seg, 20 outubro 2025 19:03
Metanol: falhas na fiscalização de bebidas alcóolicas revelam brechas na proteção ao consumidor
Desativação do sistema de controle de bebidas e falhas na fiscalização expõem consumidores a riscos fatais. Entenda as consequências para a saúde pública e os impactos econômicos no Brasil

O Brasil vem enfrentando uma escalada no contexto das intoxicação por metanol em bebidas adulteradas, revelando os riscos à saúde pública e a fragilidade da fiscalização e da regulação no mercado de bebidas alcoólicas. Só nos últimos meses, foram 41 casos confirmados e outros 107 estão em investigação, além de oito óbitos contabilizados em todo o país.
Enquanto os noticiários destacam os efeitos devastadores do metanol, como cegueira, convulsões e até mortes, especialistas apontam que o verdadeiro pano de fundo do problema está na ausência de um sistema fiscal e sanitário eficiente, que deveria proteger o consumidor e garantir a legalidade no setor.
A ausência de mecanismos efetivos de controle após a desativação do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (SICOBE), em 2016, por exemplo, abriu espaço para a atuação de produtores clandestinos e para a circulação de produtos potencialmente prejudiciais à saúde.
Um problema químico com raízes econômicas
De acordo com a engenheira de alimentos Gleucia Moura, docente do curso de Nutrição da Universidade de Fortaleza — instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz —, o caso das bebidas adulteradas revela algumas falhas na fiscalização, o que coloca a saúde pública em risco. Ela explica que o metanol é um álcool extremamente tóxico e, mesmo em pequenas quantidades, pode causar graves danos ao sistema nervoso e à visão.
“A ingestão de bebidas adulteradas com metanol representa um risco grave e potencialmente fatal à saúde, mesmo em pequenas quantidades. Sua ingestão pode causar intoxicação aguda, danos ao sistema nervoso central, perda da visão e até morte se não houver atendimento médico imediato”, afirma.
Gleucia detalha que a produção das bebidas destiladas, como cachaça, whisky, vodka e rum, passa por um processo de destilação fracionada, no qual diferentes substâncias são separadas de acordo com seu ponto de ebulição. O metanol, que evapora a 64°C, deve ser descartado ainda na chamada “cabeça” da destilação.
Também chamado de álcool metílico, trata-se de um álcool industrial extremamente tóxico, utilizado como solvente, anticongelante e na fabricação de combustíveis (Foto: Getty Images)
Do ponto de vista econômico e regulatório, o problema tem raízes na falta de controle sobre a produção. A economista Isadora Osterno, doutora em Economia e docente do curso de Ciências Econômicas da Unifor, lembra que o SICOBE foi criado justamente para monitorar o volume de bebidas produzidas e coibir fraudes fiscais. “O sistema foi desativado por motivos orçamentários e tecnológicos. Era caro, pouco eficiente e abrangia apenas parte do setor”, explica.
Entretanto, Isadora aponta que o maior erro foi não substituir o sistema por um modelo mais moderno: “O problema não é o fim do SICOBE em si, e sim a falta de um novo modelo de controle à altura do tamanho do mercado de bebidas no Brasil”, ressalta a docente.
O colapso da fiscalização e seus reflexos
Desde 2016, com o fim do SICOBE, a Receita Federal passou a depender apenas da autodeclaração das indústrias, sem verificação em campo. Essa lacuna ampliou o espaço para fraudes e a atuação de falsificadores.
Isadora avalia que, quando há falha de fiscalização e punição branda, o custo de produzir ilegalmente fica baixo, estimulando práticas ilícitas. “O Estado precisa aumentar a fiscalização e as punições, criando incentivos corretos. Assim, o mercado formal, que gera emprego e paga imposto, volta a ser mais competitivo”, pontua.
Atualmente, uma fábrica de bebidas deve contar com registros legais, licença sanitária e atender às regulamentações específicas para a produção e comercialização de bebidas alcoólicas (Foto: Getty Images)
O mercado clandestino não só prejudica o setor formal, como também distorce a concorrência e reduz a arrecadação tributária. Segundo dados da Receita Federal citados por Isadora, a arrecadação do setor de bebidas cresceu de R$ 9,2 bilhões, em 2016, para R$ 13,4 bilhões, em 2024. Mesmo assim, o potencial poderia ser ainda maior com um sistema de controle inteligente e integrado.
“Uma estrutura de fiscalização bem desenhada traz previsibilidade e segurança econômica. Quando o controle é eficaz, reduz-se o espaço para fraudes e melhora-se a arrecadação sem aumentar impostos”, reforça a economista.
Metanol: o veneno invisível nas bebidas clandestinas
No campo da saúde, o metanol é uma substância de alto poder tóxico. “O metanol é metabolizado no fígado em formaldeído e ácido fórmico, compostos altamente tóxicos para o corpo humano”, explica a engenheira de alimentos Gleucia Moura. Esses metabólitos causam danos ao sistema nervoso, acidose metabólica e, em muitos casos, cegueira irreversível.
