Fortes
- Som Direto, Desenho de Som e Mixagem: Mike Dutra
- Cor: Wallace Douglas
- Trilha Sonora: Evânio Soares
- Produção de Set: Joedson Kelvin e Millena Soares
- Assistência de Produção: Maria Cledeiza, Geovanna Oliveira, Artúr Salú, Mayza Júlia e Carlinhos de Sousa
- Assistência de Fotografia: Joedson Kelvin e Millena Soares