Sintomas de alerta após a ingestão de metanol incluem:
- Visão turva;
- Perda parcial ou total da visão;
- Náuseas e vômitos persistentes após ingestão de bebida alcoólica;
- Dor abdominal intensa e mal-estar generalizado;
- Confusão mental, desmaios ou convulsões;
- Dificuldade respiratória ou fraqueza extrema.
Além do metanol, outras substâncias perigosas são frequentemente encontradas em bebidas adulteradas: acetona, formaldeído e metais pesados como chumbo e cobre. Essas substâncias podem provocar dores de cabeça, danos hepáticos e intoxicações crônicas, agravando ainda mais os riscos.
Impacto que vai além da saúde
Os casos de intoxicação por bebidas adulteradas com metanol também têm efeitos profundos no sistema de saúde pública. Gleucia explica que “os pacientes intoxicados demandam atendimento emergencial imediato, internação em unidades de terapia intensiva, suporte respiratório e hemodiálise”. Esses procedimentos sobrecarregam os hospitais e geram custos financeiros elevados.
Foi ressaltado que, mesmo com o tratamento adequado, o metanol pode deixar diversas sequelas, incluindo consequências sociais e psicológicas. As famílias frequentemente enfrentam traumas físicos e emocionais, e há também o risco de abalo na confiança da população em relação aos produtos legalmente comercializados.
Já do ponto de vista econômico, a falta de fiscalização é um problema duplo. Além de colocar vidas em risco, ela enfraquece o mercado formal e reduz a arrecadação de tributos.
“Empresas sérias pagam todos os tributos e perdem espaço para quem atua de forma ilegal. A falsificação é ainda mais grave, porque além de tirar receita do Estado, coloca o consumidor em risco” — Isadora Osterno, doutora em Economia e docente do curso de Ciências Econômicas da Unifor
Isadora defende que um novo modelo de fiscalização digital, mais moderno e menos oneroso, poderia resolver boa parte dos problemas. “Reinstalar o SICOBE como funcionava não era viável: custava R$ 1,8 bilhão por ano e monitorava apenas o volume produzido. O ideal seria um sistema que acompanhe todo o ciclo de produção e venda, garantindo rastreabilidade e transparência”, explica.
A economista também lembra que um controle mais firme “aumenta a arrecadação, melhora a concorrência e dá segurança ao consumidor”. Embora possa haver aumento de custos no curto prazo, o benefício coletivo, em saúde e confiança no mercado é muito maior.
Educação e consumo consciente: a linha de defesa do cidadão
Enquanto o poder público não reestrutura os sistemas de fiscalização, o consumidor precisa adotar medidas de autoproteção. Gleucia Moura orienta que os sinais de adulteração podem ser percebidos em diferentes aspectos do produto:
- Tampa: lacres violados, tampas frouxas ou sinais de abertura anterior.
- Líquido: cor alterada, sedimentos ou odor químico forte.
- Rótulo: borrado, rasgado ou mal impresso.
- Selo fiscal: ausente, violado ou mal colado.
- Preço: muito abaixo do valor de mercado.
“O consumidor deve comprar apenas de locais confiáveis, observar o selo fiscal na tampa e desconfiar sempre de preços muito abaixo do normal. Informação é a melhor forma de defesa contra risco e fraude”, reforça Isadora.
Para a professora Gleucia, campanhas de conscientização e educação alimentar são fundamentais: “É importante ensinar o consumidor a identificar características de qualidade e procedência dos produtos, como selos de certificação e registros oficiais. A capacitação de vendedores e comerciantes também é essencial”.
Fiscalização integrada: uma necessidade urgente
Ambas as especialistas concordam que a atuação conjunta entre órgãos de saúde e fiscalização tributária é o caminho mais eficaz para enfrentar o problema. “A integração entre essas áreas permite identificar rapidamente irregularidades, promover ações mais eficientes e punir os responsáveis de maneira efetiva”, explica Gleucia.
Isadora complementa que essa integração também favorece o desenvolvimento de estratégias conjuntas, como campanhas educativas e ações preventivas, ampliando o alcance das medidas de proteção.
“Com fiscalização inteligente e integrada, é possível ampliar a arrecadação e reduzir fraudes, sem aumentar impostos. É um ganho triplo: para o Estado, para o mercado e para o consumidor”, resume a economista.
O caso do metanol em bebidas adulteradas é mais do que uma tragédia pontual, é um alerta sobre as consequências da desregulação de um setor bilionário que afeta diretamente a saúde da população. A falta de fiscalização, a ausência de um sistema moderno de controle e a negligência na rastreabilidade de produtos criaram o terreno ideal para práticas ilícitas e riscos fatais.
“Investir em fiscalização e controle sanitário é uma estratégia preventiva de saúde pública, protege o consumidor, fortalece a economia legal e ajuda a criar um ambiente mais seguro e justo para todos os envolvidos na cadeia de produção e consumo” — Gleucia Moura, engenheira de alimentos e professora do curso de Nutrição da Unifor
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